Cap. 4

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Caminho até o fim da rua, até descobrir que ela é fechada. Estou exausta, não tenho condições de voltar e andar mais, então apenas encosto no muro de uma casa e descanso a cabeça na parede, está muito frio e eu estou apenas de pijama. Começo a tremer. No começo é apenas um tremor, controlado e leve, mas então começo a tremer de verdade, daquele tipo em que você bate o queixo e não consegue controlar a coordenação. Fico preocupada porque começa a ventar. Ele bate em mim como mil facas que estivessem me cortando, todas ao mesmo tempo. No final, o cansaço me vence. Deito na neve fofa, e durmo.
Acordo com som de passos vindos em minha direção. Estou completamente tonta e minha visão está embaçada. Levanto metade do meu corpo, impulsionando o tronco com as mãos. Olho em frente e percebo uma silhueta vindo em minha direção. Não consigo distinguir quem é, simplesmente parece que tem um nevoeiro nos meus olhos. Quando a pessoa também me enxerga, começa a correr. Me levanto, meio cambaleando, meio tentando me manter de pé. Olho em volta, tentando focar minha visão. Ela melhora um pouco e procuro uma saída. A pessoa se aproxima mais e mais e eu simplesmente não consigo pensar num modo de fugir.
Desisto de procurar uma saída e me concentro em enxergar quem está vindo. Pisco e cerro os olhos inúmeras vezes até conseguir focar. Finalmente a imagem ao meu redor fica nítida e consigo distinguir quem está correndo ao meu alcance. Ele possui olhos verdes, cabelos castanhos e um corpo alto e forte: Felipe.
Ele está cada vez mais próximo, cada vez mais perto. Aproveitando que agora eu consigo enxergar, olho em volta mais uma vez e meus olhos param em um muro. Ele é alto mas dá para escalar, se eu for rápida. Viro-me em direção ao muro e olho de relance para Felipe. Percebendo minha intenção, ele começa a correr mais rápido, é agora! Vai Helena! Penso para mim mesma e então pulo o mais alto que consigo em direção ao muro. Consigo agarrar algumas plantas trepadeiras que não me parecem muito firmes mas é a única coisa que tenho no momento. Elas arranham as minhas mãos mas ignoro a ardência que provocam. Me impulsiono para cima, usando meus pés como apoio e vou escalando o muro, usando as trepadeiras como suporte. Quando estou quase no fim do muro, ele me alcança e me puxa para baixo. Eu arquejo. Ele é pesado, vai me derrubar, penso. Mas consigo acertar-lhe um chute e ele me solta por alguns instantes. Agarro as plantas com imensa necessidade e consigo subir uma boa distância. Mas Felipe, que já se recuperou do chute, me agarra pela cintura novamente e se pendura em mim. Não aguento o peso e caio no chão, em cima dele. Uma forte dor misturada com ardência invade as minhas mãos. Olho para elas e estão sangrando. Com o peso de Felipe acabei tentando agarrar as plantas para me segurar, o que resultou nesse estrago.
Levanto de cima de Felipe e começo a correr para o começo da rua de novo, não sei se terão guardas à minha espera mas preciso tentar. Ouço ele vir novamente em minha direção e corro o mais rápido que posso. De repente, parece que não existe mais oxigênio no mundo porque simplesmente não consigo puxar ar nenhum para dentro dos meus pulmões, e então me lembro: passei a noite toda dormindo no frio, acordei assustada e não tive tempo de despertar, estou correndo à provavelmente mil km por hora. Paro bruscamente e caio de joelhos à procura de ar. Minha respiração agora é barulhenta e perece que estou relinchando, não respirando. De joelhos, consigo imprimir um pouco de ar para dentro dos meus pulmões, mas não o suficiente.
Felipe me alcança e se ajoelha ao meu lado:
- O que foi? Helena, o que aconteceu? - ele pergunta. Preocupação estampada em seu rosto.
Não consigo responder, meus pulmões queimam com a falta de ar e quando percebo estou curvada sobre mim mesma. Consigo um pouco mais de ar, o bastante para tossir:
- Helena, pelo amor de Deus, fala comigo? - Felipe agora põe a mão nas minhas costas e se curva em minha direção. Entre tosses e respirações ofegantes, consigo dizer:
- Não consigo... Respirar - sem esperar nem um momento Felipe me levanta e começa a correr comigo em seu colo. O balançar da corrida e a posição em que estou não contribuem nada para me ajudar, na verdade, só pioram a situação.
Chega uma hora em que não aguento mais e a última coisa que me lembro é de Felipe me pedindo, por favor, para eu ficar acordada.

* * *

Quando acordo, estou novamente naquele quarto de paredes claras, deitada na cama. Com as mãos enfaixadas e roupas limpas. Ao lado da cama há um aparelho de respiração, agora desligado. Começo a me perguntar o que ele está fazendo ali quando me lembro do que aconteceu. Me lembro da queimação, do desespero. Lágrimas começam a esquentar meus olhos, mas as reprimo, sem entender ao certo a vontade de chorar.
Tento me levantar e meu corpo todo dói em protesto, como se dissesse: ei! Estou exausto, não está vendo não? Deita logo nessa cama.
Consigo força o bastante para me sentar. Respiro normalmente agora e um enorme alívio me invade. Olho para minhas mãos e me lembro que as cortei tentando escapar. Escapar. Estava tão perto. Tão perto de me libertar daquele lugar, daquela mulher que quer se vingar de mim sem nenhum motivo aparente. Novamente as lágrimas esquentam os meus olhos, mas dessa vez entendo o porque delas. São lágrimas de fracasso. Lágrimas que nos atingem quando não conseguimos completar o nosso objetivo, o que nos frusta exaustivamente. São lágrimas de frustração.
Ouço a porta ser destrancada e corro para as enxugar, com a atadura das minhas mãos, as poucas lágrimas que conseguiram escapar.
Felipe entra no quarto, vestindo um casaco de couro preto, uma blusa branca por baixo e uma calça jeans colorida, na cor bege, bem diferente do jeans azul abitual. Parecia que ele tinha se arrumado para sair.
Assim que viu que eu estava acordada correu em minha direção:
- Você acordou! Ai que bom! Espera aqui, vou chamar o médico. - não pude deixar de rir da empolgação dele. Mas espera aí, pra quê médico?
Antes que eu pudesse perguntar, Felipe já havia saído pela porta e a trancado, novamente.
Com muito esforço consegui me levantar e ir em direção ao banheiro. Quando me olhei no espelho, quase não me reconheci. Meu cabelo estava preso num coque frouxo e mal feito, todo bagunçado. Minha expressão estava abatida e cansada. Eu não tinha cor, minhas bochechas que antes eram rosadas naturalmente, agora nem se destacavam no meu rosto. Eu estava pálida, sem vida. Minha pele estava rachada por conta do frio e meu cabelo opaco. Fiquei triste por constatar que havia mudado, que já não era mais a mesma de antes.
Felipe retornara ao quarto, seguido de um homem com os cabelos grisalhos, pele um pouco enrugada nas extremidades dos olhos e dos lábios. Vestindo um jaleco branco e uma maleta de couro preto. Bordado de azul escuro no jaleco se encontra seu nome: Dr. Sidney. O médico, ao me ver em pé em frente ao espelho, fala:
- A senhorita devia estar em repouso completo, qualquer esforço pode fazer-lhe ter outra crise. - e virando-se para Felipe, acrescenta - achei que tivesse sido bem claro quando disse que era para mantê-la em repouso absoluto.
- Eu tentei. Mas digamos que ela é um tanto quanto teimosa.
- Tudo bem. Bom, venha senhorita... - ele olha uma folha que estava em seu bolso e continua - Helena. Vou lhe examinar.
Caminho até a cama e me sento. O médico puxa um termômetro e mede a minha temperatura enquanto tira minha pressão. Depois faz aqueles exames rotineiros que todo o médico faz: pega uma lanterna especial e olha os meus olhos e ouvidos e pega um palito de sorvete, afasta a minha língua e olha a minha garganta. Ao final, ele diz:
- Você já está bem, mas, por via das dúvidas eu recomendo ficar deitada até amanhã, só levante se for realmente necessário.
- O que eu tive? - pergunto porque, até agora, ninguém me informou o motivo para tudo aquilo, e eu estava começando a ficar preocupada. O médico olha para Felipe, como se pedisse permissão para me contar. Felipe consente com a cabeça e então o médico diz:
- Você dormiu na rua, em cima da neve. À noite, principalmente quando neva, o ar fica mais rarefeito e isso não fez bem à sua asma, e aí você...
- Espera aí, eu tenho asma?
- Ah, sim... Acho que pulei essa parte. Você tem princípio de asma. Não é muito forte e por isso nunca atacou. Mas você ficou exposta a tais condições que a fizeram se pronunciar: você dormiu de noite, na rua e sem agasalho. Acordou assustada e exposta à adrenalina. Depois correu vários metros sem parar. Um asmático em nível avançado não teria conseguido dar nem dois passos.
- Mas foi por causa da asma que eu desmaiei?
- Sim e não. Você passou a noite num lugar muito frio e seu corpo não está acostumado a lugares tão desconfortáveis, fazendo por si só você ficar exausta. Acordou correndo e, pra piorar não conseguia respirar, e, por causa disso, seu corpo não conseguiu produzir energia para te acompanhar. O único jeito que ele achou de conseguir poupar o pouco que ele ainda tinha foi te desligando. Por minha experiência de médico eu diria que foi um milagre você ter conseguido desmaiar, normalmente o metabolismo fica tão concentrado em conseguir fazer as pessoas respirarem que se esquecem de poupar energia, e aí... - ele parou de falar e deixou aquilo no ar. Eu entendi o que ele queria dizer mas mesmo assim perguntei:
- O que teria acontecido se eu não tivesse desmaiado? - ele me encara, sério, como se eu tivesse algum distúrbio e ainda não tivesse conseguido entender a questão, mas apesar disso, ele responde:
- Você teria morrido, Helena.

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E aí pessoal!! Tudo bem com vocês?? Bom, vim aqui avisar que criei um Twitter para o livro, se puderem, sigam lá: @ CarolP_SemVolta.
Peço também que deem estrelinhas para a história ok? Se gostarem, claro! Um beijo, pessoal!

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