Capítulo 3

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Erick

Nunca senti tesão só de pegar no pé de uma mulher. Mas com Marie foi como se tivesse levado um choque. E vê-la corar então! Meu Deus, que mulher linda! Eu não consigo tirar os olhos dela. Quando a enfermeira disse que era surda, eu fiquei me imaginando fazendo gestos em Libras que nem sei fazer. E pensei: entro lá, vejo se está tudo bem, se precisar escrevo algo em um papel e vou embora.
Mas quando começou a falar e disse que era só olhar para ela para me entender, não consegui despregar os olhos dela. Era como uma desculpa para ficar olhando para ela, mesmo com os cabelos um pouco soltos do rabo que fez com o elástico, ela é linda, sem maquiagem, uma mulher naturalmente bela.
Ajudo Marie a entrar no carro e me viro no assento, ficando de frente para ela. Vejo ela olhando para mim e pergunto:
— Onde você mora, Marie?
Ela espera alguns segundos como que em transe e diz:
— Oh sim, é bem próximo ao parque. — Ela fala o endereço e, sem jeito, desvia o olhar. Mas como nunca me canso de olhar para ela, ergo seu rosto com os dedos e faço ela olhar para mim novamente.
— Você mora sozinha, Marie?
— Agora sim.
— Por que agora? Já morou com algum namorado antes? — Me arrependo imediatamente da pergunta, afinal isso não é da minha conta! Mas ela responde mesmo assim.
— Quem dera, eu morava com meu tio e a família dele.
— Você é francesa? Fala com um leve sotaque.
— Não, eu nasci aqui no Brasil, mas minha mãe era francesa. Quando meu pai e minha mãe se conheceram, Victor, meu irmão por parte de pai, já tinha quatorze anos, meu pai era viúvo. E logo depois, eu nasci. Quando eu tinha uns quatro anos fomos todos para a França, meu irmão terminou o ensino médio lá, mas voltou para o Brasil para fazer faculdade aqui.
— Você voltou da França por causa da morte de seus pais?
— Sim, eu tinha a família da minha mãe, ainda tenho, claro, mas preferi vir morar no Brasil. Eu tinha dezesseis anos e foi um baque para mim. Minha vida virou de cabeça para baixo. E para não ficar com meu irmão que tinha acabado de se casar, eu fiquei com meu tio Olavo. Ele é irmão do meu pai, casado com Tereza. Eles têm dois filhos, mas já são grandes. Até que eu gostava de morar com eles, mas nada se compara a ter o meu próprio canto.
— Você fez faculdade? — De repente me pego querendo saber tudo à respeito dessa garota!
— Sim, de Letras. Nossa, desculpe, não paro de falar. Meu irmão vive dizendo que falo demais.
— Estou adorando ouvir você falar, mas acho que já chegamos. É nesse prédio aqui mesmo? Realmente, fica muito perto do parque.
— É sim. Obrigada Erick, e a você também, Pedro, não é? Bem, adeus.
— Não há de quê, senhorita — Pedro responde sem graça para o nada pois ela não estava esperando uma resposta e já estava saindo do carro.
— Espere, vou te acompanhar até a porta, como prometi para seu irmão — falo, segurando sua mão para ela olhar para mim. É incrível como esses olhos verdes olhando para os meus lábios mexem comigo!
— Não precisa — responde revirando os olhos. — Aqui todos me conhecem, não se preocupe, meu irmão que é muito protetor.
— Mesmo assim vou te deixar na porta.
— Se você insiste — fala dando de ombro.
Seguimos para a portaria e ela coloca sua digital, o portão abre-se e seguimos para a guarita.
— Bom dia senhor Romeu, deixei a minha chave aqui mais cedo com o Rodrigo, pode pegar para mim?
— Bom dia Marie. Você demorou hoje, o que aconteceu? — pergunta o funcionário olhando para mim desconfiado e entregando a chave para Marie.
Pelo jeito este tal de Romeu conhece Marie muito bem. Pois falou olhando para ela e quando respondeu vi que não perdeu nada.
— Tudo tranquilo, senhor Romeu. Apenas um contratempo. Um bom dia para o senhor — Ela pega a chave e vamos direto para o elevador.
Entramos em silêncio e noto que apertou o penúltimo andar, era um prédio de 15 andares. Quando chegamos, ela abre a porta e diz:
— Pronto, aqui estamos, quer entrar? Posso fazer um café — oferece olhando para mim e esperando uma resposta.
Meu Deus, onde estou com a cabeça que não quero deixá-la sozinha?, penso, antes de responder:
— Vou aceitar um cafezinho.
Entro no apartamento e olho ao redor, é um apartamento pequeno, mas muito bem organizado. E arejado, com uma vista linda da cidade e do parque. Não tem mais de 60 metros quadrados, a cozinha é conjugada com a sala. Não vejo o quarto, mas imagino que seja uma suíte. Sento-me junto ao balcão e fico observando Marie fazer o café na cafeteira. Quando olha para mim, continuo o interrogatório:
— Você trabalha, Marie?
Ela coloca o café na xícara para mim e depois para ela e, com muita calma, responde:
— Eu sou tradutora. Como eu morei em vários lugares do mundo, tenho uma grande facilidade com línguas. Apesar de ser surda.
— Interessante.
— Antes de meus pais morrerem, nós moramos em pelo menos uns cinco países. Isso me ajudou a adquirir um prazer e muita facilidade em estudar vários idiomas.
— Mesmo depois do acidente? — pergunto admirado olhando para ela.
— Bem, quando voltei para o Brasil, estava começando o ensino médio, não foi nada fácil para mim nesta fase. Ser chamada de surdinha e ainda lidar com a morte dos meus pais. Bem, desculpe, acho que estou falando demais. Como sempre.
— Não! Eu perguntei. Imagino como deve ter sido difícil para você — falo devagar não conseguindo tirar os olhos ela.
— Enfim. Acabei fazendo Letras na USP. E agora trabalho como tradutora, de inglês, francês, alemão e italiano.
— Meu Deus, você fala todas essas línguas? Todas fluentemente?
— Como eu disse, eu morei nesses países, então para mim foi fácil.
Quando ela termina de falar, meu celular toca, eu olho o visor e vejo que é do escritório. Digo, olhando para ela:
— Desculpe, tenho que atender.
Vou até a janela e atendo a chamada.
— Oi Débora.
— Senhor, o senhor quer que eu cancele a reunião da tarde? O Jaime já preparou tudo.
— Não Débora já, já eu chego aí, pode confirmar.
Volto para Marie, tomo o café que já está servido e digo:
— Tenho que ir, Marie, qual o número do seu celular?
— Vou passar para você, mas como você sabe, não adianta me ligar, só mandar mensagem mesmo.
— Sim claro — afirmo, me sentindo estúpido por não ter pensado nisso.
Ela vai buscar o aparelho no quarto ao lado e, quando retorna, fala seu número, eu adiciono e mando um oi.
Ela olha o aparelho e sorri. Meu Deus, que sorriso lindo! Só por um oi, que vontade de beijar esta boca linda, penso, sem tirar os olhos dela.
— Bem, Marie, até mais. Foi uma manhã digamos que surpreendente para mim — falo pegando seu queixo com dois dedos e levantando-o para ela olhar para mim.
— Para mim também, Erick. Eu não sei nada sobre você e você já sabe quase tudo sobre mim.
— Vamos almoçar qualquer dia, aí te conto sobre mim, combinado? Até mais, Marie — digo dando um beijo demorado no seu rosto. — Eu mando mensagem.
Quando já estava na porta, ela diz:
— Obrigada mais uma vez por me salvar.
Já quase no elevador, viro e digo:
— Foi um prazer.

Amor, sons e sinais (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora