| depois das quinze velas |

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• nina •

NAQUELA MANHÃ DE Natal, eu, em minha cama e entre as minhas macias cobertas, fui sendo acordada por uma voz que eu conhecia bem, e esta voz cantarolava roucamente e em baixo timbre parabéns para mim, a que sempre fora então a sua única filha.

E mesmo sendo acordada deste modo e tão cedo, eu abri meus olhos naturalmente e, depois, sorri. Um sorriso grande eu começava a dar por ouví-lo cantar baixinho, vindo cada vez mais perto do meu leito, igual quando fazia há dez anos atrás.

Eu amava tanto aquela sua voz.

Sua voz era grossa, rouca, viril e, quando cantarolava — como fazia naquela manhãzinha —, era a mais magnética, sempre me fazia procurá-lo ou olhá-lo para lhe ver mexer a boca. Eu me sentia em paz olhando para seu rosto.

Ainda de costas, sabia eu que ele já havia adentrado, em passos de tartaruga, totalmente no meu quarto, que já estava sendo iluminado pelo Sol, o qual nascera há poucos minutos. Eu podia ouvir os pássaros e suas bagunças lá fora. Mas estava tão frio ainda, pois era Natal, e fazer aniversário nesse tal dia tinha os seus prós e também os seus contras — pelo menos para mim.

Os seus prós eram o fato de ganhar presentes extras antes de crescer tanto. Já os contras eram a necessidade de se contentar com algum peru natalino, e não com um bolo de aniversário enfeitado.

Porém, aquele que cantava parabéns para mim, e me desperara puramente por isso, havia se lembrado do meu pedido de meses antes, que foi querer ganhar um bolo só para mim, mesmo que pequeno e simples.

Me remexi ao colchão da minha cama, e ainda sorria.

Assim que me virei ao outro lado, vi ele próximo e de pé, segurando mesmo um bolinho, que estava sobre uma bandeja redonda de plástico. E o que segurava tal bolo parecia também ter acabado de acordar. Seu cabelo desgrenhado — como quase sempre se encontrava — chamara a minha atenção, e o seu roupão escondia o pijama simples que usava durante as noites.

Mas o cheiro do bolo logo me fez umedecer os meus lábios e notar velinhas acesas. Aquele cheiro de bolo recém-assado fez com que o meu estômago vazio roncasse também.

Pois eu amava bolos e tortas. Amava fazer qualquer tipo de doce, porém, naquele meu dia especial, fora outro que fizera para mim, a pessoa ao qual eu mais amava enfim.

E foi até engraçado, talvez a manhã mais fofa dos meus demais aniversários, vê-lo segurando aquele pedaço cheio de açúcar.

Logo, a massa de chocolate com cobertura, acompanhada de morangos inteiros e bem vermelhos, que iam enfeitando suas bordas, parecia que havia sido preparados por alguma criança prodígio.

Meu pai realmente se esforçava muito, mas a cozinhar e o fogão não eram o seu forte. Em contrapartida à este fato, aquele bolinho especial, para mim, estava perfeito, pois havia sido feito por ele, simplesmente pelo homem que eu conhecia e era o mais perfeito do resto.

Mesmo possuindo os seus estranhos mistérios e confusos defeitos, ele era um pai perfeito.

E as tais velinhas roxas, que estavam sobre o bolo, contavam então os meus anos completos que eu fazia naquele belo dia.

Quinze velas roxas.

Bem, essas velas eram pequenas e frágeis, próprias para aniversariantes emotivas. Acesas, não sei porquê, me lembraram postes de alguma maquete.

Eram elas tão fofas e significativas, eu iria às guardar dentro do meu famoso baú da lembrança, o qual se encontrava sempre  sobre a minha penteadeira ao canto do quarto, e que foi um presente do homem que então cantarolava.

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