Serkan

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Serkan respirou fundo e fechou o computador decidindo por fim abandonar o esforço no trabalho naquela noite. Não era um ato que fazia com frequência, mas, naquele dia frio de janeiro, ele se permitiu focar em seu passado e nas consequências de suas ações.

Completava-se um ano exato em que tudo tinha virado de cabeça para baixo em sua vida, que parte de seu eu tinha sido apagado e tirado violentamente tirado de si, que Eda fora perdida. Se ele não tivesse entrado no avião... se não tivesse priorizado os negócios em detrimento do seu casamento... se tivesse ficado. Ah, se tivesse ficado! Estaria provavelmente casado, feliz. Poderia ser pai já, ou talvez estivesse no caminho para isso. Teria uma família para chamar de sua.

Um alarme alto tocou no andar de cima e tirou-o dos seus devaneios por um segundo, trazendo-o bruscamente de volta à realidade.

Ele tinha uma família para chamar de sua. Mas não era como seu coração pedia.

- Serkan, você não vem deitar? – Selin perguntou na escada, chamando sua atenção.

- Não agora, você pode ir. Eu estou com um problema que preciso resolver. – Respondeu engolindo em seco em seguida.

- Você precisa de ajuda? – Ela se aproximou devagar e o abraçou por trás. Seu corpo se contraiu com o gesto numa clara demonstração de desconforto que ela não pareceu notar.

- Não, eu preciso pensar sozinho em como vou fazer. Pode ir para a cama, vou ficar por aqui. – Tentou se desvencilhar dos braços da mulher, mas sem muito sucesso. Não queria que ela o tocasse, não hoje.

Lembrou-se das palavras que uma vez havia escutado "ninguém pode te tocar além de mim" e sentiu-se culpado. Era para ser Eda ali, mas a realidade era outra e nessas horas Eda estava provavelmente tocando, beijando, e entregando-se a outro.

O pensamento lhe deu náusea e sua mente desesperada passou a criar imagens da intimidade dela com outro homem que não ele, obrigando-o a levantar-se num sopetão.

- Você está bem? – Selin perguntou um pouco preocupada, mas não se atreveu a voltar a ficar perto.

-Estou, só estou estressado com esse problema, não há nada que possa fazer. – Acrescentou antes que ela voltasse a insistir e torceu para que a mulher tivesse pegado a indireta de que ele precisava que ela fosse para qualquer outro lugar que não ao seu lado.

- Tudo bem. Então nos vemos amanhã, querido. Boa noite. – Disse com um meio sorriso e já a caminho do andar de cima novamente. Serkan assistiu seus passos e só se permitiu relaxar quando a porta do quarto havia sido fechada.

As imagens de Eda com Deniz atormentavam sua mente e o deixavam tão nervoso que a vontade de quebrar alguma coisa estava tomando conta de seu corpo.

Como havia sido burro! Por que tinha dado adeus a ela? Queria correr de volta para seu aconchego quente, suas palavras doces e sua risada leve. Queria possuí-la por completo, tomar conta de seus pensamentos e de seu corpo, queria ser seu e só seu. Queria que tivesse lembrado a tempo de não ter feito tanta besteira, mas fora tarde demais.

Quando voltou para Istambul ainda desmemoriado Serkan tinha como objetivo afastá-la o máximo possível de sua vida e de sua companhia. A visão deturpada da situação que Selin havia passado a ele tinha deixado-o cego, e a falta de memórias de Eda em sua vida não ajudou muito no pensamento racional.

Ele havia sido rude, egoísta e a havia magoado propositalmente.

Eda tentou, havia feito um esforço sobre humano, correu atrás dele engolindo qualquer orgulho em seu ser e não abaixou a cabeça. Hoje ele via com clareza a beleza desses gestos: havia amado Serkan mesmo quando ele a odiava. Por uns tempos ela tentou despertar sua memória, e, sem nem ao menos saber, começou a tomar conta de seu coração de novo.

Kalp UnutmazOnde histórias criam vida. Descubra agora