"é dor que desatina sem doer" (Camões)

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Durante o intervalo, tomei coragem e fui falar com o Augusto na biblioteca. No outro lado da estante, retirei cinco livros e acabei emoldurando meu rosto por clássicos.

– Precisamos conversar – disse com a voz firme.

Ele pulou para trás.

– Ah, oi, Bia – falou confuso.

Desta vez, todos meus sentimentos estavam concretos. Não, eu não amava ele. Apenas tive uma inocente quedinha por Augusto quando criança e aquela carta bagunçou meus pensamentos.

– Augusto, você colocou alguma carta na minha mesa esses dias?

– Sim – falou sem qualquer expressão ou tom.

– Então, você é meu admirador secreto.

– Não, é o Davi. Ele me pediu para colocar uma carta em cima da sua carteira porque estava com vergonha e eu o ajudei. – Sorriu com um ar altruísta como se tivesse ganho o Prêmio Nobel da Paz.

A raiva corou meu rosto inteiro mais rápido que o fogo.

– Então, ele não tem vergonha de escrever falsas cartas de amor e brincar com os sentimentos alheios, mas tem vergonha de colocar elas na minha mesa!? E você ainda está aí, sentindo orgulho de ter ajudado! Nunca pensei que você fosse assim.

– Não, não é nada disso. Ele gosta de você, de verdade.

Revirei meus olhos desdenhosos.

– Ok, então para quem você estava olhando quando leu o poema de Camões na aula de literatura? Porque você estava suspirando de amores quando leu, isso tenho certeza.

Ele sorriu timidamente.

– Para uma mesa adiante da sua e...

– Espera! – interrompi pasma. – Você gosta da Luana??? Da Luana da nossa sala??? – (Da "Luluzinha"?)

– Sim. Sabe, ela tem seus defeitos, mas tem muitas qualidades. – (Quais?) – Ela é sempre sincera – (sim, ela realmente foi muito sincera quando disse que meu rosto podia substituir a Cordilheira dos Andes, mas continue, Augusto) – eu ouvi a conversa de vocês aquele dia no banheiro, lembra que ela disse que alguém poderia estar realmente interessado em você? – (E ela ainda completou que tem muita gente com mal gosto nesse mundo). – Ela foi sincera.

– Quer saber – comecei a falar, sabendo que não eram palavras muito fáceis a serem ditas –, fale com ela. Não podemos ficar pensando como as pessoas vão reagir cada vez que fazemos algo.

– Vou falar e você deveria falar com o Davi.

Foi o que fiz. À tarde, marquei encontro com o inevitável, vulgo conversa com o Davi. Lá estava ele, sentado no banco na sombra de uma araucária.

– Oi.

– Oi! Sobre o que você quer conversar?

– Davi – respirei fundo –, foi você quem escreveu cartas para mim estes dias?

Ele abaixou a cabeça, escondendo as bochechas coradas.

– Foi – falou bem baixinho, no tom mínimo do escutável. Naquele momento, percebi que ele não era tão sarna assim, era só uma pessoa como eu e o resto da humanidade. – Mas, eu só escrevi uma! Você recebeu outra?

Lembrei que Augusto confessou colocar uma carta sobre a mesa, mas não colocar uma outra na mochila. Davi era "meu admirador secreto", mas não a "pessoa que mais me ama".

– Não, me confundi. – Ele não precisava saber sobre a outra carta, ficaria só mais confuso.

– Davi– segurei suas mãos suadas –, aquelas palavras são lindas e ajudaram a me reencontrar, então acho que eu tenho que dizer: obrigada. Mas, não sinto o mesmo por você. – Ele encolheu suas mãos. – Você é uma boa pessoa e eu gosto muito de você... – (agora) – só que não romanticamente. Se ficássemos juntos, nós não seríamos felizes. E você merece alguém que sente o mesmo por você.

– Ok. – E foi embora sem olhar para trás.

Aos poucos, fui conquistando novamente a confiança e amizade com Paola. Durante um churrasco de família, colava os pedacinhos da carta da "pessoa que mais me ama" enquanto pensava quem era seu autor.

– Filha, põe a mesa – minha mãe mandou.

Deixei a carta no canto do móvel e quando passei por ele para pegar os talheres, o papel voou e pousou no chão. Corri para pegá-lo, mas minha mãe foi mais rápida.

Ela leu e riu.

– Eu lembro desta carta – falou. – Você lembra dela?

– Não.

Deu outra gargalhada cheia de boas lembranças.

– Você escreveu ela no oitavo ano. Era para um trabalho na escola. Tinha que escrever uma carta para uma pessoa que amava e você escreveu para si mesma. Lembro que, quando teve que ler na frente da turma, todos riram e a professora teve que dar uma bronca neles. E agora você recebeu a correspondência – riu.

O caderninho. No dia que a "recebi", derramei café no caderno de português e tive que pegar um que usava no oitavo ano.

Então, eu sou a pessoa que mais me ama. 

aesthetic por @Annaliv_

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