Uma noite peculiar

158 15 15
                                    

Meus pés estavam me matando! E tudo o que eu queria era ir pro meu cafofo, dormir! Só que ainda tinha de ajudar o garboso noivo a encontrar sua fugitiva amada. Pelo que eu conhecia dela, acho que ele teria uma surpresa e tanto!

Quando me viu em "trajes civis", Conrado pagou a bebida, elogiando Gil; então, aproximou–se de mim.

– Deixei o meu carro no...

– Não vale a pena! Onde ela trabalha é perto daqui. Vamos a pé.

Ele não pareceu contente, mas concordou. Escondi um sorriso, só de imaginar o figurão desfilando com seu terno caro pelo bairro. Aquela área era lotada de bares, boates e restaurantes que funcionavam 24 horas. Uma região que vivia para a noite. Mas as pessoas circulavam em roupas descontraídas.

Atravessamos a calçada movimentada. A temperatura estava agradável, por isso não coloquei a jaqueta.

– Aonde estamos indo, exatamente? – Ele perguntou.

– No atual trampo da Luana.

Andamos em silêncio por algum tempo. De repente, lembrei da ração pra Miranda, minha gata. Parei de andar, mas logo retomei o passo. Melhor despejar o grã-fino junto à noiva maluca e depois voltar para fazer compras.

– O que foi? – Ele perguntou, reparando na minha hesitação.

– Nada, nada! Então, que tipo de negócios você... negocia.

–Fusões e aquisições.

–Ah...

–E você?

–O que tem eu?

–Desde quando é garçonete?

–Sou garçonete com muito orgulho!

– Eu não disse...

– E só para constar, não pretendo trabalhar à noite pro resto da vida.

– Ah, é? – Ele sorriu, ausente.

– É – respondi, beligerante. – Estou estudando e...

– Estudando o quê? – ele perguntou, num tom delicado e interessado.

– Que importa! – Mortificada por ter despejado minha frustração, resmunguei, ajeitando a alça da bolsa no ombro, estava pesada: – Desculpa te alugar.

–Não! – Ele respondeu, tirando a alça do meu ombro e colocando no dele próprio. – Quero mesmo saber!

Conrado enfiou as mãos nos bolsos, prendendo a alça e me desencorajando a tentar resgatá–la. De repente, achei tudo muito engraçado e sorri. Os olhos dele desceram para os meus lábios e eu desviei o rosto, encarando os pés, enquanto andávamos.

– Esteticista – murmurei. – Quero ser esteticista.

– Que legal!

Tornei a encará-lo. – Ah, tá! Um cara que trabalha em fusões e aquisições, acha legal o negócio do embelezamento!

– As pessoas tem que começar de algum jeito, certo? E, mais importante, precisam chegar a algum lugar. O caminho percorrido não é da conta de ninguém. Desde que seja honesto.

– Hum... Profundo.

Ele sorriu, contente. – Só porque estou usando esse terno, aposto que você...

–Aposto que é Hugo Boss.

– É Hugo Boss – ele confirmou, sem constrangimento. – Bom... Só porque estou usando Hugo Boss, não significa que eu seja esnobe!

Fiquei sem saber o que responder. Ele me olhou de soslaio. De repente, colocou a mão nas minhas costas, para evitar que eu colidisse com um transeunte afobado. Senti um arrepio bem naquele ponto em que os dedos quentes tocaram a minha pele. Não podia ser química! Não com o noivo da maluca da Luana! Aturei muito daquela garota. Além do mais, não fico no meio de um relacionamento. Não sou esse tipo de garota.

Dei um passo para o lado, evitando o contato. Ele baixou a mão, sem perceber nada do que se passava comigo, pois continuou a falar:

– Acho que você nem sonha como comecei a vida.

Agora eu revirei os olhos.

– Servindo cafezinho na empresa do papai...?

Os olhos dele brilharam quando revelou: – Vendendo pastel na praia, debaixo de um calor de 40 graus.

Parei de andar. Ele também.

– Pois é... – disse, ainda sorrindo. – Meu caminho não foi moleza.

Voltamos a caminhar.

– E como você e a Luana se conheceram? – Perguntei, intrigada.

– Ah, eu sei o que está pensando... Como a filha de um deputado se interessa pelo vendedor de pastel. Bem, filhas de deputados também frequentam a praia.

Eu sorri. Ele olhou para os meus lábios de novo.

– E modéstia à parte... Sou convincente.

– Faz quanto tempo, isso?

–Três anos. Estamos noivos há dois.

Aposto que o noivado aconteceu quando ele subiu na vida.

– Também sei o que está pensando – ele comentou, com gentileza.

– Sabe nada!

– Está pensando que o deputado me ajudou na carreira. Não foi assim. Na verdade, ele proibiu a filha de me ver. Eu subi na vida, sozinho.

– Mas, então...?

– O quê? Eu já disse. A gente se via escondido. Luana adorava desafiar o pai em tudo.

Essa parte foi dita num tom de incerteza. Sem saber como reagir, indaguei:

– Quer dizer que você ainda vende pastel?

O sorriso dele aumentou.

– Um dos meus negócios mais rentáveis. Hoje, é um sistema de franquias por todo o país. – Ele fez uma pausa. – Também presto consultoria a pequenos empreendedores.

Ele criou uma franquia em menos de três anos? Valha-me Deus! Disfarcei meu espanto, tentando parecer uma garota descolada.

– Ah, eu estou prestes a me tornar uma. Empreendedora, quero dizer. Se tudo der certo, um dia terei o meu próprio centro de estética.

Parei de andar. Ele também, olhando com curiosidade para a fachada do restaurante. Aposto que ansiava saber a razão de a noiva ter deixado o luxo e a faculdade pra se enfiar lá.

Eu suspirei e disse: – É aqui.

––– 

SURPRESAS DO CORAÇÃO E OUTRAS NARRATIVAS | AMAZON COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora