Coroação

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A fanfarra das trombetas soou mais alto, fazendo o chão estremecer sob meus pés.

Aprumei minha postura, ergui o queixo e segurei as mãos em frente ao corpo, o andar régio que haviam exaustivamente me doutrinado para ter desde a infância. Um sussurro escapou de meus lábios.

"Lá vamos nós."

As portas se abriram com um estrondo, revelando o imenso salão real do palácio imperial. Ao fundo, alguém declarou, a voz ecoando acima da música.

"Saúdem todos, sua majestade imperial!"

Meu peito agitou-se e dei o primeiro passo em direção a meu destino.

A impressão era de todo o reino estar dentro daquele salão, com suas altas colunas brancas resplandecendo sob os raios do sol. As janelas abertas permitiam que rajadas de vento sacudissem o ar, fazendo que as pétalas brancas das árvores ao redor do palácio entrassem flutuando ao sabor da brisa.

A cada passo, aumentava a certeza de que todos os olhos naquele lugar estavam fixos em mim e senti meu peito agitar-se novamente. Dessa vez, porém, em antecipação, enquanto eu ia arrastando a longa cauda do pesado vestido perolado cerimonial. O contraste da pureza do tecido contra o rubro do tapete teria me soado hipnotizante, se meus olhos não estivessem fixos na figura ao fundo, que me esperava sorrindo vitoriosa diante do trono.

Forcei a respiração a se manter calma, ainda que pudesse sentir o coração batendo descompassadamente contra o peito. A conclusão de que tal sentimento era como um pássaro tentando quebrar as grades de sua gaiola me obrigou a morder a bochecha por dentro para me impedir de rir.

Mais um pouco.

Só mais um pouco.

A orquestra parou, tornando-se audível o suave repicar dos sinos no alto da torre. Levantei os olhos e reprimi o arrepio que subiu por minha espinha involuntariamente diante do homem a minha frente.

"Olá, pequenina."

Precisei de cada fibra de meu ser para não engolir em seco. Não daria a Leander o gosto de saber que me despertava qualquer emoção, por menor que fosse.

Não agora.

Delicadamente, dobrei um joelho em direção ao solo, os olhos fixos no azul das íris dele.

Leander virou-se e tomou nas mãos a coroa imperial, o arco de ouro, prata e pedras, fios longos e delicados trabalhados com maestria até formar aquele que era o maior símbolo do poder e glória imperiais. Ao pousar meus olhos na peça que assombrara meus sonhos desde sempre, me permiti um único instante de alienamento para com o ambiente ao meu redor e apenas deixei que o deslumbramento por aquela peça e seu significado me encantasse.

A voz de Leander tirou-me de meus pensamentos como um trovão em pleno céu claro.

"Abaixe a cabeça, Sara."

Não me impedi de sorrir.

"Sim, senhor."

E abaixei minha cabeça, conforme mandado.

"Boa menina." - murmurou Leander, alto o suficiente apenas para que eu o escutasse.

Senti o peso do metal contra os cabelos trançados como o bater do martelo de um juiz, selando ali o meu destino e do mundo.

Ouvi Leander mover seus braços e proclamar, a voz poderosa ribombando pelo teto abobadado do salão.

"Eu lhes apresento, Sua Majestade, Imperatriz Mirabela Cristine Sarania!" - eu não precisava vê-lo para saber que havia um sorriso em seus lábios naquele momento - "A Libertadora!"

Senti uma lágrima escorrer pelo rosto no mesmo instante que um riso escapou de meus lábios, a voz um sussurro trêmulo de euforia.

"Liberdade, liberdade."

Ergui-me em pé lentamente e senti meu sorriso aumentar ao fazer meu punhal afundar no peito de Leander. Não havia mais empáfia em seus olhos arregalados ao me encarar.

"Sim." - sussurrei, sentindo o sangue escorrer por meus dedos - "A mim, a liberdade."

Leander desabou ao solo, os olhos ainda abertos encarando os meus, incrédulos. Enquanto me permitia mais um instante de contemplação diante do cadáver da personificação de minha antiga vida, escutei o salão ser tomado por gritos, um pandemônio feito de pavor diante dos eventos que o reino havia acabado de testemunhar.

Virei-me, limpando a lâmina do punhal na manga do vestido, o contraste de vermelho e branco tão condizentes com a ocasião que quase ri outra vez. Ergui meus olhos e mirei o salão, enquanto os soldados, meus soldados, em suas negras armaduras reluzentes como ônix marchavam sobre o tapete vermelho e controlavam a multidão, que corria ensandecida como formigas pelo lugar.

"Seu trono, minha imperatriz."

Ao meu lado, Leon era a definição de imponente em suas vestes de feiticeiro, a pedra em seu pescoço brilhando como o vermelho em meu vestido. Surpreendeu a mim mesma o pequeno sorriso escondido no canto de seus lábios. Às vezes, esquecia que ele ainda era capaz de sorrir.

"Suas primeiras palavras como Libertadora, irmã?" - perguntou e me surpreendi novamente ao constatar que Leon ainda era capaz até mesmo de chorar.

Primeiro, mirei o salão, os soldados que ordenavam a nobreza apodrecida do império e os que ajoelhavam-se a minha frente. Senti meu peito tremer e controlei-me com todas as forças para não soltar uma gargalhada alta.

Calmamente, sentei-me em meu trono e, deixando que sua aura me abraçasse, declarei.

"Aos que duvidaram, desejo que lamentem este dia."

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