Capítulo Um

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12 de abril, 1845.

A gente morou e cresceu na mesma rua
Como se fosse o sol e a lua
Dividindo o mesmo céu


A chuva martelava o telhado que Kim encarava fielmente desde que sua mãe lhe mandara para o quarto. Era a terceira noite seguida que isso acontecia: Kim perguntava onde estava seu pai, sua mãe a ignorava, fazendo-a insistir no assunto até que era mandada para o quarto. Mas naquela noite era diferente, pois Kim começara a desconfiar que seu pai não voltaria. Desconfiou, no lado mais profundo de seu coração, que ele havia quebrado sua promessa.

Ela ignorou o telhado, finalmente, e se arrastou para a janela onde dava para ver as luzes do caminhão de mudanças se apagarem. Kim franziu o cenho com curiosidade, colou o rosto contra a janela, fazendo com que a mesma se embaçasse, e ficou encarando o automóvel até que um carro preto parou em seu encalço. Desse último, saira um homem mediano de poucos cabelos, pelo que Kim podia ver, e uma mulher de semblante entediado... ou seria enojado? Daquela distância, Kim não poderia dizer.

E tampouco dera importância, porque naquele momento uma garota soltou do carro — de uma forma pouco feminina aos olhos da mãe —, e então a atenção de Kim focou-se ligeiramente e inteiramente a ela. Ela, que saiu para a chuva sem ao menos se importar com os gritos agudos de sua mãe; ela, que livrou seus cabelos ondulados das presilhas irritantes que tanto odiava, e agora os fios castanhos passavam-se a grudar em seu rosto angelical e resplandecente, que a água percorria quando os longos cílios repousava contra sua bochecha. Ela, que abraça aquela tempestade com um sorriso simples, como se só houvesse ela, e somente ela, naquele mundo capaz de dar valor à chuva.

Kim cedeu uma distância da vidraça, e sentira seus pulmões arderem com a força que o ar libertou-se. Por quanto tempo prendera a respiração? Há quanto tempo estava encarando-os dali de sua janela? E, o mais importante, quem era ela?

Uma ideia lhe passou: e se fosse até lá? Certamente não tinha idade o suficiente para sair sozinha, mesmo que para o outro lado da rua, e estava de castigo pelo resto da noite, precisou lembra-se. Ninguém a ajudaria... ninguém além de seu pai, todavia ele não estava lá para lhe dar permissão ou até mesmo acompanhá-la.

Se pôs novamente junto a vidraça, com a esperança de vê-la novamente, porém tudo que encontrou em seu lugar fora os automóveis desligados. As luzes da casa estavam ligadas, e sombras passavam vez ou outra pelas janelas. Era fácil distingui-las: o pai era mediano e usava roupas mais largas, a mulher era mais magra, alta, e esguia. E por alguns segundos, um riso escapou de Kim enquanto sua imaginação fértil rondavam aquelas sombras.

Suspirou e voltou para sua cama, desistindo de explorar os novos vizinhos. A chuva estava cessando mas o frio permaneceu por toda a noite. Em determinado momento, passos pesados vieram do andar de baixo. Kim sentou-se na cama, assustada, visto que havia pegado no sono. E deve poucos segundos para se recuperar, ou tampouco processar que os passos pesados eram de seu irmão correndo até seu quarto.

— Kiki, acorde! Acorde! — ordenou Ed enquanto dava tapas incessantes na madeira escura, mesmo que suas pequenas mãos doessem mais tarde, valeria a pena.

— Ei, não precisas gritar! Aqui estou. — fez a gentileza de dizer, caso o irmão não percebesse. — Diga, qual a emergência para tal inquietação?

— Não viu pela sua janela? Temos novos vizinhos, os Hill!

“Hill”, repetiu Kim em sua mente “então é esse o sobrenome dela!”. Mas ainda não estava se sentindo satisfeita com tão pouca informação. Todavia, antes que pudesse arrancar mais de seu irmão gêmeo, ele fora logo contando:

Convite de casamento (romance lésbico✓)Onde histórias criam vida. Descubra agora