Regresso

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Aúltima badalada tocou. O fim de um pesadelo, e o recomeço de um anterior. Quantas vezes já tal se repetiu? Por quanto tempo assim permanecia? Honestamente, é difícil ter alguma certeza quando de pensar somos limitado, e de visão somos privados. De certeza que todos assim pensam mas ninguém reclama, ou simplesmente ignoram. Um ambiente fechado e sombrio. De segurança, nenhuma nos oferece. Paz interior? Só nas motivadoras palestras que vagamente a escola oferece para ao bem da sociedade ficarem vistos. De amor e conforto, recebemos ódio e descriminação mascarado como tóxico carinho. Os de verdade nunca recebem ajuda, os que tudo fingem por atenção, tudo sempre recebem. Qual a diferença de nós para eles? Respeito? Humildade? Consideração? Medo de incomodar? Ou apenas capazes de tudo aguentar? Começando nos alunos, passando pelos professores que de nós abusam, acabando nos auxiliares que sempre nos tentam ainda mais denegrir. Cinco dias por semana, todas as semanas de todos os meses. Férias? Feriados? Fim-de-semana? Quando não se tem lugar para estar, nenhuma diferença faz. Em casa ou na escola. Na rua ou no quarto. A nossa liberdade sempre será igual a nada, nossa opressão nunca desaparecerá.

De retorno a casa pelos vastos corredores vagando e de todas as memórias lembrando. Bons momentos? Nenhum resta. Na verdade, bons momentos nunca existiram de verdade. Quebrados por mentiras, criados por ilusões. Essa sempre foi a verdade que de nossos olhos mesmos escondíamos, atirando poeiras de humilhação e desprezo. Todas as lembranças do bullying forte prevalecem, sempre nossa mente reforçando, e nunca sua existência apagando. Falsos amores que nunca existiram, nunca de nossos corações saíram, aprisionados em um poço de sombrio medo e esquecimento. Nos cantos mais fechados encontramos a paz que nos ajuda a aliviar, e a raiva controlar. Nos lugares mais isolados, nossa dor deixamos, a terra abençoando com nosso sangue, as plantas regando com nossas lágrimas. Caminhos abertos parecem fechados, quanto mais amplo mais nos tenta sufocar. De pessoas que não ligam para nós, de pessoas que de nós piada tentam fazer. Um ambiente social, que a cada dia nos faz mais querer desaparecer. O medo de não existir não mais nos impede. Viver sem um sonho ou objectivo para não alcançar é igual a sem rumo caminhar, a um vale de esquecimento corpo e alma se entregar. A nossa música, distante nos tenta consolar, mas o que pode um coração acalmar, se nem a chuva que caí é mais capaz de nossas lágrimas disfarçar? Assim como o caloroso sol de primavera, todos precisamos de chorar, desde pessoas, animais, até o próprio céu as vezes não é capaz de se segurar, e precisa de suas lágrimas ao mundo chorar. Uns reclamam da chuva, outros a ela agradecem, nunca ninguém satisfeito se encontra, nunca todos satisfeitos estarão. Inveja sempre existirá, ganancia e arrogância por cima sempre irão ficar.

Na paragem, pelo autocarro poucos esperam. Quando a chuva sem aviso cai, muitos têm quem os vir buscar, muitos por alguém esperam e o autocarro descartam. Uma paz para quem ele o apanha, sem gritos, palhaçada, confusões e dramas que a calma de todos destrói. O ruido que do mundo nos isola agora com pequenas brechas se encontra para a chuva podermos contemplar. Nenhuma música mais bela é do que aquela que a própria natureza sozinha decide criar. Nenhuma outra sinfonia de paz nos é capaz de encher, se não aquela que para as origens mais ancestrais nos leva. O autocarro chegando e nós partindo. Com ele pela estrada fora na paz da contraditória chuva que como de raiva se expressa, ao mesmo tempo sua calma nos revela. Há poucas pessoas, uns estudantes, alguns fregueses. De nada se compara quando de manhã o mesmo apanhamos. Se num momento para sempre pudéssemos viver, de certeza que naquele seria. Todos os níveis de perfeição alcançados, vagando para um destino que longe ainda se encontra, e sem certeza saberemos se chegamos ou não. Como o momento perfeito em nossa memória se encontra gravado, algo raro que vagamente acontece quando as perfeitas condições se alinham, quando a natureza seu lado mais sensível revela e sua máscara de bondade e pureza retira revelando que em si nem tudo é perfeito e que não existem mal em cicatrizes carregar e nem sempre estar bem. Uma pequena chama em nosso coração, ajuda a um pequeno sorriso acender. Tamanha filosofia retirada das palavras que o vento carrega. Sem sentido e tolo? Ou apenas uma verdade filosófica à qual poucos seu tempo dedicam? Nunca saberemos, até um outro como nós encontrarmos, que o mesmo do mundo pense o mesmo, e que as mesmas cicatrizes de guerra em seu corpo carreguem.

Aos poucos nosso destino ao fundo começa a surgir, a calma em nós começa a ruir. Por que algo tão bom tem que tão pouco durar? Por que tudo parece começar a ruir? Um desespero que a chama apaga, uma ansiedade que o sorriso esconde. Medos que as lágrimas despertam. Sombras que a visão nos cerra. Antes mesmo de podermos com calma nos preparar, tudo parece desabar. A um novo inferno regressamos. Em casa uma vez mais nos encontramos. Na porta paramos. A chave no fundo da mala se encontra, um dilema complicado entre a vontade de protegido a chuva um pouco mais admirar, e entre o destino vicioso que ali dentro nos aguardava. O tempo não dá tréguas e uma decisão temos que tomar, por muito que vá ao nosso ser pesar. Aos poucos a porta abrimos, e de fundo os gritos já ouvimos. A discussão se intensifica, de onde de hoje viria? O som dos fones uma vez mais aumentando, na mala de volta a chave guardando. Até ao quarto caminhamos, tudo tentando ignorar e pelas sombras despercebidos passar. Vendo nosso rosto num espelho que ali se encontra, nosso estado miserável admiramos. Aos poucos decaindo, de dentro para fora cada vez mais ruindo. Um reflexo somente capaz de por nossos olhos ser admirado. Um reflexo que ninguém sabe se é realidade ou ilusão do pânico que de nós tenta tomar. Passando pela cozinha o foco da discussão encontramos. Ninguém entende o que eles falam, mas também, o que há para entender? Anos se passam e nada muda, as palavras mais ásperas ficam, as discussões mais azedas se tornam. Para nós algumas sentenças como facas se dirigem, mas impossível ferir aquilo que não mais existe. A raiva em nós é descarregada, ouvindo ou não ouvindo, respondendo ou em silêncio permanecendo, sempre seremos alvos de algo é certo que culpa teremos. Por culpa de um olhar triste carregar, essa é a razão para com o conto levar. Se por alguma razão nossa opinião de verdade se revelar, com algo ainda pior teremos de levar. Basta em silêncio nosso destino aceitar e não mais reclamar, somente rezar por o fim daquele momento e retorno ao nosso lar de verdade.

Para o quarto sem pensar duas vezes corremos. Lá nos trancamos. Droga? Álcool? Ou apenas raiva? De tantos motivos, qualquer um poderia ser, ou até mesmo todos em simultâneo. O resto da tarde, aquilo duraria, até hora de jantar o clima não se aliviaria. De porta trancada os gritos ainda podemos ouvir. Mais intensos e agressivos, como conseguem seus próprios pensamentos ouvir para capaz de algo argumentar? Só resta esperar, a chuva contemplar enquanto esta ainda dura. Numa casa de dor, ausente de amor, com falta de carinho. Só resta esperar por um milagre ou que o clico uma vez mais se reinicie. Ao som da natureza as tarefas realizando, mas com o tempo divagando e nada fazendo. Assim se passam horas, aí nos apercebemos que sete e meia da noite já tocam, a chuva firme permanece. Hora de jantar chegou, mais uma batalha para sobreviver, mais um peso para em silêncio sozinhos carregarmos. 

O último diaOnde histórias criam vida. Descubra agora