Floresta

24 3 0
                                    


As estações avançavam pelos campos, com os tons alaranjados do outono tomando o lugar do verde vibrante das terras. Por toda extensão do reino, as colheitas iam acontecendo e a terra se preparava para seu sono gelado sob um manto nevado quando o inverno chegasse.

Naquela noite de outono, depois que a fumaça cessara e o fogo terminara de fazer a parte de seu serviço como escravo das forças mundanas que o obrigaram a cometer tamanha atrocidade, dois eventos aconteceriam, capazes de fazer o mais cético dos deuses erguer uma sobrancelha em perplexidade.

Pela primeira vez em mil anos, a Floresta Sem Nome presenciou a passagem do gamo branco pelas trilhas mutáveis e, desde o mais minúsculos dos espíritos até a alma centenária do rio surpreendeu-se com tal passagem. O Arauto continuou seu caminho, imponente, etéreo, e conforme a passagem da personificação da magia da Floresta envolta em brumas prateadas prosseguia, o mundo soube que o Conselho se reuniria novamente.

O primeiro a chegar a clareira, como sempre, foi Sapo, o Lorde da Verdade, com suas pernas compridas e longos dedos de pele esverdeada, analisando o ambiente com seus olhos negros. Calmamente, tomou seu lugar sobre uma pedra, as pernas cruzadas e costas retas, a postura altiva de quem apreciava fatos.

Pouco depois, com seu sorriso amplo e os olhos sagazes, veio a Dama do Esplendor, Raposa, balançando os longos cachos acobreados ao vento. Infelizmente, seu olfato era especialmente aguçado e não demorou para sentir o forte cheiro de queimado que o vento ainda carregava e Raposa franziu o cenho, a preocupação turvando seu semblante. Ela sentou-se sobre as folhas da mesma cor de seus cabelos e pousou a cauda felpuda sobre o colo.

Um galho estalou e o terceiro membro do Conselho, Cervo, Mestre dos Sentimentos, apresentou-se a passos decididos. Ele curvou a cabeça respeitosamente em cumprimento aos outros dois, pousando uma das mãos sobre o coração, e dedicou um olhar melancólico a lua prateada que iluminava aquele momento solene. Por um segundo, apenas um único segundo, mesmo Cervo duvidou que o amor fosse capaz de continuar sobrevivendo em um mundo como aquele.

Um a um, todos os lugares do Conselho da Floresta foram sendo preenchidos. Dos céus, vieram Coruja, Senhora do Conhecimento, o Caçador Gavião e Corvo, o Mestre dos Segredos, três criaturas que compartilhavam os trajes emplumados e uma necessidade voraz por conhecimento.

Pertencendo tanto aos céus quanto a terra veio Morcego, Lorde do Equilíbrio, mantendo-se levemente mais afastado para ter uma visão ampla o bastante do ambiente, os braços cruzados sobre o peito e os ouvidos atentos a todos os sons da floresta. O Guardião, Esquilo, veio sozinho, carregando sua inseparável sacola marrom trançada, murmurando baixinho.

Juntos, chegaram a Mestra da Mente Lebre e o Senhor das Canções Ouriço, de braços dados, rindo e chorando enquanto cantarolavam uma melodia sem letra em memória aos que haviam perecido pelas mãos do terrível monarca no incêndio daquele dia. Nenhum dos outros participantes mandou que parassem ou sentiu-se ofendido, pois sabiam que aquela era a forma que os dois sabiam para honrar a vida que seguira para o Outro Lado.

Finalmente, os dois últimos lugares foram preenchidos, quando o Mestre da Honra Urso e o Filósofo Texugo chegaram, dois companheiros distintos de opiniões complementares. Urso cumprimentou a todos com um sorriso discreto, pois acreditava que a gentileza era a maior das honras.

Texugo tomou seu lugar a ponta como condizia a sua posição como o Orador e fez uma nobre reverência ao Arauto, parado do outro lado da clareira, indicando que aquele era o momento do Conselho da Floresta iniciar a sessão.

"Boa noite, meus amigos." - disse - "Ainda que aprecie vê-los depois de tanto tempo, entristece-me as circunstâncias de nosso encontro."

Um murmúrio varreu os presentes e a tristeza pontuou suas expressões. Texugo continuou, limpando a garganta para manter a voz firme. Ser o Orador do Conselho não tornava suas próximas palavras mais fáceis de serem pronunciadas.

Contos da TorreOnde histórias criam vida. Descubra agora