Portas abertas

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Eu estava impaciente. Meu eu e Willy haviam saído em missão. Eu estava preocupado com o bebê na barriga do meu eu. Mesmo que eu, naquela idade, nem sequer cogitasse a ideia de ter filhos um dia, eu não conseguia mais tirar da cabeça coisas como: "será que vai ser menino, menina ou intersexo?” "com quem vai se parecer mais?”, "será que está tudo bem mesmo?”, "e se acontecer algo?!”. O único intervalo dessa rede de pensamentos era quando eu cuidava de Maria. Obviamente, a pequena me amava. Mas Will gostava muito dela, queria ela sempre que pudesse. Por isso, eu frequentemente ficava paranóico. Eu mandava mensagens para eles todo dia, para ver se estavam bem. Eles sempre estavam e sempre me pediam para me acalmar, pois eles sabiam o que estavam fazendo. Mas muitos sentimentos são involuntários, eu não conseguia não me preocupar.
- ei - chamou Will - você vai ficar careca se continuar puxando seus cabelos assim.
- foi mal, eu estou nervoso.
- de novo? Olha, vamos conversar um pouco pra passar o tempo pode ser?
Concordei e Will nos indicou o sofá.
- na verdade, tem um assunto que eu queria mesmo falar contigo.
- e qual seria?
- sabe - ele olhou para Maria e mordeu os lábios, um claro sinal de desconforto. - eu sei que parece meio bizarro mas... Eu tava pensando em como vai ser quando voltarmos para o nosso tempo. Não vamos ter Maria e... Eu não sei se consigo ficar mais sem ela. Isso não faz sentido né? Desculpa.
- hey, tudo bem. Eu entendi e estou na mesma situação. Eu também não vou conseguir mais viver muito bem sem ela, mas vamos ter que esperar. Quando realmente crescermos, casarmos e conseguirmos a casa, nós vamos viver isso aqui. Mas temos que ter paciência e coragem, ok?
Ele murmurou um "ok” e fez um beicinho bem leve, que eu já descobri se tratar de um pedido por beijos. Sorri e não hesitei em colar nossos lábios. Estávamos pegando o jeito da coisa. Maria tinha dormido no carrinho (menina dorminhoca), então não tivemos preocupações em relação às mãos bobas de Will indo de alto à baixo em meu corpo, apertando as regiões mais comprometedoras e me fazendo rir e gemer baixinho.
- Will, não podemos agora - eu disse, contra minha própria vontade.
- só mais um pouquinho - ele resmungou em resposta. Grunhi.
- da última vez que disse isso, eu perdi a virgindade. Nós realmente não podemos Will!
- tá. Mas hoje à noite, você não escapa!
- mal posso esperar.
Nesse momento, Maria guinchou e balbuciou, acordando. Obviamente, ela logo começou a chorar.
- e lá vamos nós - disse meu namorado. Ele pegou Maria no colo e se dirigiu à cozinha.
- pode pôr a mamadeira pra esquentar amor?
- ok.
Depois de aquecida, a mamadeira não demorou à ficar vazia. Essa menina, além de dorminhoca, é morta de fome! Depois disso, Will passou mais algumas horas brincando com ela. E eu... Fui ler. Descobri que eles tem uma biblioteca GIGANTE, tipo, tem o tamanho de um terço do castelo de Hades! Tudo entupido de livros dos mais variados gêneros! E nessa biblioteca, haviam antigos escritores falecidos que trabalhavam como bibliotecários, tipo, Jane Austen, Nikolai Tchernychevskii, e até Anne Frank! É surreal! Passei por um subsala da biblioteca e perguntei à Emily Brontë que salinha era aquela.
- é uma sala onde Di Angelo pesquisa referências históricas. Ele tem um curso e um mestrado em história, além de um projeto chamado Museu dos Oprimidos, que como já diz o nome, é para exibir a história dos oprimidos. Porém, ele tem dado um tempo desse trabalho para cuidar da família. Tememos que ele tranque o projeto por longos anos, ou até para sempre. És uma versão mais jovem dele, não é? Quer entrar?
Assenti prontamente. Estava curioso demais com aquilo! Ela usou um cartão fantasmagórico na porta e ela automaticamente abriu, e logo, prendeu a porta de forma aberta em um fecho na parede.
- após fechada, a porta só se abre com um destes cartões ou com o passe livro do Di Angelo. Então não feche a porta!
Assenti e ela sumiu. Adentrei o cômodo e fiquei chocado. Não era uma salinha, era quase um salão! Haviam relíquias históricas de todos os tempos imagináveis. Mas, apesar disso, não parecia um lugar deprimente, tedioso ou opressivo. Era temático, podemos dizer. Os artefatos estavam posicionados como se estivessem prestes a atacar uns aos outros sozinhos, ao ponto de dar arrepios. A maioria eram lanças, escudos, arcos, aljavas, flechas, espadas, armaduras, selas, bigas e até esqueletos de animais que haviam sido curados e consertados. Jamais poderiam ser usados novamente, mas estavam em condições perfeitas para longas exposições. Esqueletos de monstros também estavam por alí, porém, estes estavam empacotados, por serem grandes demais. Além de artefatos, haviam desenhos, escritas, códigos, pergaminhos e todo tipo de documentos que poderiam haver nas épocas antigas, sem contar os artigos de magia! Tudo estava em processo de organização. Vi, em cima de uma mesa, um papel rabiscado:

Épocas antigas: 95% ok. Próxima etapa: idades média, moderna e contemporânea (guerras, descobertas, direitos vetados, preconceito, luta por igualdade, etc.)
Onde? Quem? Quantes? Como?

Pude reconhecer minha letra alí. Apesar de ser feito as pressas, era claro que isso iria ter que sair do papel em algum momento. E era clara a dedicação dele (eu) naquele trabalho. O empenho estava, literalmente, por toda a parte! Mas por que ele não me contou nada disso?! Será que mexer com a história era muito perigoso ou algo assim? Afinal, acho difícil esquecer de um lugar e um projeto assim! Ele estava preparando algo para dizer aquela sociedade velha: não tinha isso na sua época, é?! Eu simplesmente amei.
Eu aprendi rapidamente, após descobrir minha identidade semideusa, que os museus eram quase como arsenais nucleares para semideuses. Haviam todos os tipos de armas, armaduras e outras coisas importantíssimas guardadas como se fossem meras relíquias empoeiradas! Minha espada, por exemplo. Eu a encontrei em um dos museus de Nova York. Ela estava desgastada, velha, enferrujada, e o metal era irreconhecível. Mas eu senti que havia algo importante naquilo, e era mais do que simples percepção humana que me dizia isso. Eu podia sentir todas as essências monstruosas e divinas aprisionadas alí. Aquela espada pertencera a um dos meus irmãos, que era um "companheiro” de Heracles, ou seja, era o cara que estava defendendo ele várias e várias vezes, mas que sempre ficava na sarjeta depois. Esse meu irmão (Alisteus, se não me engano) me apareceu e disse que me dava a espada, isso se eu tivesse coragem de consertá-la. Eu disse que tinha, mesmo sem saber o que devia fazer. E ele disse, e eu fiquei realmente amedrontado. Mas eu tinha vergonha do meu medo, então eu fui e fiz. A tarefa consistia em coletar um tanto de água do rio Estige e misturar com o meu sangue, e usar essa mistura para limpar e restaurar a espada. Deu certo, mas me rendeu uma cicatriz idiota na perna. Foi depois dessa "prova de coragem” que Minos me notou e começou a me manipular.
Era incrível como todas aquelas coisas velhas podiam ser legais e interessantes, algumas até mais futurísticas do que criações e pensamentos atuais! Eu olhava hipnotizado para cada detalhe naquela sala, e me lembrava de ter estudado algumas das coisas alí presentes.
- interessante, não é?
Dei um pulo de susto, por pouco não derrubando uma armadura feminina. Meu eu estava parado na porta, e eu me perguntei como ele viera. Eles estavam em missão há pouquíssimo tempo atrás!
- é, é, com certeza. Por que não me contou disso tudo?
- eu não sei, na verdade. É uma situação onde as ações de alguém não fazem muito sentido. Me desculpe.
- ok. Mas... Você não vai abandonar isso aqui, né?
- não, claro que não. Eu tive que interromper os estudos porque tive Maria. Na verdade, eu entrei em trabalho de parto nesta sala. Will insistia que eu devia parar de trabalhar um pouco por conta da gravidez, mas eu não quis ouvir. Eu estava um pouco obcecado, mas realmente não pude fazer mais nada depois do parto. E, logo que podia, começou tudo isso.
- eu posso ajudar. O meu Will grudou na Maria feito cola, então eu tenho estado um pouco desocupado.
Meu eu riu.
- imagino. Olha, por mais que você não tenha um mestrado em história, se bem me lembro eu era um nerd da área desde sempre, não?
Eu assenti, rindo de leve. Eu sou realmente um CDF de história.
- certo então. A partir de amanhã nós recomeçamos as buscas ok? É que hoje eu realmente preciso descansar.
- ah, sim, certo!
- a propósito, pensa rápido.
Ele me jogou algo, e ao pegar, vi se tratar de um passe livre da sala.
- alguns dos artigos que eu escrevi podem ser úteis para me ajudar nas pesquisas, então sempre que quiser ler, fique à vontade.
Agradeci, realmente animado. Ele se retirou, e eu analisei a sala por mais algum tempo, lendo algumas das anotações, até Will vir me procurar por eu estar sumido há muito tempo. Ri e me desculpei, dando-lhe um beijo e seguindo com ele de mãos dadas até a parte comum da casa.

Demorei mas voltei ✌

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⏰ Última atualização: Aug 01, 2021 ⏰

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