Fernanda
Existem alguns momentos tradicionalmente especiais na vida de uma pessoa. Momentos especiais, em que queremos as pessoas que mais amamos por perto, para comemorar conosco as nossas vitórias. A formatura em uma faculdade, claro, fazia parte deste grupo.
Porém, por mais que sorrissem, me abraçassem e dissessem que estavam orgulhosos de mim, eu sabia que, no fundo, meus pais ainda não aceitavam muito bem o fato de eu não ter seguido os passos deles na área jurídica. Eu era filha e neta de advogados, e a decisão de trilhar um outro rumo profissional não tinha sido bem-vista no início.
Meus sonhos sempre foram muito diferentes. Desde pequena que sonhava em ser jornalista e escritora, e, mesmo com a resistência da minha família, consegui correr atrás deste sonho.
Meus tios e primos não tinham ido à minha formatura, nenhum deles. Julgavam como algo sem muita importância. Havia apenas três convidados meus: minha mãe, meu pai e Ricardo, meu melhor amigo desde o Ensino Fundamental. Ele era filho de amigos dos meus pais e, ao contrário de mim, seguira pelo caminho do Direito e tinha acabado de se formar. A colação de grau dele seria dali a duas semanas e eu, claro, pretendia estar lá também, apoiando-o.
Depois da cerimônia, saímos juntos, os quatro, para jantar, mas meus pais ficaram por pouco tempo, logo alegando que estavam cansados e que teriam uma reunião importante na manhã seguinte. Repetiram o quanto estavam orgulhosos de mim, garantiram a Ricardo que estariam na formatura dele (afinal, ele era o "sobrinho" que dava orgulho. Já há anos trabalhava no escritório dos meus pais, como estagiário), se despediram e foram embora, deixando-nos sozinhos. Respirei profundamente, sentindo um súbito alívio na pressão ao meu redor.
— Meus pais dariam ótimos atores... — comentei.
Ricardo riu, mas tentou minimizar a situação.
— Não é para tanto, Nanda. Eles estão mesmo orgulhosos de você.
— Meu pai repetiu cinco vezes que, caso eu não consiga emprego, poderei voltar a morar com eles.
— Ele está apenas sendo realista, emprego não é algo fácil em nosso país, em nenhuma área.
— Se eu tivesse me formado em Direito, já teria um escritório pronto e muito bem estruturado para seguir uma bela e promissora carreira sem riscos.
— O que é uma vida sem riscos, não é? Especialmente para alguém que pretende fazer coberturas de tiroteios em áreas de conflito, entrar em investigações de grandes esquemas de corrupção e gravar documentários sobre a vida em países em guerra... Ou, o que é ainda mais arriscado que tudo isso junto: ser escritora no Brasil.
Dei um tapa no braço dele, fazendo-me de irritada pelo tom de provocação do comentário.
— Pô, Nanda! Eu disse algo que não seja verdade?
— Você faz tudo parecer pior do que realmente é
— Estaria mais segura no escritório dos seus pais, isso é um fato. Mas não estaria mais feliz. Então... um brinde à sua futura nova vida.
Ele ergueu a taça e eu repeti o gesto.
— Um brinde às nossas futuras novas vidas.
O músico que cantava e tocava ao vivo naquela noite iniciou uma canção do Aerosmith e tive a sensação de que isso, no instante exato do nosso brinde, era um bom sinal. Era a nossa banda preferida, minha e do Cado, desde a nossa adolescência.
Por mais que eu amasse a companhia dos meus pais, naquele momento me senti feliz por estar comemorando apenas com Cado. Porque havia muitos sentimentos misturados dentro de mim: a felicidade, a sensação de missão cumprida, a ansiedade pelo que o futuro me esperava... e o medo de falhar, de tudo dar errado. E com o meu amigo eu simplesmente podia conversar abertamente sobre tudo isso. Com naturalidade. Sentindo-me completamente compreendida. Sabia que ele na certa teria planos mais divertidos para a noite. A maior prova disso foi quando rolou uns olhares altamente interessados entre ele e uma garota de outra mesa. Até insisti para que ele fosse falar com ela, mas ele garantiu que não trocaria por nada aquela noite de conversas com sua melhor amiga.
A gente era assim. Sempre tínhamos sido assim. E eu esperava que nada na vida fosse capaz de mudar isso.
Já passava das três da manhã quando decidimos ir embora. Morávamos em bairros vizinhos e por isso sempre rachávamos o táxi quando saíamos juntos para beber, e era o que pretendíamos fazer naquela noite. Enquanto Ricardo chamava um carro pelo app do celular, saí pela calçada do restaurante caminhando à frente dele enquanto abria um chiclete e seguia até uma caçamba de lixo para jogar fora o papel. Este deveria ser um processo rápido, mas detive-me ao perceber que, mal iluminado pela iluminação que vinha do poste, algo se mexia ali dentro. Poderia ser um rato ou qualquer outro animal, ou mesmo apenas uma sacola de lixo se movendo com o vento, mas, ainda assim, isso chamou a minha atenção e me fez, movida pela curiosidade, curvar o meu corpo para frente, aproximando-me um pouco mais. Mesmo com o barulho da música alta que vinha de um barzinho de esquina, eu pude ouvir, baixinho, um som peculiar. Meu corpo inteiro gelou e foi como se meu coração tivesse parado de bater por um segundo, voltando em seguida com força total. Eu não conseguia acreditar no que estava diante de mim.
Gritei por Ricardo e ele se aproximou correndo, também assombrado com o que acabávamos de encontrar. Em vez de chamar o táxi, ele ligou para a polícia. E eu, aflita, debrucei-me sobre a lixeira para recolher em meus braços o pequeno e indefeso bebê que fora abandonado ali dentro.
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Boa noite, amores! Bem vindas a mais uma história que eu espero que vocês amem! <3
Para iniciar com tudo, hoje teremos postagem dupla e vou postar também o capítulo um!
Bora lá! o/
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Mais que Amigos [DEGUSTAÇÃO]
Roman d'amourMelhores amigos de infância Um casamento arranjado Uma garotinha encantadora Ser mãe não era algo que estivesse nos meus planos. Assim como nunca planejei, na noite da minha formatura, encontrar um bebê recém-nascido abandonado em uma lixeira. Estav...