Prólogo

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Como era alto o som da chuva a cair nos pastos e penhascos, e do vento tão forte, a balançar as folhas e criar ecos, mas o pior eram os trovões que estavam altos demais, fortes demais, pertos demais. Sobretudo, o que ficou guardado na memória daqueles que presenciaram a tempestade de 24 de julho foram os sons, dos que estavam na segurança do lar, aos que foram pegos ao ar livre, todos lembram-se dos sons, do barulho do mundo ao acabar-se em água. Mas não era apenas ruído o que a tempestade causava, com todo o céu coberto de espessas e escuras nuvens o Vale do Itapira estava tomado pelo breu, excetuando os momentos que porventura um relâmpago iluminava o céu, nada era visível, mesmo a luz de lanternas.

Em meio a todo o aguaceiro, uma doce garotinha tentava chegar à segurança do lar. Tendo saído escondida de casa mesmo com os sinais da vinda de um temporal, a menina, no auge dos seus 8 anos, só percebeu a péssima decisão que tomara quando a primeira gota de chuva tocou-lhe a face. Mas ela não correu de imediato, estava longe, e era apenas um sereno, até o momento em que deixou de ser. Na meio do caminho, já estava com os cabelos a pingar e o corpo todo a tremer, os pés, pesados de lama, e localizando a rota pelos breves e constantes relâmpagos no céu, mas, com a confiança inabalável que apenas crianças tendem a ter.

Tendo percorrido mais da metade do caminho, chegou a um local onde os ecos reinam, e no momento, estavam a transmitir a música do vento, mas uma nota desafinou e um som diferente surgiu. Seguido por um grito de terror abafado, um barulho terrível, contendo toda a dor e angústia humanas e a única a presenciar tal horror, foi uma inocente menina. Sem saber o que fazer, ela corre em meio a chuva, com os pés derrapando sobre chão e caindo, ralando os joelhos e cotovelos, mas a dor só poderia ser sentida no dia seguinte, pois o que vê a seguir deixa-a em tal estado de pavor que qualquer dor física é apagada.

O mundo mudou de cor e tornou-se vermelho. O chão estava rubro junto a água escorrendo desfiladeiro abaixo, o homem com um buraco na testa e a garotinha caída ao lado daquele corpo inerte completavam um quadro macabro. Nesse momento tudo fica silencioso, os sons do temporal somem e apenas um piiiiii constante fica nos ouvidos da pequena que ignora o barulho dos seus passos correndo, fugindo do homem morto.

Não foi uma noite para se sonhar.

Quando as Estrelas MorremOnde histórias criam vida. Descubra agora