Katmandu

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A música alta explodiu tão logo o DJ The Sing assumiu o posto

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A música alta explodiu tão logo o DJ The Sing assumiu o posto. As luzes caleidoscópicas piscaram no mesmo compasso... Os fregueses do Katmandu estavam começando a chegar... Circulei pelas mesas, anotando os pedidos, como de costume.

– Ele está de olho em você – comentou Gil, olhando de soslaio para o desconhecido, parado na entrada.

– Ah, Gil, eu sou a garçonete – respondi, depositando a bandeja sobre o balcão. – Todos fatalmente acabam olhando para mim.

– Santa ingenuidade – ela riu. – Ele não está olhando como quem espera que você anote o pedido...

Balancei a cabeça e continuei arrumando os copos na bandeja.

– Garota... – ela acrescentou – se eu fosse hetero, pegava aquele pedaço de mau caminho.

Eu ri da expressão. – Parece minha mãe falando. – Virei com a bandeja equilibrada nas mãos... Foi quando me deparei com um peito forte envelopado num terno muito chique. Quase colidimos... Mas como sou uma garçonete experiente, consegui evitar.

Levantei a vista para o rosto dele. O dono do peito era o desconhecido da porta. Uau! Assim, tão de perto, ele tinha um rosto marcante. Era todo marcante, aliás. Sabe o típico e deliciosamente clichê "moreno alto, bonito e sensual"? Gil estava certa: um pedaço de mau caminho.

Seus olhos cor de âmbar brilharam, enquanto me examinavam com curiosa diversão.

– Opa! – Disse ele, com um meio sorriso.

– Pois é... Opa! – Eu me refugiei no cinismo que dispensava aos clientes mais... saidinhos.

O brilho no olhar dele diminuiu um pouco.

– Estou procurando uma pessoa – ele se recuperou primeiro – a Luana...

Eu me pus a organizar os copos na bandeja, só para ter o que fazer e não olhar para ele.

– Me disseram que estava trabalhando aqui – ele acrescentou, erguendo a voz para se fazer ouvir acima da música.

Desviei os olhos para a pista de dança, onde os casais já rebolavam ao ritmo do DJ. De repente, o pancadão acabou e começou uma balada daquelas super melosas. Nossa, que constrangedor. Todo mundo se agarrando ao nosso redor e eu encarando aquele peito incrível, impressionante... Incrível e impressionante.

– E por que você está procurando a Luana? – Perguntei.

Ele cruzou os braços, provavelmente considerando se eu merecia a informação. Azar o seu, meu chapa. Se quiser, vai ter que falar.

– Eu... – ele começou.

– Então...?

– Sou o noivo dela.

Por essa, eu não esperava.

–––

– Acho melhor se explicar – disse Gil, misturando dois coquetéis. Sua atitude era a de uma típica bartender; encara os frequentadores com curiosa indiferença. Traduzindo: se ele explicasse, ou não, tanto faz.

Mas quem resiste em se abrir com um bartender?

– Bem... – o sujeito começou. – Se pra vocês parece surpreendente, para mim também é... Saber que ela está trabalhando aqui, como garçonete... Eu estive viajando a trabalho, nos últimos meses. Voltei antes do prazo, querendo lhe fazer uma surpresa. Mas ela simplesmente se mudou da casa dos pais e não me falou nada!

Uma surpresa, sem dúvida... Que roubada! O que eu diria a ele? Que a fila andou? Não que um gato como aquele fosse sofrer por muito tempo. Mas, não deixava de ser uma saia justa para mim, já que, normalmente, as pessoas matam o mensageiro das más notícias.

Tendo isso em mente, eu disse:

– Olha, amigo, a Luana não trabalha mais aqui.

Ele pareceu mais surpreso do que já estava. Se é que isso era possível.

– Mas... Na faculdade, disseram que ela estava fazendo bico aqui.

Ah, se ele soubesse...

– Quando foi a última vez que falou com ela? – Gil indagou, perspicaz.

– Duas semanas, mais ou menos. Não pega internet onde eu estava.

Nossa! Contive uma expressão de incredulidade. Afinal, que tipo de noivado era aquele...? Não que eu tivesse ficado noiva alguma vez. Nem quero, sou muito jovem para isso. Mas em compensação, trabalho desde os treze; posso dizer que nos últimos cinco anos, já vi todo tipo de relacionamento... A começar pela minha mãe e seus rolos.

É por tudo isso que decidi ficar de fora daquele rolo, em particular.

– Tenho que entregar os pedidos – indiquei a bandeja. – Foi bom te conhecer – eu me despedi, afastando-me rapidamente para a área das mesas.

Após entregar todos os pedidos e anotar outros tantos, retornei ao balcão do bar, crente de que o gostosão já tivesse ido embora. Mas ele continuava lá, sentado num dos bancos altos, no maior bate-papo com a Gil. Quando me aproximei, ela estava rindo de algo que ele disse; o que achei estranho, pois a Gil nunca se empolgava com os frequentadores do Katmandu.

Ele virou a cabeça a minha passagem, avaliando–me enquanto eu apoiava a bandeja no balcão.

– Ainda aqui? – Perguntei, em tom ameno.

Seus olhos prenderam os meus. Engoli em seco.

–Você não gosta de mim – ele comentou. – Eu me pergunto porquê.

Gil sorriu como quem diz: "Sai dessa, agora!"

– Impressão sua – respondi, cortando aquele clima estranho.

Entreguei os pedidos e me encostei no balcão.

Gil começou a trabalhar, mas não deixou o papo morrer. – Bete, o Conrado é um típico workholic. Acho que vocês dois têm muito em comum.

Quer dizer que ela conseguiu descobrir tudo isso, em menos de dez minutos? Caramba, Gil, você se superou! Agora, faz favor! Como eu tenho algo em comum com um figurão daquele? Trabalho em dois turnos; e à tarde, frequento um curso de esteticista, na esperança de ser minha própria patroa...

– Eu estava falando – ela prosseguiu, arrancando–me de meus pensamentos – que você e a Luana dividiram uma quitinete, não faz muito tempo.

Conrado me olhou com renovado interesse.

Gil, sua traidora.

– É verdade – eu o fitei nos olhos. – Mas faz mais de um mês que não a vejo. Luana se mudou e pediu as contas. – Molhei os lábios ressecados. – Ela nunca me falou que tinha um noivo, se quer saber...

– Tudo bem... – ele devolveu muito à vontade. – Ela nunca me falou que tinha uma colega de quarto. De qualquer maneira, eu nem sabia que tinha saído da casa dos pais.

Eu percebi o desgosto em sua voz.

– Bete, você conhece todo mundo! – Disse Gil, toda sorridente. – Por que não ajuda o Conrado a encontrá-la?

– Não posso – cortei, rápido. – Estou trabalhando.

– Posso esperar – ele disse, com tranquilidade. – Não estou com pressa, mesmo. – Olhou para Gil. – Acabei de pedir uma bebida especial.

Tentei retribuir o sorriso de Gil, mas foi mais um "arreganhar de dentes".

–––

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