Camburão do Amor

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Na loja de discos, ninguém sabia da Luana. Não apareceu no trabalho, nem deu satisfação. Mas a atendente disse que poderia estar numa festa, no morro.

-Por quê? - Perguntou Conrado, chocado.

-Porque ela faz... Uns... bicos... - disse a moça, constrangida.

-Vamos... - eu tentei tirá-lo dali, mas ele travou.

-Bicos?

A atendente olhou para ele como se fosse uma criança.

-Os caras... As vezes... Contratam garotas.

O silêncio que se seguiu, pesou.

-Mas... Ela não precisa disso! - Conrado pareceu finalmente entender. - Eu achei que... - Ele coçou a cabeça, olhou para mim de um jeito penetrante. - Você sabia?

-Sim, sim... - tive que confessar, já que não consegui me livrar dele quando quis. - A gente dividiu um AP, lembra?

Saímos caminhando pela calçada novamente. As pessoas nas ruas seguiam freneticamente em busca de animação. Nós dois parecíamos dois alienígenas entre eles.

-E a faculdade? - Ele questionou.

-Pelo que sei, ela largou há meses... Tudo para irritar o pai. Mas também porque precisava sustentar o vício, sem que a família soubesse. Acabou gostando. O pai cortou tudo, até que ela voltasse pra faculdade. Ela não voltou.

-Eu não sabia de nada disso... A gente se falava pelo WhatsApp, enquanto eu estava viajando e trabalhando feito louco para que a gente pudesse ter uma vida legal, sabe, quando eu fizesse o pedido.

Claro, o famoso pedido.

-E Luana escondendo a vida dupla. Ela parecia bem...

-Não se iluda. - Não me contive - Ela está nessa porque quer, não porque não esteja bem.

-O que quer dizer com isso? -Indagou Conrado, com a expressão desgostosa.

Eu percebi ter tocado num ponto delicado. Não podia dizer que existiam duas Luanas. A que ele conhecia e queria enxergar, e a que eu e muita gente lá no bairro conhecemos.

-Vamos, - eu disse - acho que sei aonde é a festa.

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A gente subiu o morro sem problemas. Por sorte, eu conhecia os olheiros e eles deixaram a gente passar como convidados dos convidados. O som alto, os corpos colados, casais se escondendo pelos corredores e nas lajes...

Um cara de terno ali parecia aberração.

Conrado deve ter pensado o mesmo, pois tirou o paletó e arregaçou as mangas, tomando a frente.

Então, eu a vi primeiro. Luana estava rebolando no colo de um cara cheio de correntes, anéis e tatuagens... Tentei dar meia volta, mas Conrado já tinha visto. Ela jogava os cabelos de um lado para outro, e numa dessas, ela nos viu. Não pareceu constrangida. Só irritada. Alisou o vestido e veio meio torta na nossa direção. O cara tava tão chapado que nem reparou.

-O que vocês estão fazendo aqui?

Eu e Conrado a encaramos. Eu pretendia dizer que estávamos procurando por ela, mas Luana se adiantou:

- Que parte do "a fila andou" você não entendeu? - Ela apontou o dedo indicador para Conrado.

- Olha - ele respondeu muito calmo. - Se você tivesse dito antes, eu não estaria aqui. Mas, tudo bem, eu entendi.

Luana piscou, como se só então reconhecesse Conrado. Estava totalmente chapada. Acho que nem sabia o que falava, porque emendou: - Não, não, não, morzinho! - Tentou abraçá-lo, mas ele ergueu as mãos e se afastou.

- Volta pra festa, querida. Agora a minha fila andou - ele disse, levando-me a reboque rumo à saída, porém, uma confusão começou na entrada. E muito tarde, a gente entendeu que era uma batida policial.

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Lá fora, o dia amanheceu... Avistei os policiais terminando de contar toda a droga apreendida na operação. Ao meu lado, Conrado deu uma risadinha.

O sujeito algemado do outro lado reclamou.

Estávamos dentro daquele camburão abafado, sabe-se lá quanto tempo. Outros estavam deitados na calçada lá fora, algemados. De repente, avistei a Luana sair rebolando pela rua, depois de jogar um beijinho para os policiais.

Eu e Conrado trocamos um olhar. Ele desatou a rir, então respirou fundo e disse:

-Prazer, Conrado Abrantes da Silva.

Olhei para ele, sem entender.

-Agora você supostamente se apresenta - ele provocou.

- Elisabete Oliveira Alves - respondi, mecanicamente.

O resmungão do outro lado falou: - E eu sou o Fernandinho Beira-Mar - debochou. - Agora calem a boca.

Conrado continuou sorrindo para mim, sem lhe dar atenção. Parece que nada o abalava. - Já que vou ser o seu consultor de negócios...

-Olha, estou mais preocupada com nossa atual situação.

-Ah, não fique! - ele se virou com dificuldade, arrancando mais resmungos do outro. - Tente pegar o meu celular, eles esqueceram de apreender. - Então, voltou-se para os demias: - Se eu conseguir fazer a ligação, prometo arrumar advogado para vocês. Portanto, colaborem comigo!

-Você manda, chefia - disse o resmungão.

-Consegue?

Deu trabalho, mas consegui.

-Tenho o meu advogado na discagem direta. E ele é dos bons.

Ai, que alívio.

-E Bete...?

-O que?

-Se a gente sair dessa, vou te convidar para tomar um café.

Sorrimos um para o outro.

-E eu vou aceitar.

O resmungão revirou os olhos. - O amor é lindo!

FIM DO CONTO (CONTINUA NA AMAZON

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