Capítulo VII

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Ao final daquele fim de semana Celio voltou para a sua casa, mas retornava quase todos os dias, por insistência de Alessia ele acabava ficando alguns dias lá, outras vezes passava a semana inteira na casa dela, assim aos poucos, à pedido de Alessia, ele fazia sua mudança para o templo, à medida que os meses passaram ela se tornou cada vez mais apegada à ele, então ele aos poucos trazia de sua casa coisas que seriam uteis, como suas roupas, eletrônicos, eletrodomésticos remédios e afins. Ela por sua vez encarava com muito otimismo a remodelagem de seu templo, modernizando o que foi sua casa por séculos.

Ele continuava trabalhando no mesmo lugar, Alessia insistia que ele largasse o emprego, mesmo que ele ajudasse ela na sua plantação e com os animais sempre que possível ele não queria deixar tudo nas mãos dela, ele tinha a herança que seus pais deixaram, seu emprego e sua casa. Só. Por isso não queria ser completamente dependente, ele acreditava que ambos deveriam ter uma independência um do outro mesmo que vivessem sob o mesmo teto.

Alessia via sua vida mudar da agua para o vinho em pouco mais de dois anos, tudo aquilo aconteceu tão rápido que ela ainda não se dava conta de que pela primeira vez em quase três milênios podia ser plenamente feliz, podia ser ela mesma com alguém que a aceitava incondicionalmente e que mesmo que discordasse ainda a apoiaria, isso despertou nela um sentimento de paranoia, a todo momento ela lembrava do passado, lembrava de todos que haviam traído ela, todos que haviam machucado ela, ela pensava nisso enquanto Celio trabalhava, era como se sentisse que algo estava para acontecer, algo dentro dela falava para ela se preparar, essa sensação começava pela manhã quando Celio saía e terminava no fim da tarde, quando ele retornava, isso fez com que ela se apegasse cada vez mais a ele e o enxergasse cada vez mais como uma figura protetora, essa sensação durou por alguns meses, uma paranoia horrível, até que um dia Celio chegou mais tarde em casa com um corte na sobrancelha e o nariz sangrando.

- Celio, o que aconteceu com você? – pergunta ela ao vê-lo chegar, mesmo sangrando ele não deixa seu riso alegre de lado.

- Nada demais, eu só saí no braço com o Raul, ele finalmente alcançou meu limite de paciência – diz ele rindo desconfortável – ele falou algo que eu não gostei, eu repliquei e ele me atacou, me acertou dois socos e eu quebrei o braço e o nariz dele, desloquei o ombro do desgraçado... – ele ri baixo – talvez eu tenha chutado ele no chão até as pessoas me afastarem, mas isso vai depender da versão que você ouvir.

- Você já saiu da escola né? Já é bem crescidinho e não precisa provar nada pra ninguém... – diz ela preocupada pegando gelo.

- Bom, agora eu não preciso mais provar nada pra ninguém, aquela empresa era meu último laço como o resto do mundo, meus pais morreram, minha família não tem ideia de por onde eu ando, Alessia – ele olha para ela sorrindo com um dos olhos mais baixo que o outro – agora eu tenho apenas você... – ele desvia o olhar tentando ser engraçado – e algumas centenas de milhares de reais. Parece que as circunstancias me colocaram numa posição favorável ao teu desejo de que eu morasse aqui – ele ri com leveza enquanto ela pressiona uma compressa de gelo sobre sua testa – então a partir de amanhã nós vamos dividir as tarefas aqui no templo.

Alessia não consegue resistir ao seu largo e alegre sorriso e o abraça com força e beija seu rosto e sua testa repetidas vezes e finalmente beija seus lábios ignorando o leve gosto metálico do sangue seco em seus lábios.

- Você tem certeza? – diz ela tentando manter a compostura e o fazendo rir.

- Eu não queria ser completamente dependente de ti, mas eu admito que eu não estava a fim de trazer desaforo para casa, porque eu sabia que mesmo que tudo desse errado lá fora, eu ainda ia ser acolhido aqui e quando eu ataquei o Raul, eu percebi que em uma situação normal eu não faria isso – ele segura mão dela com as duas mãos – eu fiz isso porque eu queria justificar a minha decisão, no fundo eu não queria que acontecesse do nada, eu queria dar um significado à essa decisão, então na primeira oportunidade eu fiz o que fiz.

O Cego e a SerpenteOnde histórias criam vida. Descubra agora