Capítulo 4

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     Já fazem três anos que estudamos juntos. Bem como dizem, a faculdade nos traz pessoas que se tornam nossa família. Miguel é para mim mais do que só um grande amigo, ele é muito mais. Mas ele não precisa saber disso, na verdade ele não pode, isso poderia trazer muito mais riscos do que nossa amizade já nos traz.
     Meu celular toca. Antes mesmo que pudesse atender, a ligação é encerrada. Quando desbloqueio a tela percebo as cinco ligações perdidas e algumas mensagens não lidas de Kristina. Abro suas mensagens.

[mensagens on]

     - [Kris]: Hey, vê se não esquece que temos as duas últimas hoje, a professora voltou da licença :(
     - [Kris]: Vagabunda, está proibida de gasear essas também ou vai acabar reprovando o semestre!!!
     - [Kris]: Tô comprando um café pra gente, tem quinze minutos pra vir aqui para o bloco...Tic toc, tic toc.
     - [Kris]: Vou ficar te ligando até ver minhas mensagens e me responder, não me ignora não sua piranha.
     - [Dina]: Puta merda, perdi a noção do tempo mesmo.
     - [Dina]: Tô aqui na biblioteca, chego aí em cinco minutos...vê se não toma meu café kkkkk

[mensagens off]

     Recolho minhas coisas com bastante pressa. Realmente não posso perder aquela aula, não a essa altura do semestre. A cada dia que passa fica mais difícil de equilibrar todos os trabalhos, mas é normal de fechamento de período.
     - Putz, eu preciso mesmo ir Miguel. A Kris vai comer o meu cu se eu não for pra essa últimas aulas. A gente combina algum outro dia daí pra terminar... - digo meio desesperada dando um beijo em sua bochecha antes de sair da sala apressada.
     - Tá bom, vejo vocês na sala depois. Também vou assistir as aulas da Gabi hoje. - Ele me retorna antes de eu fechar a porta.
     Se não fosse o café que a Kris comprou pra mim acho que não teria aguentado aquelas aulas, por mais que eu goste da professora Gabriela. A presença de Miguel também me ajuda e me motiva. Ele é bom demais pra mim, preciso me concentrar em não fazer besteira pois qualquer deslize... não posso deixar isso acontecer.
     Passaram-se quatro dias sem nenhum contato de Lian. Por melhor que seja, tinha algo estranho nisso. Novamente me vejo subindo a bela escadaria da biblioteca, rumo a sala Versalhes. Preciso terminar aquele trabalho com Miguel. Assim que entro percebo que ele ainda não havia chego. Como de costume, coloco minha mochila no sofá porém algo faz minha respiração acelerar e me deixa estática pela adrenalina que invade meu corpo junto com o medo. A sala Versalhes não é exatamente frequentada, chega a ser quase escondida pelas estantes recheadas de livros tornando seu acesso parcialmente camuflado e sua existência quase que desconhecida.
     De quem seria aquela caixa perfeitamente posicionada no centro da mesa? É só o que consigo pensar naquele momento. Me aproximo pela curiosidade apesar do receio. Estava lacrada, mas com uma folha de papel dobrada. Pego a folha de papel desdobrando-a. Para minha querida Ari. Aquelas palavras me confirmaram que eu tenho sim motivos para me desesperar. Olhei ao meu redor para certificar-me de que estava sozinha na sala.
     Prossegui abrindo a caixa. Tem um envelope com certo volume, algo que ocupava a maior parte do espaço da caixa envolto em papel de seda preto selado com um adesivo com alguma logo dourada que não reconheço, e mais um papel dobrado como uma carta. Começo com o envelope. Um maço de dinheiro, várias notas de cinquenta reais. Sinto a necessidade de ler aquela carta, preciso entender o que significa aquilo.

    "Aqui está o pagamento pelo seu último duro trabalho. Se saiu maravilhosamente bem e o papai achou que merecia um estímulo maior.
    Espero que não tenha nada marcado para esta sexta. Não se preocupe, eu sei que terá aula, portanto irei te buscar as 22h tá bom xuxu. Nada de atrasos, sabe o que acontece né?!
   P.s. Aposto que ficará deliciosa. Escolhi com carinho meu amorzinho.
                                            De seu Lyan."

     Conforme leio diversas dúvidas invadem minha mente. Como ele descobriu que eu estaria naquele lugar, naquele horário? Quando esteve ali? Finalmente abro o pacote preto. A delicadeza e poder das peças de renda vermelha se revelam cada vez mais vibrante conforme desembrulho o papel seda. Assim que percebo do que se trata o conteúdo, embrulho novamente no pacote e devolvo à caixa junto com os bilhetes é o envelope.
     - Aquele filho da puta esteve aqui e ainda teve a audácia de me deixar isso. - digo indignada enquanto coloco a caixa em minha mochila.
     - Não acredito que aquele desgraçado... - dizia com raiva quando som da porta se fechando me interrompe.
     - Eu sei que estou meio atrasado mas não precisa me xingar assim. - diz Miguel enquanto me viro em direção a porta espantada.
      - Nossa, não te ouvi entrar. Desculpa mas é que eu tô meio nervosa pra terminar dentro do prazo sabe?! Falta uma semana para as entregas e provas de encerramento... - digo envergonhada tentando desviar de Miguel o real motivo de minhas palavras anteriores.
     Ele parece não ter dado muita importância ao que acabara de acontecer. Mesmo me sentindo meio envergonhada, seguimos as próximas horas em frente aos notebooks e livros redigindo os últimos detalhes de nosso trabalho.
     Horas depois continuo ainda pensando no episódio da biblioteca enquanto ando pelos corredores com Kris, rumo a sala da próxima aula. Quando de repente sou despertada de meus devaneios com estalar de dedos a minha frente.
     - Hello?! Eu tô falando com as paredes por caso? Você não ouviu nada do que eu disse né? Porra Dina para de viajar. - diz Kris parando em minha frente, mascando o chiclete com a boca entreaberta e erguendo sua sobrancelha direita, ressaltando o piercing que ali possui, como sempre faz quando fica incomodada com algo ou alguém.
     - Vai com calma aí, me distraí um pouco. Repete faz favor. - respondo num tom defensivo, pois realmente não absorvi de nada do que ela havia dito.
     - Bom, eu estava dizendo que a galera já confirmou de sair amanhã no horário da aula. O que me diz? Você vai né?! - resmunga com certa empolgação.
     - Foi mal, já tenho compromisso pra amanhã... e vou passar no banheiro antes, guardem um lugar pra mim dessa vez! - digo com certo desânimo enquanto desvio dela, me lembrando da caixa que carrego em minha mochila.

Imperfeita não por opçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora