"é um contentamento descontente" (Camões)

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Ao decorrer da semana, descobri que todos tinham inveja de mim por eu ser perfeita e eles serem apenas eles, ao passo que Paola se distanciava de minha perfeição por pura dor de cotovelo. Acordei antes do sol para me maquiar e fazer uma trança embutida. Dispensei o café-da-manhã para não inchar feito um baiacu e usei este tempo para retocar a maquiagem (sei que não há ninguém mais bela do que eu, mas sempre há algo para passar um corretivo). Minha mãe, Dalila, impaciente, buzinou até eu chegar no carro.

Passávamos por fileiras de palmeiras recebendo majestosamente a luz solar quando Dalila se encarou no retrovisor, de novo.

– Nossa, olhe essas rugas. Parece que tenho 55 anos!

– Você tem 55 anos!

– É, mas os outros não precisam saber! – Detalhe: foi ela quem deu a ideia de eu fazer terapia. Às vezes, antes de cuidarmos dos outros, precisamos cuidar de nós. – Preciso fazer uma plástica.

– Você precisa fazer terapia. – Dalila me olhou feio. Detalhe: ela era adepta da filosofia façam o que falo, não façam o que faço.

Na sala, antes da professora chegar, Paola chegou. Com toda sua inveja, nem me olhou e já foi até sua carteira. Começou a colocar os materiais em cima da mesa, depois parou, levantou e foi até mim. Ficou parada, me fuzilando com seu olhar no silêncio, como a sombra de um fantasma.

– Você já se olhou no espelho estes dias? – finalmente disse algo.

– Sim. Estou maravilhosa, né? – Pisquei.

– E quando você admirava sua beleza, você viu no que se tornou? – Continuou lá, dura, em pé.

– Uma pessoa muito apaixonada por si mesma. – Sorri. – Não se preocupe, não é como o oitavo ano. Eu me amava muito pouco e sem nenhum admirador. Agora concordo com o resto da turma, era ridículo aquilo.

– Você não está apaixonada por si mesma, está obcecada por si mesma – falou em um tom alto o suficiente para olhos fuxiqueiros se voltarem para nós. – Pense nisso, Bia. – E voltou para sua mesa.

Passei as primeiras aulas copiando matéria e resolvendo exercícios, me desviando das azucrinações de Davi e espiando Augusto por de cima dos cadernos pensando como iria encará-lo. O sinal do intervalo tocou e todos se levantaram. Ele cruzou a porta e eu o segui. Então, Augusto entrou no escritório da tesouraria e lá ficou.

– Procurando encrenca, Beatriz? – disse a secretária, franzindo as sobrancelhas arqueadas demais. Ela ainda se lembra do problema (como chamamos) que aconteceu no oitavo ano.

De volta para sala, um papelzinho dobrado me aguardava ansiosamente sobre minha mesa. Corri até lá, o desdobrei e o coloquei sobre meus joelhos para ler suas palavras digitadas sem a especulação alheia.

Nele, estava escrito:

Querida Bia,

Fiquei pensando durante meses como falar isso que eu vou dizer para você. Prometo que não vai demorar muito tempo. Eu sonhei com você todas as noites de verão, outono, inverno e primavera. Eu gosto muito de você, porque você é linda.

Com amor,

Seu Admirador Secreto.

P.S.: Te amo.

Então, era uma nova carta da "pessoa que mais me ama", porém, desta vez, com o pseudônimo de "seu admirador secreto", por quê? Talvez Augusto estivesse brincando comigo, talvez isso significava algo, talvez ele quisesse que eu o procurasse o mais rápido o possível.

Na saída, tentei falar com ele, mas, logo veio meu pai para me levar na terapia. Lá, resolvi vomitar todos meus sentimentos em cima de Lívia, porque, não importava o que ela dissesse, eu não ia mudar de opinião.

– Então, você perdeu tempo na aula bisbilhotando este tal de Augusto; tempo que deveria ser usado para estudar; tempo que ajudaria você a ter um bom futuro. E depois, você o seguiu e ficou o intervalo inteiro plantada na secretaria esperando ele sair da tesouraria, me diga – Lívia se inclinou para frente –, querida, o que isso contribuiu de bom na sua vida?

– Ah...

– Nada, querida. Teve zero contribuições positivas.

– Mas, agora tenho uma boa autoestima! – Sorri.

– Então, você precisa que alguém se interesse por você para ter uma boa autoestima?

Desviei os olhos.

– Você não é minha mãe para me dar sermão.

– Foi ela quem me pagou para eu lhe dar sermão.

– Ela é hipócrita. Vive dizendo para eu gostar de mim do jeito que sou, mas nunca está satisfeita com sua pessoa.

– Eu sei. Hoje ela agendou uma hora comigo, mais tarde.

Fiquei sem palavras e sem expressão. Então, ela... vai fazer terapia? Ela que nunca cede e que é mais impaciente que o relógio vai fazer terapia. Talvez eu tenha olhado tudo isso de um ângulo errado.

Lívia suspirou e uniu as mãos.

– Querida, você é inteligente e nunca perde o senso de humor, mesmo nos momentos mais tristes; na vida, sempre terá pessoas que gostam e não gostam de você. Na minha vida também tem, na vida de todo mundo tem, por isso que não devemos viver em função de terceiros e depender tudo o que sentimos e fazemos nas mãos deles. Pessoas desagradáveis têm o incrível poder de se teletransportar para tudo o que é lado. Entendeu, querida? 

À Busca da Pessoa Que Mais Me AmaOnde histórias criam vida. Descubra agora