Parte 2 - Ameaça escondida

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Desde que fui enviada para fazer caçadas no interior, os trabalhos diminuíram, mas como a equipe era pequena, sempre tinha o que fazer.

Fui até o departamento de polícia da cidade entregar o relatório do caso e verificar meu pagamento, então acordei cedo, ainda com sono por ter estudado de madrugada. Quem sabe eu iria conseguir salvar minha camisa com ajuda da máquina de lavar, então deixei por lá.

Chegando na delegacia, fui direto para a entrada lateral. As filiais da SMB sempre dividiam espaço com a polícia da cidade, porque o Dr. José Marcos, criador da SMB, achava que poderia ser útil ter policiais por perto dos caçadores para ajudá-los, mas raramente era assim que funcionava.

Na verdade, éramos mais julgados por eles do que ajudados.

Lucian já estava me esperando. Apesar de filho do prefeito, ele tinha algum senso de responsabilidade.

— Achei que não fosse aparecer, Kauane.

— E deixar meu pagamento com você, filho de político? Sai fora, garoto.

Eu já estava treinando ele há uns 6 meses, a gente se dava bem, mas não fazia meu estilo ficar sem zoar pelo menos um pouco com a cara dele.

— E então, fez o que eu pedi?

— Sim, senhora, 3 fios de cabelo por 3 moedas de ouro. — Ele me entregou as moedas, brilhando como se fossem novas. — Mas fica esperta, a Mãe D'Ouro não tá muito feliz com você não.

— Que novidade — respondi ainda olhando para as moedas. — Eu me resolvo com ela outra hora. Vem cá, vamos falar com o Gonçalves.

Na recepção ficava o senhor Gonçalves, sempre fazendo sua palavra cruzada enquanto não atendia ninguém, parecendo até emprego de concursado.

— Olha só quem chegou! Essa roupa fica bem em você. Parece mais moça, Kauane.

— É, eu não consegui limpar minha camisa a tempo, então deixei de molho. — Como era minha folga e eu estava vestindo uma blusinha amarela, devia parecer que eu tinha 17 anos. — Gonçalves, eu só vim entregar esse relatório e pegar o pagamento de uma caçada na cidade vizinha. Matinta Voadora.

— Nossa, achei que esse tipo nem existia mais. Foi tranquilo de matar? – Ele sempre gostava de puxar papo comigo enquanto lutava contra o mouse para mexer no computador. Como era um senhor simpático, eu acabava dando corda.

— Ela foi descuidada. — O moleque respondeu no ato. — Abusou da sorte tentando enforcá-la com uma corda.

— Bom, se o dono tivesse me avisado que era voadora, as coisas teriam sido mais fáceis. Me distraí porque dormi pouco, estava ocupada estudando o mapa das queimadas.

— Ainda nisso, menina?

— Gonçalves, é uma Curacanga! Tenho certeza. E está consciente do que faz, do contrário, não se daria a esse trabalho todo.

— Olha, é você quem sabe — respondeu já tentando desconversar. — Bom, pelo que vi aqui você vai precisar pegar o pagamento no escritório da Gláucia.

— Ah, é sério? Droga, estava tentando evitar contato.

— Quanto antes resolver isso, melhor.

Gláucia era a chefe da minha filial e responsável pelas minhas dores de cabeça.

Desde que fui rebaixada do meu posto na capital para ser tutora, ela tem tentado me expulsar daqui, mas como os meus resultados eram inquestionáveis e a chefia ganhava comissão, as coisas sempre estavam tensas entre nós.

Entramos no escritório dela, no final do corredor à direita da mesa do Seu Gonçalves. Bati na porta e já pude escutar a voz ranzinza do outro lado:

— É só entrar!

Ela estava com o uniforme típico da SMB: blazer e calça azul marinho, uma camisa verde-musgo por baixo e seu lenço no pescoço, para não ficar óbvio o uso do botox no rosto.

— A heroína voltou. — Começou a típica ironia.

— Gláucia, é só me dar o pagamento e eu saio.

— Na verdade eu preciso falar com você. O Delegado pediu para você parar de interferir na investigação das queimadas.

— Escuta, eles não sabem de nada. Acha mesmo que isso foi coisa de facção ou algo assim?

— Estão usando o fogo para escrever mensagens pedindo dinheiro para os fazendeiros, está bem claro para mim. Você é a única querendo uma criatura dessas aqui, pare com essa besteira.

— Você é uma vadia bastante estratégica, hein? Não quer deixar a cidade em pânico então vai simplesmente jogar para debaixo do tapete?

Imediatamente, Gláucia levantou para me encarar.

— Se coloque no seu lugar! — gritou histericamente. Se eu estivesse com paciência, até pediria desculpas. — Suma daqui antes que eu te dê mais uma advertência por insubordinação.

De repente a porta do escritório abriu, e a assistente da filial chegou toda ofegante.

— Kauane, chegaram mais registros hoje. Na última sexta teve outra queimada, aqui na cidade.

— Não passe nada para ela, Clarice, o delegado me pediu pessoalmente isso.

— Vai mesmo ignorar isso, Gláucia?

— Está bem. — respondeu sorrindo. Péssimo sinal. — Dessa vez vou concordar. Clarice, você vai lá e investiga.

— O quê?! A Clarice nunca saiu do escritório para fazer nada.

— Os outros estão ocupados, alguns precisam ficar aqui no prédio da filial para emergências e não posso mandar seu aprendiz para lá. Eu garanto para você que esse não é um caso para nós.

Lucian geralmente fica na dele, mas, com essa última decisão, acho que nem ele quis mais se segurar.

— Com esse de agora, são 7 ataques só aqui na nossa cidade.

— Exatamente o que estava pensando, garoto. Duvido muito que quem quer que esteja fazendo isso não seja daqui. — Virei para a velhota outra vez — Me diz de uma vez, Gláucia, quem é a pessoa que você está querendo proteger e por que tem tanta gente com medo de que eu investigue?

Caça aos folclores - O mistério da CuracangaOnde histórias criam vida. Descubra agora