Fico calada. É como se eu tivesse esquecido como se fala. Procuro palavras, entre todas que eu consigo me lembrar, para definir o que estou sentindo. Surpresa? Espanto? Medo? Não. Nenhuma dessas se adequa a minha reação naquele momento.
Como assim eu poderia ter morrido? Um desmaio foi o que me manteve viva? Não é possível. Eu não consigo acreditar. Tenho vontade de rebater o que aquele médico acabou de dizer, mas não acho argumentos para tentar ser convincente de acho que ele está se precipitando, por isso, permaneço calada.
Eu o encaro, sem ter o que dizer e ele me encara de volta. Percebo que Felipe fica pouco à vontade e se levanta, quebrando o silêncio:
- Bom, mais alguma coisa, Doutor?
- Não, acho que é só. Bom, eu me despeço aqui, adeus.
- Tchau Dr. Obrigado.
- Não tem de que.
Com um aperto de mão ele se despede e vai embora. Assim que ele sai, Felipe tranca a porta, nos deixando sozinhos num quarto trancado. Ótimo. Estou super à vontade, obrigada.
Felipe se vira e me encara. Não consigo decifrar sua expressão, mas com toda certeza não é boa. De repente, ele explode:
- O que você tinha na cabeça? - ele pergunta, gesticulando.
- O que? - pergunto, sem entender ao certo o que ele quer saber.
- O que você estava pensando quando fugiu daquele jeito? Agrediu a Lívia daquele jeito, dormiu lá fora nesse frio. Você ouviu o médico, você podia ter morrido - estou enganada ou vi os olhos dele marejarem? - você ficou maluca?
- Maluca?! - eu respondo incrédula. Como ele pode me chamar assim?
- eu sou maluca? Uma mulher me sequestra com o propósito de conseguir se vingar de mim sem eu saber o porquê, põe um garoto que deve ter mais ou menos a minha idade pra me vigiar e eu sou maluca só porque não aceitei ficar presa nessa cela? Você só pode estar brincando! - respondo um tom a mais do normal que se usa para uma conversa civilizada.
- Olha, eu entendo que não aceite ficar trancada aqui, mas não vai conseguir nada agindo desse jeito! Confia em mim, só to tentando te ajudar.
- Ajudar? Ajudar! Você quer mesmo me ajudar? Então me fala: porque estou presa aqui?
- Já disse que não posso falar, Helena! - ele está mais calmo que antes. Mas ainda está alterado - olha, a Lívia ficou muito irritada com o que você fez. Irada, seria a palavra certa. Você pode escapar hoje, pela recomendação de repouso do médico, mas amanhã, acho melhor você se preparar. Se ela não gostava de você antes, agora, ela te odeia.
- Que ótimo. Como se fizesse diferença! - digo, irônica. Nunca tinha sido irônica em toda a minha vida. É um ótimo jeito de se controlar quando se está com raiva.
- Você não se toca né? Não entende que isso não vai sair barato? Eu posso te afirmar que estou com medo do que ela pode fazer contra você.
Eu rio com o comentário e falo:
- O que mais ela pode fazer contra mim? Sequestrar minha irmã?
- Acho melhor não dar ideia. - ele diz na maior naturalidade como se tal ideia realmente pudesse ser realizada. Me irrito ao pensar que podem fazer mal à Emily. Nunca senti uma raiva tão profunda por algumas palavras, isso me rasga por dentro de um jeito quase que devastador. Meus olhos se enchem de lágrimas, mas não de tristeza, são lágrimas de raiva, é engraçado constatar que se pode chorar por vários motivos. Subitamente, não aguento mais encarar Felipe, com medo de que ele me veja chorar e pense que sou frágil. Não quero aparentar fragilidade, não para ele. O que está acontecendo comigo? Nunca fui de me constranger com pessoas. Mas com Felipe é diferente. Tenho medo do que ele possa vir a pensar de mim, e isso é estranho, considerando que ele ajudou no meu sequestro.
As lágrimas ameaçam fugir e então eu grito:
- Sai daqui! - quando percebo, já estou com as bochechas encharcadas.
Ele olha para mim, incrivelmente parecendo preocupado. Não me importo com sua preocupação e grito novamente, provavelmente o bairro inteiro me escuta:
- Sai daqui! Por favor, sai daqui. - a última frase sai como uma súplica e, antes de terminar de dizê-la , já enterrei meus rosto em minhas mãos. Choro abertamente e incontrolavelmente. Escuto a porta bater e ser trancada. Um alívio me invade e eu tiro as mãos do rosto e deito na cama, onde permaneci sentada todo esse tempo. Agarro os cobertores e o travesseiro os meu lado e me fecho em posição fetal, colocando todas as lágrimas existentes dentro de mim para fora.
Choro alto, sem medo que me escutem. Choro por vários motivos: impotência é o principal deles. Pensar que estou em um lugar em que odeio estar e não posso fazer nada para mudar isso me destrói por dentro. A pior sensação do mundo é estar insatisfeito com algo e não poder fazer nada para mudar aquela situação.
Em meio à soluços e lágrimas o cansaço acaba me vencendo e eu caio no sono, abraçando o travesseiro e as cobertas.

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Sem Volta
Fiksyen RemajaPessoal, esse é um livro meu. Portanto, conforme forem me pedindo irei publicando mais capítulos ok? Espero que gostem.