“Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.”
Meu corpo estava dolente, havia me jogado na cama sem, ao menos, tomar banho. Não tinha o costume de beber e frequentar festas, principalmente festas americanas.
Olhei de soslaio para a cama de Amber. Seu corpo estava virado para uma posição contrária à minha, mas eu podia jurar que ela estava chorando. Não só pelo jeito no qual sua respiração estava ofegante, mas sim, por escutar sussurros vindos diretamente dela.
Minha mente processava a ideia de ir até ela e perguntar o porquê de todo escândalo no Pub, ou o porquê de ela estar chorando... Se é que ela estava chorando. Porém, apesar de tudo, sentia-me um patinho feio no meio de toda a história. Havia acabado de chegar e, se quer, sabia os problemas da garota que, hoje, eu dividia basicamente minha vida.
Virei para o lado e fechei meus olhos desejando que tudo aquilo passasse. Rezei com minhas mãos unidas em um tom de voz quase inaudível, até que, aos poucos, senti meus olhos pesando cada vez mais...
Atlanta; sexta-feira; 12:45 da tarde.
Caminhei até o banheiro do quarto vasto. Tão imenso quanto o quarto, era o banheiro que, neste momento, eu caminhava para dentro e fechava a porta. Cotinha uma privada de porcelana branca, uma pia por cima de um balcão emadeirado – com sabonetes líquidos e alguns utensílios de uso pessoal. – e um espelho condito que estava a alguns centímetros acima da bancada de marfim.
Olhei meu reflexo diante do espelho sem bordas. Vi meus cabelos negros em estado caótico. Olhava-me com desanimo: Seria esta a garota que um dia tanto amou a vida?! Péssima pergunta, pois eu nunca iria encontrar uma resposta concreta para isto.
As olheiras que haviam se formada por debaixo dos meus olhos deixavam-me com uma aparência ainda mais cadavérica. Abrir o registro liberando toda a água possível, por seguida, banhei minha escova de dente com minha deliciosa pasta de hortelã.
Despi-me de frente ao espelho e constatei que meu corpo não era mais o mesmo. Havia enlanguescido os quadris, e meus seios pareciam ter ganhado alguns quilos. Não que isto fosse ruim, era ótimo, pois meus seios eram magros e agora estavam fartos. Sem falar que minhas pernas haviam ganhado carne, minhas panturrilhas pareciam transpassar que eu malhava toda semana.
Deslizei para dentro do box. A água que caía em abundancia estava morna. Quente. E chegava a deixar minha pele avermelhada.
Enrolei meu corpo na toalha cor-de-rosa claro, meus cabelos estavam garoando, deixando o chão encharcado. Andei até meu armário e o abri cautelosamente, Amber ainda roncava espalhada por sua cama.
Vesti minha blusa de linho e meu short lilás. Penteei meus cabelos e os deixei soltos à aura.
Sentei-me no sofá com a tigela de cereais com leite em meus braços. Tive sorte de achá-los, caso contrario, morreria de fome até que me desse coragem de descer e comprar algo.
Um som azucrinante impregnou na sala. Meu celular tocava em um som máximo.
Deslizei o teto sobre a tela, atendendo à ligação.
– Alô?
– Erz? É você? – ao escutar a voz rude senti uma dor em meu peito, como se uma flecha tivesse sido introduzida.
– David? – disse atordoada. – Como conseguiu me ligar?
– Erz, eu não tenho muito tempo... Me escuta, tá legal?!
Toda confusão entre eu e o David era por uma conta de uma única coisa: Traição.
Namorávamos desde o ano passado, ele era meu fiel e único companheiro. Livrava-me das desgraças do Dom e ajudava-me em tudo o que eu precisava para me manter viva. Havíamos nos conhecido no colégio, David era jogador do time de futebol e participava de alguns treinos de natação. Era dedicado aos estudos e um dos melhores alunos da classe. Não nos falávamos, na verdade ele conseguia me deixar com repulsa por alguns atos que tinha em relação às garotas, porém, em uma quinta-feira, a maldita professora de química nos passou um trabalho em dupla e, consequentemente, meu nome foi sorteado junto ao dele.
Depois de então, não nos desgrudávamos mais. Erámos unha e carne, e eu podia jurar que, ao meu lado, tinha o homem que eu amaria para o resto de minha vida... Tolice!
– O que você quer? Está louco de estar de ligando?!
– Eu só... Sinto sua falta. – sua voz saiu embargada.
– David, você sabe o que fez. Não me venha com conversas afiadas agora, fingindo que nada aconteceu.
– Erz, eu não liguei para falar sobre isso. Eu errei, mas agora não é a hora.
– O que foi então?
– É sobre a morte da sua mãe. – meu coração pareceu parar por alguns segundos. – Está me escutando. – murmurei um “Uhum!”. – Então, desculpe-me falar isto por telefone, mas é que eu realmente sei onde você está, e jamais conseguiria chegar ai a tempo.
– Desembucha logo. – gritei.
– Erz, lembra-se do médico? O senhor Glamnest? Ele que fez o laudo onde dizia que ela havia se suicidado por conta de problemas mentais... – assenti com um “sim!”. – Ele foi preso semana passada por porte ilegal de arma, mas isso não vem ao caso. O que acontece é que ele disse ter sido subornado com uma quantia de cem mil dólares para falsificar um laudo de óbito, ou seja... Dom o pagou.
Engoli seco.
Uma lágrima quente escorreu por meu rosto.
– Então eu e o Wilson fomos até a delegacia... – ele continuou. – E chegando lá um dos policiais afirmou que a morte da sua mãe, foi algo causado... Ela falou assassinada.
Não conseguir se quer falar alguma coisa. Arremessei o celular com entusiasmo contra a parede. Eu não conseguia raciocinar suas palavras, meu corpo rejeitava de modo eufemístico. Minha vida estava caótica, medonha até demais. Minha única vontade era acabar com tudo e, por fim, deixar este mundo cruel para trás. Mas, como dizia minha falecida tia Anastácia ‘até no mais destruído campo de batalha, existirá uma pétala de rosa’.
Não conseguia pensar em mais nada, há não ser na dor imensa que me corroía por dentro. Parecia que havia caído de bruços em um chão rodeado por espinhos, ou que um bala havia perfurado meu peito.
Chorava alto enquanto me debatia no chão. Aquela altura... Não tinha mais noção do que sentia ou do que pensava. Apenas consentia o ódio e a sede de vingança. Ah... a tão esperada vingança.