𝖙 𝖊 𝖓 𝖙 𝖆 𝖈̧ 𝖆̃ 𝖔

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Tentação: estímulo ou indução ao que pareça atraente, ainda que inapropriado ou contradiga alguma norma; consequentemente proibido.


Depois de meus quatorze anos, deixei de me sentir tentado ou interessado por diversas coisas. Eu sempre ouvia a partir de mais velhos que após uma certa idade, a magia da infância desaparece e a curiosidade sobre tudo passa a se esvair cada vez mais. Suas expectativas se transformam em possibilidades e mais tarde, obrigações. Mas deixa de ser o mesmo sonho distante que fora um dia.

Quando criança, eu almejava a posição de meus pais. Para mim, governar um país inteiro não parecia uma enorme responsabilidade, mas sim uma enorme vanglória, e com o tempo aprendi que que toda esta vanglória exige responsabilidade. Contudo, eu era jovem demais para me preocupar com isso.

Os anos pareceram passar cada vez mais depressa durante o meu amadurecimento, e conforme a distância entre mim e o tão ansiado trono diminuía, menos tentado eu me sentia em relação a isso. Conforme era despejada sobre mim a pilha de condições que esse poder impunha, e mesmo sendo um príncipe eu não possuía controle algum de decisão. A imagem sonhadora que eu tinha de meu pai na infância, por poucas vezes até mesmo se tornou um temor. Como seu herdeiro, meu dever é seguir seus passos e me tornar um líder tão justo quanto ele. E quando comecei a prestar atenção em como sua relação com a própria posição parecia desgastante e monótona, meu interesse pelo reinado se tornou uma preocupação. Não era nada mágico do modo que costumava enxergar. Nada mais parecia sonhador ou fascinante.

Por isso, tive certeza ao concluir que em anos, era a primeira vez que me sentia tão tentado.

Palavras eram insuficientes para descrever a magnificência em minha frente. Poderia jurar que era sobrenatural. Se fosse algo intencional ou por acaso, o Universo contribuiu para que aquela breve vista fosse impactante, onde os raios solares atravessavam a vidraça diretamente até a pele bronzeada, os olhos cintilantes, lábios delicados e os fios castanhos charmosamente desalinhados, formando uma perfeita moldura para a obra que era seu rosto. Em meio ao Universo escuro, empoeirado, vasto com aquelas estantes e livros pesados e alguns com milhares de anos, a figura daquele ser pareceu o Sol. Um Sol que invadiu meu Universo e se tornou o centro dele.

– Perdão, Alteza, eu não o havia reconhecido. – seus olhos piscaram com certa pressa, enquanto desviava o olhar para baixo. Se fosse possível, sua voz era tão ou mais encantadora quanto sua aparência. Péssima tentativa para sair do meu transe. – Me chamo Louis William Tomlinson, majestade. O Rei me encarregou de ocupar o cargo de bibliotecário do palácio. – completou com seu forte sotaque, embora falasse meu idioma perfeitamente bem. O que me tranquilizou imediatamente.

Ele se curvou, mas logo se erguendo, fazendo seu olhar encontrar o meu diretamente por mais alguns segundos. Muitas pessoas evitavam encarar a realeza de forma tão direta por ser considerado um desrespeito. Eu concordava com esse termo até agora. O olhar de Louis não me pareceu, nem por um segundo, desrespeitoso. Pelo contrário, pareceu admirado e até mesmo... curioso, diria.

Tentei prestar a atenção em algo que não fosse seu rosto, me deparando com suas vestes surpreendentemente simples, no entanto, que se encarregavam de realçar ainda mais sua aparência em si. Ele era tão bonito que me tornava difícil pensar em qualquer outra coisa. Por isso agradeci mentalmente quando se pronunciou de novo.

– Ah! Estava organizando os livros quando me distraí um pouco. Peço perdão. – recolheu o objeto que havia escapado de suas mãos quando o surpreendi. – É um ótimo livro.

Era "Utopia", de Thomas More. Eu o detestava.

– Infelizmente, não posso concordar. – pronuncio depois de longos segundos, sem mesmo me dar conta. Oh, ele pareceu surpreso. – Digo, creio que seu enredo certas vezes foi muito sentimental e apático.

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