Erick
Quando consigo ficar de pé, noto que uma pequena multidão se acumula em volta de nós, olho para a garota e só então percebo o sangue em suas mãos.
— Você está bem? — E agindo por puro reflexo novamente, consigo segurá-la. Deus! Ela desmaiou.
— Alguém pode por favor chamar uma ambulância? Ela deve ter batido a cabeça.
— Com licença, com licença. Senhor, está tudo bem? — pergunta Pedro, meu motorista, tirando as pessoas da frente para chegar até mim.
— Pedro, pegue uma toalha no carro, ela cortou o braço, deve ter sido na queda. Rápido, por favor.
Quando Pedro volta com a toalha, várias pessoas já haviam se juntado ao redor para ajudar, tento reanimar a garota e pergunto se alguém a conhece. Noto que não está com o celular, pensei que estivesse ouvindo música, mas me enganei. Carrega somente um relógio digital escuro no pulso.
A ambulância chega, os paramédicos imediatamente prestam os primeiros socorros e um deles pergunta:
— O senhor vai acompanhá-la? Para qual hospital o senhor quer que a levemos?
Como deixar essa garota sozinha?, penso comigo mesmo.
— Para o mais próximo daqui, por favor — respondo com a autoridade costumeira. — Pedro, pegue o carro e me encontre lá.
— Sim senhor — responde Pedro já correndo em direção ao carro.
Em menos de 10 minutos chegamos ao hospital. Sigo com a garota até a sala de emergência, onde uma enfermeira gentilmente barra a minha passagem.
— Pode esperar aqui por favor, senhor.
Pego meu celular e ligo para o hotel. Tenho uma reunião agora de manhã, preciso avisá-los que chegarei mais tarde.
— Débora, pode por favor desmarcar os meus compromissos desta manhã? Inclusive a reunião. Houve um imprevisto, depois eu explico.
— Sim senhor Erick, mas está tudo bem? O senhor precisa de alguma coisa?
— Não Débora, obrigado.
Débora estranhou um pouco a minha ligação, porque, apesar de dono do hotel, dificilmente me atraso para as reuniões ou desmarco meus compromissos.
— Avise o Jaime que vou estar aí só mais tarde, obrigado.
— Senhor! — chama uma enfermeira.
Desligo o celular e me viro.
— O senhor é parente da garota? Precisa preencher a ficha, por favor.
— Não, eu nem a conheço, não tinha documentos, ela estava sozinha e quase foi atropelada por um carrinho de pipoca, parece meio absurdo, mas estávamos no parque e...
— Juçara, pode deixar que eu resolvo aqui, eu conheço a garota — fala uma outra enfermeira, entrando na sala.
— Oi, meu nome é Paula, sou a enfermeira-chefe. Pode me explicar o que ocorreu? — pergunta estendendo a mão para mim.
— Sou Erick.
Eu a cumprimento, explico o que ocorreu e acrescento:
— Todos que vimos o que ia acontecer gritamos para ela sair do caminho. Não entendo como não ouviu, pensei que estivesse com o celular e fone mas não encontrei nada.
— Sim, ela não ouviu com certeza, nem poderia.
— Como assim não poderia?
— Ela é surda, senhor Erick.
— O quê? Como assim surda? Não acredito! Quero dizer... humm, é... desculpe, não esperava por isso.
— Não tem problema, ela é uma moça muito especial, senhor.
— Ela está bem?
— Sim, está sim, o médico já a examinou, ela está com um corte no braço e vai levar alguns pontos, nada sério, ela só desmaiou porque não pode ver sangue.
— Pensei que tivesse batido a cabeça, mas você disse que a conhece?
— Eu a conheço, seu irmão é médico aqui no hospital, ele está em um atendimento, mas já foi chamado.
— Posso vê-la?
— Eu vou ver se já deram os pontos e já, já mando chamá-lo, ok?
— Sim, vou esperar.Marie
Sinto a dor voltar e gemo, abro meus olhos sem saber onde estou, minha visão está fora de foco, alguém está mexendo em meu braço. Olho em volta e pisco para clarear a visão que aos poucos se torna nítida. Uma enfermeira está enfaixando meu braço e isso dói. Tento puxar, mas mãos fortes me seguram.
— Onde estou?
— Você está na sala de emergência do hospital Ipiranga — explica a enfermeira olhando para mim e falando devagar.
— Sou Paula e trabalho com seu irmão, lembra-se de mim? Seu irmão está em cirurgia mas daqui a pouco estará aqui.
— Obrigada, Paula. Me lembro de você sim. Quem me trouxe para cá?
— Tem um moço aí fora, veio com você na ambulância. Vou dizer a ele que você está bem e que seu irmão já está vindo, ok? — diz Paula sempre olhando para mim.
— Ok, isso está doendo muito, quero ir logo para casa. Obrigada, não me lembro direito o que aconteceu, quando vi o sangue, desmaiei. No começo, achei que estava sendo atacada. Quem é o homem que veio comigo?
— Não sei, só sei que é o homem mais lindo que já vi — Paula responde suspirando. — Ele está esperando para te ver, posso deixá-lo entrar?
— Sim, por favor, eu só quero agradecê-lo.
Paula sai do quarto e eu fico encostada na cama. Em seguida, vejo a porta abrir-se novamente e um homem realmente lindo entra. Ele é moreno, alto e tem um corpo para ninguém botar defeito, bem marcado pela roupa de corrida que está usando. Fico sem jeito pois estou toda descabelada. Ele olha para mim de um jeito estranho. E fica em silêncio. Espero um pouco e falo:
— Oi! Meu nome é Marie Chantel. Eu não entendi direito o que aconteceu, mas acho que salvou minha vida, desculpe ter chamado você de brutamontes, eu achei que estava sendo atacada.
— Eu não sei falar em Libras, Marie. Ah, meu Deus, ela não me escuta!
Ele fala e passa as mãos no cabelo como se estivesse meio desconsertado.
— Oh! Não se preocupe, eu posso ler os seus lábios, pode falar normal. Só olhe para mim.
— Ok então. Meu nome é Erick Ferrasso Rodrigues. E sim, acho que salvei a sua vida. Então você achou que estava sendo atacada? Por isso esperneou tanto! — fala rindo.
Fico vermelha de vergonha, ele nota e ameniza:
— Mas tudo bem. Você se machucou muito? Você desmaiou e eu fiquei preocupado.
— Ah, eu não posso ver sangue, desculpe ter preocupado você. Eu cortei o braço, mas tudo bem, poderia ter sido pior. Levou só alguns pontos. Obrigada.
A porta se abre e nós dois viramos para olhar quem está entrando. Vejo meu irmão vindo em minha direção, com sua roupa branca, o estetoscópio no pescoço e uma cara de muito bravo.
— Marie, você quer me matar do coração? Quando a Paula falou que você estava aqui, quase morri de preocupação, ela disse que foi atropelada — fala, faz os gestos de sinais com as mãos e depois me abraça.
— Calma Victor, esse é o Erick, ele estava lá e pode te explicar tudo, foi ele quem chamou a ambulância, eu não entendi direito o que aconteceu.
Victor olha para o lado e vê o Erick.
— Oi, desculpe, eu nem vi você, eu sou o irmão dessa maluquinha aqui. Dr. Victor, mas pode me chamar de Victor. Prazer — apresenta-se estendendo a mão ao Erick.
— Muito prazer, Victor, meu nome é Erick Rodrigues. Pode me chamar de Erick.
— Então Erick, o que aconteceu, afinal?
Leio pelos lábios de Erick ele contar tudo o que tinha acontecido.
— Um carrinho de pipocas, que coisa mais estranha, Marie! Acho melhor ligar para o Olavo, ele pode investigar isso direito.
— Não seja bobo, Victor, foi só um acidente. Não quero incomodar o tio Olavo. Eu quero ir embora daqui o quando antes, tenho trabalho para fazer, vamos, me leva para casa! E, falando em casa, como está a Laurinha? Estive com ela na semana passada, mas já estou com saudades da sapequinha. A Júlia me disse que ela já está andando.
— Sim, já deu alguns passinhos. Passa lá em casa assim que puder, é bom que ajuda um pouco a Júlia. Mas, Marie, não posso te levar, tenho um paciente me esperando, já estou atrasado, vou chamar um Uber para você — fala e faz os gestos em Libras. — E, obrigado Erick, nem sei como te agradecer — Victor agradece já pegando o celular.
— Onde você mora, Marie? Eu estou com o meu motorista aí fora me esperando, posso te levar.
Eu leio os lábios dele e respondo:
— Obrigada Erick, mas não quero te incomodar. Vou de Uber mesmo.
— Não é incômodo algum, já está resolvido, eu te levo.
Eu é que não vou perder a carona desse Deus grego, penso olhando para ele e respondo:
— Tudo bem então. Eu moro perto do parque.
Victor me abraça mais uma vez.
— Passo lá à noite, irmãzinha, para dar uma olhada nesse braço. Se cuida, hein? Vou pedir para te darem alta — Victor fala olhando para mim. Depois, se despede de Erick e sai, me deixando sozinha com o homem lindo.
— Notei que você lê os lábios muito bem, Marie.
— São anos de prática – justifico sorrindo.
— Desculpe perguntar, mas você nasceu assim? Com esta deficiência?
— Ahh não, foi um acidente, ou foi o que me disseram, não sei ao certo. Quando eu tinha dezesseis anos eu e meus pais morávamos na França. Eles estavam me esperando no carro para me deixarem na escola. Eu, como sempre, voltei para pegar o fone que tinha esquecido. Quando estava a uns dois metros do carro, meu pai ligou o carro e bum!!! A explosão me lançou longe, tive muitos ferimentos, perdi muito sangue e também perdi a audição. Por isso não posso ver sangue, acho que é meio que um trauma daquele episódio. Alguns dizem que foi um atentado, mas não sei até hoje. O governo de lá não quis me dizer muita coisa — explico me sentindo emotiva e com os olhos cheio de lágrimas.
— Desculpe Marie, não quero fazer você ficar lembrando de coisas tristes.
— Não se preocupe, lembro disso o tempo todo. Já faz dez anos, mas não consigo esquecer, parece que foi ontem. — falo secando os olhos. Ficamos em silêncio alguns segundos e a enfermeira Paula entra, dizendo:
— Está liberada Marie, tem alguém para te levar? Quer que peça um Uber? — Paula pergunta devagar olhando para o Erick como se fosse comê-lo ali mesmo. Mas eu percebo que Erick nem mesmo olha para ela, seu olhar está em mim.
— Não se preocupe Paula, o Erick vai me levar.
Paula responde e eu me esforço para me concentrar nela, pois quero mesmo é continuar olhando para ele.
— Tudo bem então, se cuida tá? E sai acenando um tchauzinho.
— Será que você pode me ajudar a calçar o tênis? Esqueci de pedir para Paula — pergunto sem jeito. E depois lembro que este cara deve ser podre de rico para ter motorista e eu pedindo para ele calçar o tênis em mim! — Mas posso pedir para ela voltar — acrescento rápido.
— Ahh não! Claro que ajudo você. Bem, humm, vamos ver aqui...
Pega um tênis e, quando sua mão toca meu pé, sinto um arrepio. Olho para ele e vejo que está com os olhos fixos em mim. Sinto o rosto queimar e o vejo sorrindo.
— Você sempre fica vermelha assim quando alguém toca em você? — pergunta ainda sorrindo e olhando para mim. Não consegui tirar os olhos dele, por isso foi fácil entender o que ele disse e acabo corando mais ainda. Vejo ele soltar uma gargalhada.
— Desculpe, não resisti.
Foi logo pegando meu outro pé e, sem desviar os olhos de mim, diz:
— Prontinho, vamos, vem, eu te ajudo a descer, esta cama é alta.
Pega-me pela cintura e coloca-me no chão com cuidado.
— Obrigada.
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Amor, sons e sinais (DEGUSTAÇÃO)
ChickLitLivro completo está disponível na Amazon. Erick é um homem muito bem sucedido. Rico dono de uma rede de hotéis, tem tudo o que deseja, inclusive mulheres, mas nenhuma que tenha despertado seu interesse para um relacionamento sério. Até que, por um a...