capítulo 11

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Acordo e percebo que ainda não amanheceu, a escuridão da madrugada preenche todo o silêncio da floresta. Ayla está deitada ao meu lado, espatifada em meio aos cobertores que trouxemos. Ela dorme de boca aberta e ronca.

Parece que todo o cansaço que antes me consumia, se esvaiu durante algumas horas dormindo. Estou mais acordada ainda, e percebendo que não vou voltar a deitar tão cedo, vasculho minha mochila em busca da obra literária que trouxe comigo. O que seria de uma viagem sem um bom livro pra passar o tempo?

Quando o encontro, penso em abrir a luz da pequena fonte que Ayla trouxe, mas isso poderia acordá-la, e eu realmente não estou afim de descobrir como minha amiga fica uma fera quando é despertada. Acabo optando por deixar a barraca

Caminho em direção aos troncos espalhados no centro das várias barracas armadas, sei que todos já estão dormindo, porque não ouço nenhum sussurro de risadas ou vozes, como no jantar

Com a lamparina em uma mão, e o livro na outra, me sento no tronco do meio, apoio a luz ao meu lado e começo minha leitura à partir do ponto em que parei, no capítulo 21

Ao meu redor, ouço os mais variados sons. Algumas folhas farfalhando, morcegos voando, corujas...isso me acalma, me sinto livre aqui, realmente não precisa de muito para me fazer sentir paz, apenas com um livro em mãos e em um ambiente agradável, já é mais que o suficiente

Apenas quando chego ao capítulo 23 começo a sentir fome e sede

Deixo o livro no lugar que antes eu estava sentada, e pego a lamparina.
Vou até a barraca novamente e entro silenciosamente para não acordar Ayla, que continua roncando baixinho

Após tomar algumas goles, procuro pela barraca alguma coisa que sirva de lanche por enquanto, mas não encontro nada além de roupas espalhadas e outros inorgânicos. Onde infernos Ayla deixou nossa comida?

Quando desisto de procurar, tenho a ideia de buscar eu mesma na floresta, afinal, não é possível que não tenha uma árvorezinha com frutas vermelhas ou amoras, né?

Saio com uma lanterna na mão, resolvi deixar a lamparina iluminando o espaço onde eu estava, nos troncos

Procuro pelos galhos das diversas árvores, apontando a luz da lanterna tentando achar algo, mas está difícil

Vou me distanciando do aglomerado de barracas, mas não ao ponto de me perder, realmente não quero isso

O frio que se instala pelo meu corpo envia uma onda de calafrios que fazem meus pelinhos se eriçarem, só então me dou conta de que deixei o casaco na barraca. Não vou voltar mais, quero minhas frutinhas, consigo lidar com o frio, lidava com ele todo dia na minha casa

Casa...que saudade
Que saudade dos meus pais
De sentar na minha janela e observar o horizonte branco e nevado..

Foco. Frutinhas.

Vejo uma imensa árvore um pouco à frente. De longe, ainda consigo ver o aglomerado de barracas, então me submeto à aproximar mais da árvore

Aponto a lanterna para os galhos, e logo avisto várias frutinhas vermelhas. Perfeito

Fico na ponta do pé para alcançar o galho mais baixo, e quando percebo, já coletei várias na minha mão. Eu deveria ter pegado uma cestinha antes de vir. Idiota, penso, nem trazer isso eu trouxe, e duvido que alguém tenha pensado nisso também.

Estou prestes à pôr na boca a coisinha vermelha quando sou surpreendida

- Eu não faria isso de fosse você

Sou prendida contra o tronco atrás de mim em um movimento brusco e rápido, não entendo, essa voz não me parece estranha, mas não é de ninguém que conheço. Não hesito e me debato contra a enorme mão que está posta em meu pescoço, o cara se afasta por um breve momento, e eu vejo uma oportunidade de me libertar, mas então ele volta a me prender, e ainda com mais força do que antes

- Essas frutas são venenosas, nunca te ensinaram à não sair comendo qualquer coisa que vê pela floresta? - ele interroga, se divertindo

Tento conjurar alguma fonte do meu poder, mas nada se manifesta.. O que está acontecendo? Não era para isso estar acontecendo, eu já deveria ter congelado essa mão à muito tempo, por que não consigo fazer nada?

- Ah, não adianta - ele ri, vendo a confusão na minha expressão - Pode tentar, só vai te deixar mais fraca

Levanto meu olhar e encontro seus olhos, é de um tom cinza, assustador, do tipo que causa arrepios na minha pele. Ele me fita com uma intensidade devastadora, não sei quem é, e não me importa, ninguém me prende desse jeito. Não sem a minha autorização.

- Quem é você? O que você quer? - pergunto

- não importa - ele chega mais perto - você cheira à brisa do inverno - ele aproxima seu nariz do meu cabelo

- Reconheci você de longe - continua

- Me solta

- Vou soltar - ele ri - mas só para tornar isso mais interessante

- Quem é você? - Rosno, fitando os pesados olhos cinzentos

- Sempre as mesmas perguntas - ele revira os olhos - quem é você?... o que você quer?... por que está fazendo isso?...

- Por quê meus poderes não funcionam?

- Eles funcionam, mas não comigo - posso ver um sorriso se abrindo no canto de seus lábios

- O que é você? - pergunto, e logo me dou conta de que posso gritar por socorro, já que não consigo me defender sozinha

Começo a gritar por ajuda, torcendo para que alguém me escute aqui

Mas ele age rápido e logo põe a mão na minha boca, me impedindo de continuar

- Eu estava gostando da conversa - ele bufa

-humfhum humgumfum

- O que? - o cara diz, estreitando os olhos

- humhum fumdum

- Ah, perdoe-me princesa, mas não consigo entender-lhe - ele ironiza

Cansada, eu bato minha testa com a dele. O baque faz com que ele se retraia, e eu consigo me distanciar alguns centímetros e gritar por socorro antes que ele me puxe de volta ao tronco e tampe minha boca novamente

- Caramba, você não desiste? - ele engrossa a voz

- Maya? Onde você está? - Ouço a voz de Kent, e começo a gritar sons inaudíveis por baixo da mão do cara sem nome

- HUMHUNKM MNNMMMM

- Acho que vamos ter que deixar essa conversa para depois - ele grunhe - vamos nos rever de novo. Não se preocupe - ele ri, debochando de mim

Pisco e ele não está mais aqui, simplesmente sumiu...o cara sem nome, desapareceu? Ele me soltou. Olho em volta, tentando achar algum resquício de sua fuga, mas não encontro nada, para onde ele foi? Merda

- MAYA? - Kent continua gritando meu nome, e ouço vozes no acampamento, acho todos acordaram

- Estou aqui! - grito de volta
Estou um pouco rouca, o aperto em meu pescoço foi muito forte, e só agora percebo que eu poderia estar morta agora, se não fosse por Kent, o que teria acontecido?

Vejo sua silhueta correndo em minha direção, atrás dele, vários outros o acompanham

Ele me encontra e se abaixa

- O que aconteceu? Está ferida? - ele pega meu rosto em suas mãos, iluminando minha face com a lanterna

- E..Eu - tento falar, mas minha voz falha, me sinto frágil. Odeio me sentir assim

- Eu estou aqui, você tá segura - ele me ajuda a levantar, e eu me apoio em seus braços

- Vasculhem a área! - ele diz para os guardas

E em seguida, estou voltando com Kent para as barracas. Ele me segura forte, mas ao mesmo tempo com cuidado, e eu respiro aliviada por estar com ele agora

Isso foi um pesadelo

A Herdeira do NorteOnde histórias criam vida. Descubra agora