Marie
— Meu Deus, que homem! — suspiro me atirando no sofá. Pensei que quando soubesse da minha surdez ele fosse embora logo, como todos os outros. Mas ficou me olhando o tempo todo. Foi muito fácil conversar com ele. Bem, não quero me iludir, não sei nada sobre ele, provavelmente nunca mais o verei novamente. Olho o celular, e me assusto.
— Tem mais de trinta mensagens!
Tiro o relógio de pulso e vejo que está sem bateria, por isso não vibrou. Meu relógio vibra toda vez que tenho uma mensagem. Coloco-o para carregar e vou responder as mensagens. Vou pelas prioridades, respondo a do meu irmão e da minha cunhada, provavelmente ele já falou para ela. Meu tio também já estava sabendo.
Depois de quase uma hora no celular tentando acalmar a todos e dizendo que estou bem, tomo um banho bem demorado.
Vou para a cozinha, preparo um lanche rápido e aviso meu irmão que vou descansar um pouco, é um saco ter que ficar dando satisfação o tempo todo, mas por causa do meu problema, se não atendo o celular ou respondo as mensagens, ele fica louco de preocupação. Essa foi uma das condições para me deixar morar sozinha. Ou usar um aparelho auditivo que veio da Suíça, alta tecnologia. O único problema é que quando estou em um ambiente muito barulhento, o aparelho me causa uma dor de cabeça e eu tenho que viver tomando remédio o tempo todo. Então prefiro viver no silêncio e fazer a leitura labial ou me comunicar em Libras.
Depois do lanche, vou para o quarto e deito na cama com a intenção de descansar um pouco. Quando acordo, me assusto com as horas, já são quase cinco da tarde. Não trabalhei nada hoje, levanto-me e vou para o escritório. Meu apartamento tem apenas uma suíte e um quarto que transformei em escritório.
Tenho uma tradução do meu tio para fazer, não é bem uma tradução é uma leitura labial, ele ocupa um cargo importante na Polícia Federal em São Paulo e está em uma investigação sobre tráfico de mulheres para a Alemanha, ele me mandou um vídeo sem áudio, preciso passar as falas. É um trabalho informal, mas eles pagam bem. Só não gosto quando tenho que fazer trabalho de campo, como eles dizem. Ir pessoalmente em um evento e ficar observando determinada pessoa. Nessas ocasiões, tenho que usar o aparelho auditivo e, quando termino, estou com tanta dor de cabeça que levo até dois dias para me recuperar.
Quando comecei a fazer este trabalho, meu irmão não gostou. Mas como é para ajudar essas mulheres, acabou cedendo. E eu gosto de fazer essas traduções. Sábado passado, fui em uma boate e parece que conseguimos boas pistas das meninas desaparecidas. Eu, na verdade, não sei quase nada sobre os casos. Vou com eles, faço a tradução e repasso tudo por uma escuta. Nunca sei ao certo todos os detalhes, eles são bem discretos com relação à investigação.
Neste sábado, tenho um desses eventos. Só espero que acabe logo, às vezes eu fico uma hora no máximo, outras vezes, um pouco mais. O bom é que não preciso me preocupar com nada, os agentes arrumam tudo: roupa, maquiagem, cabelo, vem uma pessoa fazer tudo. Arrumam também as escutas que são colocadas em mim. No final, gosto de saber que estou ajudando alguém.
Termino a leitura de hoje, mando por e-mail e pego meu celular. Já tem algumas mensagens, mas a maioria é do trabalho mesmo. Olho no final e tem uma mensagem do Erick, meu coração dá um pulo. Abro rapidamente e leio:
— Oi, como passou o dia? — Respondo rapidinho:
— Muito bem, dormi a tarde inteira.
— Dorminhoca.
— Sou mesmo. Agora tenho que passar a noite trabalhando para colocar o serviço em dia.
— Quer almoçar comigo neste sábado?
— Infelizmente tenho um compromisso de trabalho neste sábado, quem sabe outro dia?
— Quem sabe?! Boa noite!
— Boa noite!Erick
Cheguei no hotel já eram quase onze horas da manhã. Não é fácil administrar uma rede de hotéis aqui em São Paulo e no Rio. Quando deixei Marie e olhei o celular foi que vi a quantidade de mensagens e e-mails não lidos. Passei alguns para Débora, minha secretária, e avisei que estava chegando, mas a avenida Paulista estava movimentada e demorei mais do que o esperado para chegar. Estava com roupa esportiva, calça, camiseta e tênis. Geralmente, quando saio às seis da manhã e volto às oito, não tem ninguém na recepção, mas neste horário deve estar lotada. Ainda mais com o evento de sábado. Não tendo outro jeito, resolvo entrar pela frente mesmo.
— Obrigado Pedro, pode guardar o carro, não vou precisar por enquanto. E, por favor, não comente com ninguém o que ocorreu.
— Sim, senhor.
Entro e todos os funcionários me olham meio assustados, não costumo chegar neste horário e muito menos com esta roupa. Vou direto para a recepção pegar minha chave, cumprimento alguns com um aceno rápido e já estou próximo ao elevador, quando ouço alguém me chamar. Droga! Só me faltava essa! Acelero o passo fingindo não ouvir. Sei quem está chamando, só não quero encontrar com essa pessoa.
— Erick, Erick espera.
Sinto mãos me segurando e me sinto mais irritado ainda. Me viro para responder.
— Desculpe Camila, não posso conversar com você agora, estou atrasado.
Digo olhando para ela, e me vejo comparando-a com Marie. Camila usa maquiagem pesada logo de manhã, cílios postiços, contornos nos olhos e um batom vermelho chamativo. Marie é simplesmente Marie, linda sem artifícios.
— Nossa Erick, de onde você está vindo? Nunca vi você com esta roupa. Meu Deus, tem até mato grudado em você! — diz, tirando um fiapo de grama da minha camisa e colocando as mãos no meu braço em sinal de posse.
— Como eu disse, estou atrasado, com licença — falo, tirando as mãos dela de mim. Mas antes de conseguir entrar no elevador, ela me segura novamente e pergunta:
— Posso ficar no seu apartamento? O hotel está lotado.
Respiro fundo para conter a raiva. Tivemos um caso no passado, mas Camila ainda age como se fosse hoje, isso me irrita ainda mais.
— Você veio com seu pai? Fique no quarto com ele. Se não tiver cama disponível eu mando colocar uma. Meu irmão vai vir este final de semana. Então o meu quarto estará ocupado — falo virando as costas e apertando o botão do elevador.
— Nossa, que grosseria! Que bicho te mordeu hoje?
Nem me dou o trabalho de responder. Preciso tomar um banho, trocar de roupa e descer para o escritório. Apesar do atraso no trabalho, foi uma manhã, digamos... um tanto diferente. Me pego olhando o perfil de Marie no celular, uma foto selfie em que ela está com o cabelo solto e um sorriso lindo no rosto.
Entro no meu apartamento e vou para a janela, só a minha sala já é maior do que todo o apartamento dela. Sinto uma vontade irresistível de mandar uma mensagem, mas me contenho.
— Pare de pensar nela, Erick. Você tem muito trabalho a fazer — falo comigo mesmo. Depois do banho, coloco uma roupa social, como um lanche rápido pois não tomei café da manhã e vou para o escritório.
— Boa tarde Débora! Alguma coisa urgente?
— Boa tarde senhor, vou levar até sua sala. Só um minuto. Seu irmão ligou e pediu para te comunicar que vai chegar no horário combinado, parece que ele tentou te ligar e você não atendeu. A reunião das quinze está confirmada?
— Sim.
Eu não estava conseguindo me concentrar, mas acabei resolvendo as principais prioridades do dia. Com tanta coisa para fazer, nem vi a hora passar. Só noto que já é tarde quando vejo os funcionários começaram a se despedir.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor Erick? Já estou indo — pergunta Débora abrindo a porta só um pouquinho.
— Não, obrigado, pode ir.
Quando olho o relógio, já são dezoito horas. Sem conseguir me conter, digito:
— Oi, como passou o dia? — Recebo a resposta bem rápido:
— Muito bem, dormi a tarde inteira.
— Dorminhoca.
— Sou mesmo. Agora tenho que passar a noite trabalhando para colocar o serviço em dia.
— Quer almoçar comigo neste sábado?
— Infelizmente tenho um compromisso de trabalho neste sábado, quem sabe outro dia?
— Quem sabe?! Boa noite!
— Boa noite!
Nossa! Acabo de levar um fora. Admito que não esperava por essa. Marie, Marie, por que não consigo tirar você da cabeça? Mas com o evento de sábado no hotel, acho que foi melhor. Vou estar ocupado mesmo.
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Amor, sons e sinais (DEGUSTAÇÃO)
ChickLitLivro completo está disponível na Amazon. Erick é um homem muito bem sucedido. Rico dono de uma rede de hotéis, tem tudo o que deseja, inclusive mulheres, mas nenhuma que tenha despertado seu interesse para um relacionamento sério. Até que, por um a...