Assalto no atacadão

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A véia não me ouviu, como sempre. Ou ouviu e fez a egípcia e continuou andando. Não julgo, faria o mesmo. Eu assisti Salve Jorge, tá? A aposentadoria tem que tá salva. Certíssima.

- Oh, vó!

Broto na sua frente  e ela aperta um pouco os olhos, mas logo reconhece a neta favorita dela. 

- Seinnomi, minha netinha... - ela faz menção de querer me abraçar, mas deixo a coroa no vácuo.

- Vó, eu até abraçaria a senhora, mas tem a pandemia e a senhora é grupo de risco - explico.

- E isso é motivo? - rebate ofendida e reviro os olhos.

Veia negacionista bolsonarista do caraio. Retiro o certíssima do primeiro parágrafo desse capítulo.

Suspiro e abro os braços em direção a ela e sou surpreendida por uma bolsada nos cornos.

- Sai pra lá, filha da puta! com esse cheiro de peixe morto do caralho!

Pelo calor do capiroto, eu tava suada e provavelmente com cc.

Eu rio.

- A senhora sabe que tá  xingando sua filha, né?

- Por isso mesmo 

A voz de gasguita fumante que ela tinha só tornava tudo mais engraçado.

- E onde a senhora tá indo? Tem um tempo que não aparece lá em casa. Tá com cara de que vai aprontar.

- Vou lá na Zona Leste, ver a corna da tua tia. Sexta apareço na casa de vocês.

-  Você diz isso há cinco anos.

- E tu, tá vagabudeando por aí? - muda de assunto na cara de pau. 

Viram, tive com quem aprender. 

- É, em busca do meu sugar daddy 

- Com essa cara de pinto, pelo jeito continua buscando. Se ao menos fosse de cu... 

Nos despedimos novamente sem contato e vou confessar, aquilo do distanciamento pelo vírus era uma desculpa esfarrapada. Se ela rejeitou meu cheiro de peixe morto, eu não queria era aquele cheiro de cigarro em mim. Só eu sei o que sofri com os beijos e abraços cigarrentos desde pequena. Quem vê close não vê corre. LITERALMENTE.

Eu tava bem decidida a voltar com minha tour pelo atacadão quando vi vovó entrar no metro, até que de repente uns quatro homens encapuzados invadem o local rendendo todo mundo com suas armonas. 

- Moço é o caralho meu nome agora é senhor ladrão porra!

Um deles grita quando uma funcionária que deve ser a mulher de ferro pra ter toda essa coragem de peitar um cara armado, pede que ele não nos roube, como se ele fosse dizer "seu pedido é uma ordem". Parabéns pela coragem porque noção não tem, inclusive vi ela correr assim que o assalto começou.

Só me faltava essa. No meio da minha crise existencial e na hora que decido me aventurar pra reescrever minha história num calor de labareda, to encurralada em um assalto no atacadão. Quem rouba um atacadão oporra? Tudo aqui é o dobro do teu peso.

Êeee lasquei-me!

- E agora  quem poderá nos defender?

Sussurro, de olhos fechados, esperando escutar o pigmeu vermelhinho.

Mas é outra coisa que aparece.

Diário de Um Coque Frouxo [ CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora