Escola

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Uma viagem longa e barulhenta. Mesmo com a bela paisagem que constantemente muda, mesmo com a música que tudo bloqueia. Um sentimento vazio e profundo na alma se aloja. Não dá para decifrar a sua origem, nem para compreender sua força. Como um limbo faminto por almas perdidas, sua força do lado mais oculto e inexplorado dos vales obscuros tem origem.

De paragem em paragem o autocarro segue, parando aqui, ignorando ali, sempre em frente seguindo. A cada paragem mais pessoas entram, quanto mais pessoas mais olhares, que o clima quebra entre si num interesse comum ilógico de perturbar os mais sossegados. Maioritariamente jovens entram, uma ou outra pessoa adulta daquele autocarro se aproveita, mas maioritariamente estudantes em seu pico de hormonas desregulamente retrógradas ali fazem de seu território, desrespeitando desde amigos e colegas, até desconhecidos e o próprio condutor. Não deve ser fácil aturar tamanha falta de respeito. Uns ignoram, outros fingem que não vêem, poucos tentam opinar ou fazer algo mudar. Mesmo com os espontâneos gritos que o próprio motorista solta na esperança destes selvagens seres controlar, a paz somente dura curtos momentos antes de tudo voltar ao que era antes.

Numa das paragens que se segue uma familiar senhora de idade dá sua entrada, ela sempre apanhava o autocarro na mesma hora que os estudantes. Amável, um poço de ternura e carinho. Vivia sozinha, mas frequentemente visitada pela sua família que longe dali morava. Minimamente respeitada pelos delinquentes que por bom senso de uns poucos deixam a senhora passar e no sei habitual lugar se sentar. Bem ao nosso lado como de costume. O seu sorriso é sempre tão acolhedor que é até mesmo capaz de quebrar e isolar qualquer um daquele mau habitante de falsos rebeldes. Como um anjo da guarda que do inferno nos protege, de amor nos enche e de felicidade nosso abismo solitário cela. As perguntas mais simples e as conversas mais básicas podem até mesmo iluminar o mais sombrio abismo de medos. De nada dela sabemos e de nada ela de nós sabe, mas mesmo assim mantemos uma relação tão próxima e intima mais forte que família ou amigos próximos. Um momento de forte conforto e paz tem um fim trágico e negro, que aos poucos anuncia sua chegada.

As flores da beira vão desaparecendo, o verde em cinzento se transforma. O belo da natureza no horrendo da civilização se torna. Um papel do fundo do autocarro contra nós voa. "Meu amor". Antes mesmo de o papel abrir, e sua mensagem ler, as fortes risadas começam, as dolorosas piadas se intensificam. Uma piada de mau gosto crescente de todo o autocarro toma conta. A viagem que parecia algum brilho ao nosso dia dar, conseguiu ser apagada no meio do fundo poço sem fim que caímos. Todos os estudantes saem primeiro, uns com olhar de culpa, outros com olhar de pena, outros apenas rindo e piorando o que não mais pode ser piorado. Por último nos levantamos. É notável o alívio na cara do motorista que gentilmente agradecemos com um gesto de perdão e agradecimento. Ele de volta nos agradece, bondade e humildade é raro na adolescência, muito menos dentre delinquentes. A amável senhora que sempre nos acompanha segue adiante em sua viagem. De nós se despede num toque de ternura pura, intensificada pelo seu doce aroma de amor. O autocarro parte, assim como nossa felicidade. Sem um anjo da guarda, sem compreensão de uma única alma, sozinhos e abandonados neste mundo selvagem teremos de seguir.

No meio de famintos olhares por fama e atenção, tentamos ser discreto, entre as gotas da chuva passar, sem muita atenção chamar. Doloroso tanto quanto facas que nosso coração tenta perfurar, mesmo num mundo mudo isolado pela beleza lírica de nossa música, os lábios não se calam, os comentários fortemente persistem. Por que nós? Tanta gente no mundo, e logo nós? Nunca um segundo de paz, nunca um minuto de verdadeiro silêncio. Do portão ao pátio, do pátio à sala. A mesma rota de toda a vida, quanto mais cedo, menos gente, menos confusão, alguma paz? Algum incerto mas sempre certo de nunca de verdade acontecer mesmo que no mais profundo quieto canto da escola. Pela aula esperamos as pessoas vemos passar. Será possível tal estado neutro alcançar? Algum amor-próprio conquistar? Questões pelo mundo se libertam e ali se espalhar, somente visíveis a nossos olhos. Uma maneira de distrair da realidade mas com graves consequências de demasiado em tudo pensar. Em menos de nada, o local anteriormente abandonado, agora cheio se encontra.

Para a aula entramos, cada um em seu lugar, desde o primeiro dia escolhidos. Uns nos que desejam, outros nem tanto. Outros somente não ligam. Na aula para brincar ou na aula para estudar. Os dois extremos sempre foram muito visíveis em todo o tipo de ambiente, sala de aula não era diferente. Mais papéis pelo ar voando, aos poucos os recolhendo mas lendo sempre evitando. De nada adianta quando o conteúdo destes sempre evidente se revela. Assim as aulas passam. Os recreios pouco mais ou menos assim voam. Não é possível entender a aula, junto com a vontade de tudo ignorar, misturado num copo de obrigações, num ciclo de dissociação se entra. Num clico de vício sem escapatória, por vezes faz o tempo rápido voar, outras o tempo em seu limite abranda. Os pensamentos alto gritam, pelas paredes eles escalam, lentamente as lágrimas escorrem. Discretamente da atenção dos professores tudo passa, mas dos alunos nada escapa. Cada detalhe e movimento em falso, aguardando o momento em que um passo em falso será finalmente dado. Por vezes este acontece por vezes não, mas o mais certo é sempre acabar por acontecer.

Almoço e recreio de nada nos adianta. Nenhuma refeição nos serve, tudo se desperdiça e fora acaba indo. Qualquer comida que muito consiga no estômago ficar, mais tarde ou mais cedo a ansiedade a fará sair. Em busca do padrão idealizado, a obsessão inconsciente de finalmente ser aceite. De ansiedade mais nos enche, nos fazendo pelo óbvio guardar e por desse capítulo do dia não podermos pular. Comer de nada adianta, beber de anda se quer. Numa rápida caminha de desespero perdida no meio de tamanha selva, à casa de banho finalmente chegamos, no espelho nos olhamos. Um humano? Um monstro? Puro desespero? Pura dor? Lágrimas não se seguram, como rios novamente escorrem. As passadas que aos poucos se aproximam na cabine nos fazem esconder fingindo estar ocupada. Vozes, fofocas, vandalismo. As mesmas atrocidades de sempre.

Em um pequeno pedaço da guerreira régua que desde a primária connosco anda, agora um significado alcança. Um breve alívio da nossa dor, um momento onde podemos nos abrir e de tudo um pouco aceitar. O remédio que nos acalma. O mal que nos mata. Como pétalas de rosa, na água da sanita, seu reflexo deixam, uma cor diferenciada e única que a cada gota mais se intensifica. Momentos internos que ao longo do dia incontrolavelmente se repetem. Ações que sempre terão suas repetições. Erros que nunca serão remediados. O sangue pelos brações escorre, de pouco em pouco parando. Feridas reabertas facilmente, mas dificilmente novamente fechadas serão. Aquilo que vivo nos faz sentir vida de nós tira. Mas o que de nós há-de tirar, se anda em nós mais resta para avante nos guiar? O tempo voou e nova aula já começou. O ciclo se repete. Vezes sem conta, dias sem fim. Assim dias de semana de vive.

Dor sem fim, ansiedade sem perdão. Sem noção vagamos,mas às quatro e meia da tarde de regresso estaremos uma vez mais.

O último diaOnde histórias criam vida. Descubra agora