Capitulo 3

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     Abro lentamente meus olhos. Estavam pesados como se não dormisse a dias. Sentia como se tudo ao meu redor estivesse atrasado, porém tudo muito presente. Minha cabeça girava e doía como se fosse prensada de uma só vez até explodir. Infelizmente já havia passado por essa sensação antes, e sempre significava um pesadelo. Meu estômago revira de uma maneira incontrolável, dando tempo apenas de me curvar um pouco pra fora da cama regogitando os indícios do que foi uma noite intensamente sem limites. Me sentia péssima.
     A luz que entrava pelas cortinas claras de meu quarto comprometiam minha visão, aumentando expressivamente as dores agudas em minha cabeça. Ainda assim me esforço para levantar. Tentando sair de meu quarto acabo me vendo no chão antes mesmo de chegar a porta. A queda me faz perceber as marcas roxas espalhadas pelo meu corpo, sendo muito mais evidentes em meus tornozelos e pulsos. Flashbacks começam a invadir minha mente, fazendo meus olhos se encherem de lágrimas. Carregadas de ódio, desgosto, tristeza e culpa.
     Ela sabia exatamente os culpados de tudo aquilo, mas não podia fazer nada, sentia-se acima de tudo impotente, refém de sua própria fraqueza. Culpada por criar um escudo feito do mais frágil cristal e que a cada dia se torna mais fino.
     Passado um tempo, consegui novamente reunir forças para levantar. Tomei um banho demorado, me esforçando para lembrar de mais detalhes daquela noite. Malditas drogas, tudo por causa das drogas. Então me lembro de seu abraço, o quanto me faz falta. Mas a realidade é outra agora e preciso aceitar isso.
     Me enrolo na toalha com cuidado e volto para meu quarto terminar de me secar. Já vestida, percebo minha mãe abrir a porta enquanto termino de secar levemente meu cabelo com a toalha.
     - Boa tarde minha filha, eu te trouxe um chá e uns remédios para se recuperar mais rápido. Também já limpei seu quarto e troquei as roupas de cama. - diz colocando a caneca e umas cartelas de remédio em meu criado mudo.
     - Que horas que eu cheguei em casa? - pergunto meio indiferente.
     - Eram mais ou menos umas 6:30 da manhã. Recomendo que depois de tomar o chá e os remédios, você deite e descanse mais um pouco antes de ir pra aula. - diz saindo logo em seguida fechando a porta.
     Pendurei a toalha no cabideiro e penteei meu cabelo. Não estava com paciência nem condições de seca-lo, então me sentei na cama e tomei os remédios. Fui tomando aquele chá meio amargo de gengibre aos poucos enquanto mexia no celular. Termino e coloco a caneca de novo ao lado da cama. Ajusto o despertador para 16h e pego novamente no sono.
     Como em um piscar de olhos, acordo no horário programado. Tenho que me arrumar para a faculdade. Um sentimento de alívio e conforto me vem a mente junto com a memória de seu rosto, junto com a imagem de seu sorriso perfeito. Visto uma jeans justa e uma camiseta bordô larga com a parte da frente presa por dentro da calça e termino calçando um tênis preto. Faço uma maquiagem simples, mas suficiente para encobrir as marcas aparentes pelo meu corpo e pego minha mochila antes de descer para a cozinha.
     Preparo algo leve para comer antes de ir pra aula. Pego tudo que preciso e saio em direção ao ponto de ônibus, enquanto como uma maçã e tento repassar quais aulas iria ter hoje. Descarto no lixo que havia no ponto o que restara da maçã, e logo coloco meus fones de ouvido me fechando para o mundo ao meu redor. Os Passos que tomo, todo o percurso até a faculdade se tornam apenas um reflexo, como algo involuntário, algo como apenas existir.
     Me sinto só, olhando pela janela do ônibus as outras pessoas em seus carros, algumas voltando para suas casas depois de um longo dia de trabalho, algumas estressadas, outras com uma expressão alegre reconfortante mesmo em meio aquele trânsito. Olho cada uma daquelas pessoas imaginando como devem ser suas vidas, o que gostam de fazer, suas infelicidades, refletindo como seria ter a vida delas. A única coisa que consigo ouvir são as músicas de minha playlist, me dando a sensação de estar assistindo algum tipo de filme, como se não estivesse ali de corpo, só de alma. Antes mesmo que eu perceba, deixo escapar algumas lágrimas que escorrem pelas minhas bochechas e acabo puxando um longo e inaudível suspiro.
     Passo mais uma vez por aqueles portões, apreciando aquela grandiosa obra arquitetônica que é apenas a entrada da universidade onde estudo, uma faixada deslumbrante que condiz com todo o resto. A perfeita harmonia entre os jardins e a simétrica estrutura, com traços arquitetônicos que podem ser descritos como uma releitura da época romantica. 
     Atravesso a multidão de estudantes desviando por um caminho de pedras que segue em meio as árvores, não sendo muito utilizado pela deficiente iluminação durante a noite. Gosto daquele ambiente. Tiro um pouco os fones de ouvido enquanto caminho por ali pois gosto do som da apreensão relaxante que se desenvolve ao redor da penumbra do anoitecer, o resquício da luz do sol entre os troncos que começam a ser encoberto pela luz do luar que ressurge através das copas das árvores.
     Finalmente chego a fonte da escultura mais famosa da universidade, uma bela mulher enrolada em alguns tecidos leves que transparecem seu corpo enquanto tem um braço erguido em direção ao céu, como se quisesse alcançar algo. Mulher dos véus, assim que é popularmente conhecida a estátua da fonte que fica bem em frente a formosa biblioteca do campus.
     A biblioteca é com certeza um dos meus lugares favoritos da universidade. Me sinto protegida do mundo lá fora. Adoro os vitrais, a organização e simetria de tudo, o aroma do conhecimento e história desse lugar me deixa entusiasmada e esperançosa. Vou logo para o terceiro andar, na minha sala favorita, a sala Versalhes. O piso de carpete escuro e o papel de parede antigo transcede um clima clássico e sedutor, aconchegante pela sua privacidade embora tenha uma parede inteiramente de vidro que proporciona a vista do coração da biblioteca, uma visão de todos os andares desde a porta de entrada. Sento no sofá que está direcionado a grande tela da biblioteca e logo apoio meu computador e alguns livros que havia pego em cima da mesa baixa que há na frente.
     Já havia passado uma hora que estava fazendo aquele trabalho, quando então sou surpreendida com alguém tapando meus olhos com as mãos. Meu coração acelera. Sinto seu perfume me sentindo aliviada.
     - Eu não ouvi você chegar, está querendo virar algum tipo de ninja? - pergunto rindo enquanto continua tapando minha vista.
     - Uhm, quem sabe algum dia Dina. - ele me responde tirando as mãos de meu rosto pulando por cima do sofá e sentando ao meu lado.
     Seus olhos num tom mel me hipnotizam com a pureza que transpassam, seu sorriso é o mais encantador e contagiante. Nunca conheceu alguém como ele.
     - Você está atrasado Miguel, achei que teria que terminar esse negócio sozinha. - digo abraçando-o fortemente enquanto ainda sorria pela sua finalmente presença. Consigo apenas pensar na saudades que senti, no quanto queria mais uma vez seu abraço. Acabo que tenho que segurar o choro que entala em minha garganta. Tê-lo ali presente e poder senti-lo, é como se fosse um sonho do qual não quero acordar.

Imperfeita não por opçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora