prólogo

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SEIS MESES ANTES

ARIEL


Chovia torrencialmente numa manhã de verão.

Era assim que o apresentador da estação de rádio tinha descrito aquele que eu me lembraria para sempre como o pior da minha vida. Nem sei porque meu pai havia ligado o aparelho, talvez pelo costume, talvez para que preenchesse o ambiente com outro barulho além do motor e das rodas do carro raspando no asfalto.

Tinha ficado marcado o cheiro intenso dos crisântemos, gérberas e lírios — esse último sendo a flor favorita dela — que cobriam o caixão que eu tinha feito questão de ajudar a carregar junto de meu pai e meus dois irmãos mais velhos.

Os pingos grossos de chuva tinham molhado todo o meu All Star preto e ensopado a minha meia, mas não era o contato com a água o responsável por deixar o meu corpo gelado. Não, aquele frio que me arrebatava aos pouquinhos era interno, tinha surgido como um sopro e me carregado feito um vendaval e nem mesmo o abafamento que a chuva levantava ao tocar o chão e a terra fervente era capaz de me aquecer.

Eu não estava morta, mas me sentia como se estivesse.

Minha mãe vinha me preparando para aquele momento. Por anos a fio, ela usou as despedidas naturais da vida para exemplificar aquela que, ela sabia, seria a que doeria mais: sua própria partida. A perda de sua batalha contra o câncer que a deixou ter esperanças mais vezes do que era humanamente possível e, por fim, a corroeu por dentro.

Não era mais a criança de nove anos que chegou a acreditar que os anjinhos receberiam o avô na porta do céu, nem a adolescente de quatorze anos que precisou encarar não uma, nem duas, mas quatro mudanças de escola ao longo de três anos e precisou perder amizades para depois conhecer novamente e novamente, num ciclo vicioso todas as vezes, muito menos a que sofreu a primeira decepção amorosa. Aos vinte e dois anos, mesmo com a minha bolha de privilégio quase intacta, sabia que a vida não era um conto de fadas e era esperado que os anos como universitária tivessem feito a minha casca mais grossa.

Por fora, talvez toda aquela teoria fosse real.

Por dentro, havia apenas um buraco sem fundo e eu não fazia ideia de como sairia dele para cumprir a promessa que eu tinha feito a ela. Laura Roosevelt, minha mãe, que carregava um sobrenome tão imponente e incomum no Brasil como herança da parte holandesa de sua família, aquela que tinha construído um império hoteleiro, começado de baixo. Uma pousada de bairro, classe média, mas com diferenciais em atendimento, serviços e hospedagem que a tornaram conhecida. Não demorou muito, depois de ganhar nome, a conseguir quem investisse na sua ideia. Um hotel de luxo, do mais alto padrão localizado bem no meio de São Paulo, sem praias paradisíacas, sem natureza ao redor. Comandou com braços de ferro as duas filiais até a sua morte, mas não partiu sem antes me fazer prometer que tomaria o que era meu. Que compartilharia.

Não sei se compreendi, naquele momento tão delicado, o que ela queria dizer. Era para trabalhar na empresa da família que eu tinha feito faculdade de Administração, afinal, não era? E escolhido Economia como pós? Não me permiti refletir muito sobre aquilo, nem quando ela estava em seu leito de morte e nem tampouco agora, depois de vê-la sendo sepultada, mas me questionava sobre a falta de instruções.

O que quer que eu faça, mamãe?

—Deixa eu te levar pra casa, Ari — Heitor, meu irmão mais velho, chamou. Pela segunda vez. Mas já era a quarta que ouvia uma nova variação daquela mesma frase, sendo as anteriores pronunciadas pelo meu pai e Lucas, meu impaciente irmão do meio.

Uma Virgem e a Aposta IrresistívelOnde histórias criam vida. Descubra agora