A sala do chefe era no terceiro andar, e eu preferi usar as escadas porque não suportaria a tensão de ficar no mesmo elevador que o meu vizinho. Subimos (ele com muito mais energia do que eu) e chegamos.
Eu entrei primeiro, e pedi pro cara esperar lá fora. Abri a porta sem bater e dei de cara com meu chefe no telefone. Quando ele me viu, terminou a ligação de imediato: — O que tá acontecendo aqui?!
— É uns caras querendo as terras de volta.
— E essa agora? — ele passou a mão pela cabeça, preocupado — Eles vieram num barco viking?!
— É...
— Como é que alguém espera ser levado a sério dentro de um BARCO VIKING?
Eu queria concordar, mas estava com medo do brutamontes ouvir e me encher de porrada mais tarde.
— Você falou com algum deles? — perguntou meu chefe.
— Sim...
— E o que eles disseram?
— Que a gente tinha roubado as terras deles, expulsado as famílias...
— Não, sim, isso eu sei. — ele disse com naturalidade. — Eu quero saber se ele disse algo do grupo dele.
— Como você sabe que ele disse isso?
— Ele disse? Ah. É que é o que a gente sempre faz. Pega as terras alheias, expulsa quem está lá e constrói empreendimentos de segurança duvidosa. Isso eu já estou careca de saber.
Ele falava com uma tranquilidade que me deixou pasmo. Quer dizer, saber eu sabia. Eu não sou idiota. Aquela empresa não tinha uma boa reputação no mercado. Mas ver ele dizendo aquilo na minha cara sem nenhum pudor me fez perceber o quanto eu fazia parte daquilo. O quanto eu estava envolvido e colaborando para tirar a casa de tantas pessoas, incluindo meu vizinho.
E antes que você ache super bonito essa minha realização, eu vou deixar bem claro: eu não estava pensando no bem-estar daquelas pessoas. Eu estava pensando que, se a gente continuasse assim, eu provavelmente ia arranjar mais vizinhos vikings. Ou gregos, ou romanos, sei lá. Aquele condomínio ia virar um livro de história.
Pensando em todo o estresse que eu teria lidando com esse tipo de gente, eu resolvi dar a oportunidade ao meu vizinho. Fui até a porta e disse que ele poderia entrar. Ele tirou a espada da bainha de novo e eu sai fechando a porta atrás de mim. Não vi o que aconteceu depois, e nem precisei.
Voltei pra casa mais cedo. Eu mesmo não estava com vontade de trabalhar ou de fazer qualquer outra coisa. Dormi a tarde inteira, e de noite, acordei com minha campainha tocando. Quando abri a porta, tinha um presente. Eu trouxe pra dentro e abri. Era um machado. Junto dele, tinha um bilhete escrito "Muito obrigado. Sabia que seu espírito guerreiro iria despertar."
Eu franzi a testa meio confuso mas aceitei mesmo assim. O machado era muito bonito, não posso negar. Eu guardei ele de novo e decidi cozinhar alguma coisa. Comi e quando deitei, fiquei pensando o que iria acontecer com a empresa no dia seguinte.
Bem, no dia seguinte, me mandaram uma mensagem dizendo que eu não precisava ir trabalhar. Não era nem porque o chefe tinha morrido e todo mundo tava de luto. Era porque eu tinha sido demitido, mesmo.
Depois daí foi só desgraça. Eu fiquei com a fama de "mata-chefe" e ninguém mais quis me contratar. Estava entrando no fundo do poço quando meu vizinho viking anunciou que ele e os amigos dele estavam voltando para suas terras. Ele me convidou pra ir. Eu já não estava conseguindo pagar as contas, então decidi ir, por que não, né? A gente foi naquele mesmo carro alegórico viking. Não sei como nenhum desses caras foi preso nesse meio tempo. Era óbvio quem tinha matado o chefe. E ainda mais óbvio esse carro alegórico. Enfim, essa polícia parece que é cega.
Só sei que a gente viajou por muito tempo. Acho que foram umas doze horas da cidade até as terras dos vikings. Quando chegamos, eu estava dormindo. Meu vizinho me acordou animado e logo foi me mostrando toda a paisagem. Eu olhei aquilo com uma sincera fascinação. Era realmente tudo muito bonito. Campos verdes, florestas, cercados, alguns animais andando aqui e ali e casinhas muito carismáticas. Vendo tudo aquilo, fez até sentido eles quererem lutar por aquele lugar. Quando descemos do carro, fomos recebidos por várias pessoas que já estavam lá, e todos fizeram uma festa. Eu comi e bebi até altas horas da noite, e quando terminamos eles me levaram até uma casa vazia e disseram que era minha dali em diante.
No dia seguinte, eu acordei meio tonto. Levantei da cama com preguiça. Já era tarde, umas dez da manhã. Fazia muito tempo desde a última vez que eu tinha acordado em um horário daquele. Meu corpo se sentia muito mais descansado. Eu me senti muito bem.
Saindo de casa, eu pude ver algumas pessoas conversando no pátio e outras andando de lá para cá. Foi quando eu olhei para o lado e reconheci meu colega viking na casa vizinha.
— Bom dia, vizinho! — ele disse.
— Bom dia, vizinho. — eu respondi.
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Meu vizinho é um viking
AdventureEntre seu apartamento e o trabalho, nosso protagonista vive sua vida numa espiral tediosa e estressante. Entretanto, a dedicação barulhenta do seu vizinho a uma batalha iminente faz com que ele tente dialogá-lo para uma saída mais pacífica. O que no...