CAPÍTULO 1: PÃO COM SALAME

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5:30
A hora que Miguel Pozzati acordava quase todos os dias para começar a lida, estava escuro, o sol ainda não tinha dado as caras na fazenda São Pedro, a fazenda que ele trabalhava desde os 19 anos, ela era localizada no interior de uma cidade pequena chamada São José do Norte, que tinha bem menos que seis mil habitantes, essa cidade ficava no interior de Goiás, e mal era conhecida. Ele tinha se mudado pra lá para tentar uma vida melhor, tinha saído de um lugar muito parecido no Rio Grande do Sul, foi em busca de um salário melhor e um trabalho na área que ele gostasse, agora estava ali como sempre quis, ganhava a vida como peão e como operador de equipamentos agrícolas, uma área que ele era apaixonado.
Miguel levantou da cama e calçou as botas velhas de serviço e foi até o banheiro da casa de empregados onde ele morava, que era uma casa muito bonita e confortável, onde todos os peões tinhas quartos próprios. Ele chegou a frente do espelho e jogou água no rosto, não deixou do rir da própria aparência, seus cabelos estava formando um redemoinho de fios atrás da cabeça, tudo isso por ter dormido de cabelo molhado,ele tinha olheiras que se destacavam abaixo dos olhos cor de safira, a pele clara tinha marcas de sol em vários pontos, e sua barba precisava ser aparada, mas ignorou isso, simplesmente escovou os dentes e foi tomar café. O café era preparado por uma senhora muito simpática que tratava todos os peões como filhos, e todos eles chamavam ela de tia Josefa. No instante que Miguel saiu da casa ele ouviu ela gritar;
- MIGUEEEEEEEL vem comer, só falta tu- a véia sabia chamar atenção
- To indo tia
Ele caminhou até o barracão onde todo mundo fazia as refeições juntos, três mesas grandes ocupavam todo o espaço, duas cheias de peões e uma com toda a comida, encima da mesa central tinha de tudo um pouco, café coado, suco de laranja feito na hora, queijo, shimia de uva, bolacha caseira, pão de forma, salame, doce de abóbora, rapadura, caldo de cana e outras muitas coisas, tudo pra os peões aguentarem até meio dia. Miguel viu que todos já estavam comendo foi se servindo, pegou uma xícara de café e um prato com pão, salame e queijo, e se sentou ao lado de outros dois peões que já estavam terminando o café.
- Bom dia flor do dia- foi o que Zé Pedro falou, o cara era um moreno alto que estava na fazenda desde que ele chegou e o ajudou no começo, já eram grandes amigos, e costumavam sair pra beber juntos - E aquela caminhonete, vai me vender ou não?
- tchê, tu desencarna da minha pick-up, aquela ali eu não vendo nunca - a caminhonete era uma S-10 rodeio 2011 branca que ele tinha vindo dirigindo lá do Rio Grande do Sul, era uma caminhonete bem conservada que ele tinha comprado do pai dele quando decidiu vir pra Goiás, era muito difícil achar aquelas caminhonetes em tão bom estado
- Jaguari, não importa o dinheiro que aquele ali te oferecer, eu pago mais - agora quem tinha falado era o capataz da fazenda, ele chamava Miguel de Jaguari desde que ele chegou na fazenda, Jaguari era a cidade natal dele, e ele gostava quando o chamavam assim, pois se lembrava de sua infância e adolescência na terra dos gaúchos - aquela caminhonete tem mais história que essa fazenda inteira
- Eu já disse que eu não vendo, a caminhonete é minha e ponto.
Ao sair do galpão ele encontrou com Juca, ele era um cara alto e moreno que tinha chegado a pouco na fazenda, o magricela era metido a conquistador, e contava mais lorota que sogra em ceia de natal. Ele estava vestido com jeans novos, camisa xadrez, e botas que aparentavam ter saído ontem da caixa.
- O bonitão, que roupa é essa? Sabe que tu vai carregar semente pra mim, não ir em uma festa
- Eu sei meu, mas é que um cara como eu, tem sempre que andar bem vestido né - O desgraçado tinha um sotaque que era uma mistura de baiano com carioca, o que não combinava nada com o visual
- Tu que sabe, mas vai se arrepender quando ver o estado que essa camisa vai ficar até de tarde, pega o fordão e vamo encher a plantadeira do meu trator.
- Positivo capitão
- Se falar isso de novo vai lavar as rodas da minha pick-up com a língua
O recém chegado era bom de serviço, mas era folgado, por isso todos os peões mantinham ele na redia curta, como era novo ele tinha os serviços que ninguém queria, como lavar os implementos, abastecer os tratores no plantio e quase tudo que os peões pedissem pra ele.
O trator que Miguel trabalhava ficava guardado no barracão central, lá ficavam todos os maiores equipamentos, o barracão ficava nos fundos da fazenda ao lado da criação de porcos, por isso o aroma do local era uma mistura de óleo de motor, borracha queimada e esterco de porco.
- Esse lugar cheira a dinheiro - Murmurou isso consigo mesmo enquanto admirava a grandiosidade daquela construção, doze metros de altura, cinquenta metros de largura por cem metros de comprimento, era grandioso, feito todo em folhas de zinco, e portões com abertura automática. Miguel entrou pela pequena porta na lateral do galpão e logo acessou a coleção de monstros metálicos da fazenda, do lado direito do galpão, estacionados um ao lado do outro estavam os tratores, que mesmo grandes eram os menores do local, ao lado esquerdo estavam as colheitadeiras, todas New Holland de vários modelos e anos, no centro do galpão estavam os pulverizadores, quatro Stara Imperador de última geração, os tratores eram de marcas variadas, do Massey Ferguson ao CBT, ao todo eram sete tratores com cabine e quatro sem cabine. Miguel se direcionou até o trator que ele era responsável, um Valtra BH 210, não era o maior da fazenda, mas concerteza era um dos mais imponentes, Miguel cuidava dele tão bem, senão até melhor que sua caminhonete, tinha um carinho especial por aquele amigo mecânico. Aquele trator tomava quase mais banhos que ele, tinha revisões periódicas e até aromatizadores na cabine, enquanto todos os outros tratores começavam a mostrar o desgaste da idade, aquele valtra ainda tinha aspecto de novo, e olha que ele tinha chegado na fazenda em 2018, um ano antes de Miguel, mas mesmo assim ele ainda era seu primeiro operador, já que não tinham ninguém pra ele quando chegou, com exceção do alternador, bateria e filtro de óleo, todas as peças ainda eram originais, diferente do Case Puma que estava estacionado ao lado, que já estava no terceiro motor, e era apenas um ano mais velho que o valtra.
Miguel pulou dentro do trator, já batendo a chave e fazendo o motor roncar, o console daquele BH tinha tantas funções que um leigo qualquer não saberia nem dar engatar a marcha. Era incrível ver as portas se acionando automaticamente enquanto o trator se aproximava, em menos de 30 segundos as portas gigantes de metal já estavam completamente abertas e assim que o trator cruzou elas se fecharam rapidamente. Os outros implementos menores ficavam em um barracão um pouco mais modesto que era localizado a alguns metros dali, lá ficavam todos os implementos de arrasto como plantadeiras, reboques, bazucas, arados e mais um monte de outros um pouco menos usados. Após engatar a plantadeira no trator, uma vence-tudo de 15 linhas, ele se direcionou até uma sombra de palmeiras onde também estava Juca com o ford 7630 com gancho na frente e um reboque com bags de adubo e semente na traseira. Miguel já havia descido do trator e aberto as caixas da plantadeira, acompanhava atento a que o novato ia fazer, observou ele guiando o velho trator azul e colocando o bag de sementes por cima das caixas de adubo.
- AS CAIXA DE SEMENTE SÃO ATRÁS SEU CAVALO, SÓ PODE QUE BATEU AS GUAMPA QUANDO NASCEU - a roupa do garoto já estava cinza de fumaça, mal tinha começado a lida e ele já tava um trapo. Silenciosamente ele colocou o bag por cima das caixas certas e finalmente a plantadeira foi enchida, após isso uma verificação rápida para ver se estava tudo ok, um pulinho na casa pra pegar um pouco de água pro tereré. Na cozinha da casa, como sempre só estava tia Josefa, lavando a louça do café, a senhora de 56 anos já trabalhava na fazenda a tantos anos que ninguém se arriscava perguntar, ela tinha um sorriso simpático e pele morena do sol, dava pra se notar que na juventude foi uma mulher disputada por todos, hoje em dia uma mulher viúva, seus filhos foram pra capital estudar e viam visitar ela na fazenda as vezes, mas como ela dizia, seus filhos eram todos que ela cuidava, inclusive os peões da fazenda.
- Tia, me consegue uma água pra mim tomar uns tereré na lida? - a senhora se virou com cara de quando vê o filho fazendo arte
- Meu fi, eu já disse pra tu parar de tomar essas porcaria de tereré, e essas porcaria de cachaça, vai terminar com tuas buxada, isso termina com o fígado e os Rin
- Todo mundo morre um dia, mais cedo ou mais tarde eu vou pra cova tamb... AIAIAI TIA - a véia tinha atirado uma colher de pau bem atrás da nuca de Miguel, chegou a fazer um barulho oco quando atingiu seu alvo.
- Tu cala a boca o fi duma égua, vai morrer sozinho agora, um moço bonito desses, trabaiador, vai jogar tudo fora com pinga e rapariga.
- Não tem muié hoje em dia que queira casar com um peão de fazenda, tudo essas desgraçadas querem ir pra cidade sofrer, eu não quero isso, quero ficar no meu interior e não tem muié nenhuma que me leve pra cidade.
- Eu vo te finca uma panela nas guampa, até a fia do patrão ta de zóio torto pra cima de tu, um muierão daqueles tu vai dechar escapar.
- Eu fora de me enrolar com aquela, o seu Pedro já fez tanto por mim, eu que não vou me meter com a filha dele, me arruma uma água tia que já to atrasado.

7:00
O sol já estava clareando todos os campos quando Miguel chegou a lavoura que ele ia semear, ligou a semeadeira e a baixou no solo vermelho e seco, as sementes de soja iriam precisar de uma chuva pra poderem germinarem e alcançar a luz, as chuvas eram algo que preocupavam a todos na fazenda, pois sem água nada crescia, e já passava um mês que a bendita não dava as caras por aqueles lados, nem uma nuvenzinha no céu. Aquela manhã ia ser tranquila, era um campo plano e sem muitos obstáculos, era só ativar o GPs e aproveitar a vista, e também assumir o comando quando fosse necessário, havia até sinal de 4G ali, sacou o celular do bolso e aproveitou o dia de trabalho.
-Bendita tecnologia hahaha- murmurou isso consigo mesmo pensando em como amava aquela vida.

Bah! PeãoOnde histórias criam vida. Descubra agora