No interior da China o belo amanhecer começava a fulgurar os céus com tons alaranjados, nuvens que foram pintadas a mão, porque sinceramente desconheço outra maneira de se pintar algo sem ser com as mãos, mas divago. O vento soprava muito mais forte que a poética da cena ditaria, mas infelizmente não se pode controlar o tempo nem as mudanças que ele causa na vegetação. Finas gramíneas tocadas pelo orvalho que se esvaía rapidamente com as lufadas de vento, o rio corria tranquilo porentre as pedras, dançando ao contorná-las, um excelente lugar pra morrer, envolto apenas da natureza esplendorosa.
Um profundo admirador dela, um filósofo guerreiro com sua missão cumprida, meditava em preparação para o ritual do sepukku sob uma árvore, após a jornada exaustiva durante a noite até achar um bom lugar. O samurai iria poder tirar sua vida com tranquilidade, pois já havia conseguido vingar o assassinato de sua mestre, uma jornada que já havia custado muitas vidas, muita tristeza sendo propagada em nome da honra, que nunca salvou ninguém e já matou milhões.
Ele respirava mais calmamente a cada segundo, abriu seu quimono branco, azul e preto enquanto enrolava suas espadas em um fino tecido de seda que sua mestre lhe havia dado a muito tempo atrás, sorriu saudoso e cerrou os olhos cansados por alguns momentos para ouvir os arredores, ele havia sentido que deveria fazê-lo, e seus instintos nunca o enganaram antes, e assim o fez, aos poucos a sonolência da noite mal dormida, o frio pelo forte vento da manhã, o som dos pássaros acordando, e tão logo reparou neles, sentiu seu medo ao alçarem voo, e a alguns metros de distância sua audição aguçada, bem mais que a dos humanos, capta algo caminhando em sua direção.
Suas mãos grossas de dedos longos e finos se apoiam no cabo da katana, sua mente era muito mais afiada que as duas espadas dispostas no chão a sua frente, sua katana e uma tachi, uma espada de samurai maior e mais antiga que ele havia herdado de seu avô, um ladrão que não pensava direito sobre como venderia as coisas que roubava. Mantendo seus olhos fechados ele continuou esperando eles fazerem o primeiro movimento.
Eles se posicionam a sua volta ainda em meio aos arbustos pois ouviu seus passos e respirações, eram três homens adultos e um deles certamente tinha olhos verdes. Todos portando armas feitas na cidade grande, dado o aroma do tabaco de melhor qualidade vindos das mãos dos homens, eram provavelmente seguranças ou mercenários contratados por alguém morto por ele em sua jornada.
Eles todos ficaram em silêncio, esperando algum sinal, algum momento adequado para investir contra o ronin, e ele aguardava o avanço para que pudesse agir de acordo.
– Você sabe que estão em maior número né?! – Ecoa uma outra voz vinda de algum lugar que ele não imaginava a origem.
Imediatamente uma flecha corta o ar, fazendo o ronin pegar sua katana no chão com um giro de corpo e pô-la na direção em que a flecha acertaria, imaginando que iria cortá-la ao meio antes de perfurá-lo, o que não ocorreu e ela rasga sua orelha, e ele ainda nem havia aberto os olhos, apenas sentia as gotas de sangue caindo sobre seu quimono. Foi arrogante com sua técnica de desviar projéteis.
Os outros dois mercenários saem dos arbustos e correm em uma investida sem cuidado algum, com suas mãos na katana bloqueia o ataque vindo por detrás e com um de seus pés, ele segura a tachi com seu pé preênsil e também apara o ataque frontal, jogando o homem para trás.
Eles jamais haviam enfrentado um macaco samurai, e esperam que a flecha agora o acerte em cheio, ele ouve o cordame se tensionando novamente, o arqueiro tampando a respiração e assim que solta a flecha, ele força o mercenário às suas costas a se afastar com sua força superior, e num mesmo movimento consegue dessa vez cortar a flecha no meio, e só então finalmente abre seus olhos, apenas para ser cegado pelo sol da manhã, mas em momento algum deixou transparecer seu desespero caso fosse atacado naquele momento, certamente morreria.
– Quem está aí? Quem os contratou? – Ele ganha tempo, lacrimejando os olhos.
– Mais uma série de assassinos contratados para te abater, são muitos ainda atrás de sua cabeça! – Ressoa a voz novamente, era familiar, mas não sabia ordená-la ainda.
Seus olhos pararam de doer o suficiente para ver que os homens estavam apreensivos de enfrenta-lo, e usaria isso a seu favor.
– Vão embora, ninguém mais precisa morrer, fiquem aqui para lutar comigo e não poderei garantir a seguran ... – Uma flecha acerta seu peito no lado esquerdo, deixando-o atônito de incredulidade.
Seu rosto se fecha, ele pega a tachi com o outro braço e com as duas espadas em punho, grita estridentemente como todo chimpanzé faz como ferramenta de intimidação. Salta bem alto e golpeia com ambas as espadas contra um dos mercenários, que, no susto consegue bloquear ambos ataques, mas mesmo assim o peso do chimpanzé adulto caindo o põe de joelhos, e com um giro Musachimpo coloca seus pés na parte de trás e com toda sua força e peso empurra as duas espadas para baixo, o que faz o homem perder a disputa e ambas cortam até sobrarem apenas algumas costelas intactas de cada lado. Não houve tempo nem de gritar, seus pulmões estavam divididos ao meio, desde o ombro até quase sua barriga.
Ele morde a flecha em seu peito, retira-a e rola para o lado para levantar com o pé o moribundo mercenário que recebe uma flecha que não havia sido mirada contra ele, mas veio a calhar por tê-lo poupado de seu sofrimento. Com as mãos e um dos pés ele corre até uma árvore arrastando o cadáver, o arqueiro e o outro mercenário o perdem de vista por um segundo longo demais.
O cadáver cai em cima do espadachim e uma espada finca logo atrás do arqueiro, que apesar do susto, consegue mirar de reflexo e disparar outra flecha que fora aparada pela tachi, o arqueiro consegue se afastar, mas Musachimpo usa a espada que havia atirado anteriormente como "distração" mas era um truque que ele fazia as vezes, ele coloca a tachi em seus pés e com ambas as mãos, segura no cabo da katana fincada no chão e gira a imensas velocidades, e o arqueiro nem sentiu quando foi decapitado, ele vê ao longe o mercenário correndo, então guarda ambas as espadas após limpar o sangue delas, pega o arco no chão e com a flecha que estava em sua boca, ele a prepara, respira fundo, fecha seu olhos para sentir a força dos ventos.
Estira o arco e dispara a flecha contra o mercenário fugitivo, e erra por mais de vinte metros de distância, ele não era bom de mira. Terrível na verdade. Por esta razão focou todas suas habilidades em encurtar a distância nos combates, justamente para não depender de ataques a longa distância.
Musachimpo sente agora a perda de sangue pelo buraco em seu peito, era mais raiva que qualquer outro sentimento, por ter sua tentativa de tomar sua própria vida interrompida de maneira tão banal, sendo cristão como sua mestre, começa a cavar túmulos para os dois mercenários mortos por ele, além de uma terceira cova que ele havia feito no meio da madrugada, enquanto rezava por suas almas, suas mãos símias eram poderosas o suficiente para rasgar a terra e em pouco tempo já rezava por ambos fazendo uma cerimônia fúnebre sozinho, já era quase meio dia e estava com fome e sede, seus lábios estavam dormentes.
E vai até o rio para se lavar e sanar pelo menos sua sede, as águas turbulentas levaram a terra e o sangue em suas mãos, amarra o quimono em sua cintura para poder lavar toda a sujeira, seus pelos grisalhos e pele manchada pela idade estavam novamente limpos, ele sente seu peito doer, o buraco deixado pela flecha ainda estava sangrando, quando ele percebe e diz:
– A quanto tempo você já está aí? – Esperando uma resposta enquanto olhava para a água que corria entre as pedras.
– Desde quando você ia cometer o sepukku, depois quando você eliminou dois de seus perseguidores e errou uma flecha ridiculamente fácil daquelas. Sua visão está piorando meu velho amigo. – E pela voz melosa e grossa ele reconhece um outro macaco samurai de sua época áurea, mas mesmo essa voz parecia diferente de como ele lembrava, talvez os vários meses sem se verem fosse o diferencial.
– Gutan Nobunaga, significa que você poderia ou ter lutado contra mim e me matado, OU, me ajudado a enterrar os dois? – Conclui raivoso.
– Sim, mas eu estava com preguiça de fazer ambos. – Revelação que faz Musachimpo ficar ainda mais nervoso com seu antigo companheiro de batalhas. – O tempo não foi muito gentil conosco, mas ele realmente te atropelou e depois deu marcha ré em cima de você. –
– ... – Musachimpo se sente levemente desnorteado, sua vista começa a ficar turva e olha o ferimento em seu peito que estava com um cheiro familiar. Ele percebeu tarde demais pois ao ficar de pé, sua baixa pressão sanguínea o desmaiar e ele cai no rio.
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Los Siete Samurales
HumorNa China da virada do século passado um seleto grupo de espadachins enfrentam o maior desafio de suas vidas, eles mesmos. Uma história de venganza e destino, só que não. Mas talvez sim, depende do ponto de vista, meu argumento é: Leia, e se for bom...