Só uma observação: esse conto foi escrito por mim e já foi postado anteriormente na minha conta do Nyah. Ele foi editado antes de ser postado aqui.
Capítulo único
"Você não gosta de mim, não é?" - ela está deitada na minha cama. Esparramada é uma palavra mais próxima de sua posição. Seus cachos castanhos estavam esparramados pelo meu travesseiro e seus joelhos dobrados. A alça de seu vestido amarelo estava levemente caída e do meu lugar na escrivaninha ao lado da cama eu tinha uma bela visão de sua pele dourada levemente brilhante pelo suor resultante do dia quente. Seus olhos estavam fechados e suas mãos estavam acima da cabeça, brincando com os próprios cabelos. Sua expressão era levemente contrariada.
Ao invés de responder, continuo com meu olhar fixo no livro e no caderno em minha frente. Nós crescemos juntos, claro. Eu tinha menos de nove anos quando sua família se mudou para o apartamento da frente. Nós dois passamos muito tempo sozinhos e sua personalidade espontânea fez com que desde o começo ela encontrasse o caminho para meu apartamento, meu quarto e minha cama. Ela sempre era animada, extrovertida. Em pouco tempo se tornou popular na escola, amada por todos, cheia de amigos. Desde quando era uma garotinha banguela com o cabelo bagunçado. Eu sempre fui mais calmo, mais... Retraído. Praticamente não tinha amigos além dela e mesmo com ela, quase não falava. Era quieto e sombrio. Só tinha olhos para meus livros e meus estudos.
Ela olha para cima e se espreguiça como um gato. Era impossível não prestar atenção em seu corpo, não com aquele vestido amarelo... Ela nem fazia ideia.
"Você me odeia. Você me detesta. Você me abomina. Você me despreza." - Hoje ela estava dramática. Às vezes acontecia. Às vezes ela se irritava com minha personalidade plana e comum. Às vezes ela interpretava meu silêncio como desinteresse. Ela nem desconfiava.
"Eu nunca disse que te desprezo." - Ajeitei meus óculos e olhei para ela ao responder. Ela se virou e olhou para mim sorrindo, com o corpo apoiado pelos cotovelos. A alça permanecia caída e ela não tinha se dado o trabalho de colocar um sutiã naquele dia quente. Eu via mais ali do que deveria. Seu corpo era esbelto e bem formado, curvilíneo. Perfeita...
"É mesmo? Podemos ver essa lista em ordem decrescente?" - Voltei meus olhos para meus livros e continuei a escrever.
"Não seja idiota. Se eu abominasse você, não suportaria nem ficar no mesmo quarto." - Minha mão não parou de escrever e meus olhos tentaram a todo custo ficar longe da covinha de seu sorriso. Ela se deitou novamente de costas e dobrou as pernas, cruzando uma em cima da outra, o que fez com que seu vestido amarelo subisse ainda mais. Sinto uma gota de suor escorrer do topo da minha cabeça e descer pela minha espinha. Tento me concentrar nas contas à minha frente. O vestibular estava próximo, eu tinha mais com o que me preocupar. Mas ela tinha que aparecer com aquele maldito vestido amarelo. Não pela primeira vez eu fantasiei em arrancá-lo.
"O que mais?" - Seu tom é risonho e seus olhos continuam fechados. Ela tinha tanto prazer assim em me provocar?
"Você é dramática demais. Não acho que eu tenha um dia odiado ou detestado alguém, não realmente. São palavras muito fortes." - Olhei para ela e não consegui fazer com que meu olhar fosse mais inocente. Às vezes parecia que sua pele morena só me fazia parecer mais pálido. Seu corpo curvilíneo só me fazia mais magro e desengonçado. Sua figura pequena me fazia parecer mais alto e estranho. Seus olhos inteligentes me tornavam mais míope. Era uma sorte que no momento eles estivessem fechados. Ela tinha olhos de feiticeira. Às vezes, em minha mente, a chamava de Capitu. Aos treze anos eu li Dom Casmurro e apenas aos quinze entendi o que ele queria dizer com os olhos de cigana. Foi mais ou menos na mesma época em que parei de encarar seus olhos negros. Eu sempre, sempre me perdia ali.
"Então talvez você apenas não se importe." - Tão inteligente e ao mesmo tempo tão ingênua. Tão sedutora e ao mesmo tempo tão inocente. Ela realmente não fazia ideia.
"É uma forma de pensar."
"Eu tenho a impressão de que você não se importa com nada, nem com ninguém. Não realmente." - Suas sobrancelhas estão franzidas, mas seus olhos permanecem fechados. Retirei meus óculos e apertei a ponte do meu nariz. Eu era uma pessoa contida, sempre. Eu era controlado. Mas até pra mim existiam limites.
Talvez fosse o calor, ou talvez - o que me parecia mais verdadeiro - fosse o vestido amarelo. Ela não se mexeu mesmo quando apoiei meu joelho na cama. Meu joelho nu roça o dela e agradeço por estar de bermuda. Apoiei minhas mãos ao redor de sua cabeça, uma de minhas pernas está entre as suas e a outra do lado, na beira da cama. Ela abriu os olhos e me encarou. Sua surpresa é leve, como se ela nunca imaginasse que isso poderia dar certo. Parei de me apoiar com as mãos e passei a usar os antebraços, assim, meu nariz encostou no seu. Me perdi novamente em seus olhos.
"Você não gosta de mim." - Seus olhos me encararam e me lembrei de Bentinho, preso na mesma armadilha que eu. Não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia. Ah ela sabia, com certeza sabia de cada sentimento que me causava. Ela fazia de propósito.
"Não, não gosto." - Deslizei meu nariz pelo seu e beijo seu rosto. Ela fechou os olhos e esperou. Beijei o outro lado de sua face e então seu queixo. O toque de meus lábios nos seus quase não era sentido. Com uma das minhas mãos, segurei as suas e então acariciei seus cabelos. Cheirei sua nuca. Toquei seus braços e entrelacei meus dedos nos seus. Era como se o momento durasse uma vida e tinha medo que a magia pudesse acabar a qualquer momento. O beijo agora era mais tangível. Beijei seus lábios e logo lambi pedindo acesso. Eles se entreabriram e eu mordi seu lábio inferior.
"Não gosta, é?" - Ela sorriu marota e ergueu uma sobrancelha. Limites. Limites eram necessários. Os meus já tinham explodido. Meu beijo dessa vez foi completo. Minha língua encontrou a sua e senti o gosto de sua boca. Parecia cliché, mas ela tinha gosto de canela. Ela me correspondeu e aproveitou o momento de distração em que soltei suas mãos para levar as suas aos meus cabelos. As minhas, por sua vez, encontraram sua cintura e ela mordeu meu lábio. Abaixei mais meu corpo que encostou no seu e em um momento estou entre suas pernas. Ela tocou minhas costas. Tudo de propósito. Me perguntei se era apenas tédio. Se seria interessante pra ela provocar o garoto nerd. De alguma forma, sei que não. Interrompi o beijo e colei minha testa na sua. Suas bochechas estavam vermelhas e ela respirava pesado. A essa distância eu consigo vê-la, mesmo sem os óculos. Ela sorriu.
"Eu também não gosto de você." - Ela sorriu e me deitei de costas ao seu lado. Ela segurou a minha mão e apoiou a cabeça em meu ombro. Acariciei sua mão. Fechei meus próprios olhos e relaxei.
"Você sabe, sou bem egoísta." - Ouvi seu riso e ela aproximou mais seu corpo do meu.
"Sei disso. Mas eu esperei por muito tempo." - Virei meu corpo e segurei o seu em meus braços magros. Ela apenas retribuiu o abraço e escondeu o rosto na curva de meu pescoço.
"Não vou dividir você com ninguém."
"O mesmo aqui. Vai parar de estudar um pouco?" - Sua voz é preguiçosa e eu acabo por relaxar.
"Só um pouco."
"Ei, se você não gosta de mim...?" - Estou quase dormindo quando ela perguntou.
"Sim?"
"Me ama?" - Não posso deixar de rir.
"Talvez um dia eu te conte." Ela me beliscou antes de relaxar novamente e então o senhor dos sonhos despejou sua areia mágica em meus olhos me levando para sua terra, junto a minha Capitu.
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Capitu
Romantiek"Seus olhos de ressaca me fascinam e me fazem me perder. Me sentia como Bentinho preso à minha própria Capitu." Em uma tarde de calor em seu quarto com sua amiga de infância, um jovem começa a comparar sua situação com o livro clássico de Machado de...