Perco minha luta diária contra a Beliche

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Muitas histórias retratam grandes feitos, aventuras dramatícas e impasses violentos. Você deve conhecer a maioria. Livros da biblioteca, aulas de historia profundamente entediantes, filmes muito mal roterisados, ou autores encheridos que gostam de nos prender em efeito piramide. Mas existem as história que ninguém conta, herois que niguem se lembra. Essas, talvez sejam as mais interessante, e seria um disperdicio deixar uma nas sombras.

Nossa história não começa muito emocionante. Começa comigo, em mais de um dos meus muitos pesadelos. Caso estejam profundamente interessados, nós semideuses temos muitos sonhos conturbados. Algumas pessoas mais que outras. E eu, mais que todas elas.

Era início do verão. O que resultava em um chalé estupidamente cheio de crianças e pré-adolescentes, confusão para a hora do banho, até mesmo um mega engarrafamento para dar um ida rápida ao banheiro. Para muitos era excitante estar no acampamento, para mim era exatamente como qualquer outro período da minha vida desde que cheguei naquele lugar, e nunca mais sai. Grande parte dos semideuses são abençoados com pesadelos, que nos alertam dos perigos constantes que nos espreitam do lado de fora da barreira, mas os meus estavam se tornando cada vez mais irritantes, frequentes e marcantes. Estava começando a acordar cada vez mais com faltas de ar e crises de ansiedade, o que, antigamente, não era mais comum para mim do que para os outros. Mas aquela manhã, aquela manhã de verão. Eu deveria saber que seria não só o inicio de um novo dia, mas como também o inicio de algo muito, muito maior.

— A.J! — Luke se aproximou preocupado assim que levei a mão à testa, massageando o lugar que batera na madeira quando meu corpo se levantou subitamente em estado de alerta, me tirando do pesadelo. — Você está bem? — perguntou se apoiando na cama de cima, resmunguei em resposta.

É claro que estava bem. Como será que ele não enxergou isso no meu rosto pálido, banhado pelo suor frio que escorria. Talvez a minha respiração ofegante, por busca de ar, não tivesse me denunciado.

— Foi outro pesadelo?— perguntou.

— Não, Luke. — tentei normalizar minha respiração, finalmente tirando a mão de cima da mancha vermelha no meio da minha testa. — Acordei empolgada com o meu lindo sonho nos campos dourados, o Elísio

Luke revirou os olhos, o sorriso que surgiu em seu rosto contrastando com a cicatriz.

— Claro, cuidado para sua empolgação não acabar fazendo com que quebre sua cabeça da próxima vez. Ou pior, com que quebre a beliche. — deu duas palmadas na madeira culpada pelo hematoma no meio do meu rosto. — Seria uma grande perda, sabe? Não se acham camas vagas aqui pelo chalé.

— Que senso de humor adorável! — ironizei, sentada na minha cama, ainda pensando se valia mesmo levantar para dar aula de equitação em pegasus para os novatos. — Me diz uma coisa, Luke. — pedi. Ele ergueu as sobrancelhas indicando para que eu continuasse. — Suas admiradoras que te falaram que você é engraçado? — resolvi me levantar de uma vez.

— Ah, sim, como adivinhou? — zombou, já esperando minha resposta..

— Acho que cabe a mim, como sua pessoa preferida nesse mundo inteiro,- depois de você mesmo, é claro,- lhe informar de que elas te enganaram, docinho. — Coloquei ambas as mãos nos ombros dele, sendo obrigada a erguer a cabeça para olhá-lo nos olhos, pela diferença de altura.

Ele fez uma careta forçada e levou a mão ao peito, como se realmente estivesse magoado.

— Ai! O que seria de mim sem você, A.J?

— Sinto te dizer que seria facilmente manipulado por qualquer um que massageie seu ego. — dei de ombros, sorrindo para ele.

Luke, estalou a língua, pensativo, antes de jogar a cabeça para trás e gargalhar.

— Ah, A.J — enxugou uma lágrima que desceu pelo seu rosto — Está com ciúmes, principessa?

Ele se aproximou, passando a mão pelo meu cabelo. Seria mentira dizer que eu não me desestabilizava um pouco quando Luke fazia algo assim. Mas meu, quem eu seria se me rendesse aos encantos dele? Castelan era uma galinha, eu sempre soube disso, desde o momento em que nos encontramos debaixo daquela ponte. Por esse motivo, tudo o que me restava fazer era achar graça desse charme encantador. Foi minha vez de jogar a cabeça para trás, gargalhando até minha barriga doer.

— Com certeza, Luke! — concordei com a cabeça, enxugando algumas lágrimas que caiam enquanto eu ria. — Meu coração se encontra despedaçado. Mas cada fragmento dele ainda bate por você Luke Castellan. — dramatizei aproveitando a proximidade para segurar na gola de sua camiseta laranja, como se estivesse desesperada — Por favor, diga que será meu por toda eternidade. Que me amará até que o olimpo desmorone. — apoiei meu antebraço na testa me jogando nos braços do garoto que sorriu para mim.

— Até muito depois disso A.J, até muito depois. — falou sério, seus olhos se encontrando com os meus.

— Credo, Castellan! — quebrei o contato visual e levantei de seus braços e dando um tapa no seu ombro — Você as vezes me dá enjoo. — fiz uma careta antes de pegar minhas roupas para me trocar, seguindo o fluxo do chalé que já estava parcialmente vazio.

— Não diga que eu não avisei. — ouvi o moreno gritar para mim a minhas costas, mas o ignorei com um aceno.

Às vezes as brincadeiras de Luke eram estranhas, na época eu não entendia porque me sentia tão... desconfortável? Mas a verdade é que demoraria um bom tempo para entender, e talvez, tenha entendido tarde demais.

Coloquei uma regata do acampamento e um shorts qualquer. Amarrei o all star preto velho, que tinha algumas missangas cruzando os cadarços, antes de enfiar um boné do Boston Red Sox prendendo meu cabelo. Sai do banheiro vendo que, pela altura do sol, eu já deveria estar atrasada para o café da manhã. Quíron me mataria se eu me atrasasse para a primeira aula do verão, por isso andei discretamente até o beliche dos Stoll, tomando cuidado para não chamar atenção dos campistas que passavam pelo lado de fora. Levantei o colchão de Travis e surrupiei um pacote de bolacha o jogando para o alto antes de o pegar novamente e marchar para fora do chalé.

A manhã estava agradavelmente ensolarada. Uma brisa fresca passeava pela clareira, carregando um doce cheiro de morangos maduros, proporcionados pelos filhos do senhor D. O caminho até os estábulos fora bem agradável e tranquilo, mas uma terrível dor de cabeça já começava a me assombrar pela noite mal dormida, que acabou sendo elevada ao decorrer da aula enquanto assistia e tentava a todo custo dar instruções para que as crianças novas não caíssem dos pegasus. Alguns tiveram que ir fazer uma visita aos filhos de Apolo na enfermaria, mas nada que os incapacitasse a comparecer na fogueira a noite.

Quando finalmente tive um descanso dos treinamentos fugi para a praia. Como minha próxima atividade seria como campista e não como monitora e seria a parede de escalada, não haveria problema, já que ainda faltava uma meia hora. Deitei sobre a areia fofa, colocando meu boné suado por cima de meu rosto, fugindo do sol.

— Bom dia, desmemoriada! — ouvi a garota se sentar ao meu lado. Provavelmente estava perto do horário de irmos para a escalada. Annabeth sempre vinha me buscar. Como saia das aulas de grego um tempo depois que minha monitoria acabava.

— Só dia, por favor. — resmunguei, sem vontade nenhuma de escalar aquela parede hoje.

— Me deixa adivinhar. — pediu, fazendo uma pausa que eu sabia que era para checar as pontas das tranças escuras. — Outro pesadelo?

— Hum — murmurei — será? — perguntei, sarcástica.

— Seu humor fica inacreditável quando não dorme direito. — reclamou. — O que, aparentemente, agora são todos os dias.

— É. Que sorte a sua, não? — suspirei, enfim tirando o boné do meu rosto e me sentando, balançando o meu cabelo para tirar o excesso de areia. — Eu sinto que eles ficaram cada vez piores desde de que Quíron teve que ir ajudar o Grover.

— Isso foi inédito. — Annie concorda — Que semideus deve ser... excepcional? — procurou um adjetivo antes de continuar — Para chegar ao ponto de Quíron ter que intervir. — finalizou, olhando para mim como se quisesse confirmar que eu estava conseguindo acompanhar sua linha de raciocínio.

— Isso deve ser... — não sabia o que falar — Mas, realmente, eu sei que eles têm ficado piores. Assim como o clima desde o solstício de inverno. — Suspirei. Eu nunca gostei de me envolver nessas questões. Procurar a encrenca que os Deuses estão armando. Sempre tive plena consciência de que quanto mais ignorante, mais seguro um semideus estava. Longe de profecias, ou missões. Para minha sorte, nem reclamada eu era. O que facilitava para que eu estivesse nas sombras, sendo apenas mais um rosto perdido do chalé 11. Por todo esse contexto, eu mudei de assunto, porque se deixasse que Annie começasse a me envolver em assuntos que não eram de nosso escalão... bem íamos acabar caindo no Tártaro. — Tudo que sei é que não estou nem um pouco afim de ir para a escalada hoje. — admito, como se esperasse que por um milagre divino tivessem trocado a Annabeth enquanto dormia por uma garota mais legal, que me deixaria faltar a escalada e ainda viesse surfar comigo.

Antes eu tivesse ido para aquela porcaria de escalada.

— Na verdade — começou, eu a olhei, aquele seu tom de voz não era bom. — Não vim te buscar para irmos para o treino.

— Graças aos deuses! — joguei minhas mãos para o alto, sendo repreendida pelo olhar da morena.

— Quíron e Grover voltaram. — sorri já levantando — Eles querem nos ver na casa grande.

Algo em mim suspeitou disso. Por que eles iriam querer nos ver? Justo eu. E Annabeth, ela estava com aquele ar de quando fazia uma coisa e sabia que eu não iria gostar.

— Ah, Annie! — exclamei indignada. — Não acredito que fez isso!

— A.J, você está começando a sucumbir por causa desses pesadelos! Está se rendendo! Não aguento mais ver você sem comer, sem dormir, morrendo com dores de cabeça! — gesticulou, como uma mãe dando bronca em sua filha. A única diferença é que eu não era sua filha. Ela não tinha esse direito.

— Mais isso é um problema meu! — gritei com ela — Não era para você sair me dedurando. Agora ele não vai sair do meu pé! Poxa! — Esfreguei o rosto, já falando normalmente, mas o chateamento impregnado na minha voz — Eu gostava da minha vida anônima.

— Exatamente. — Annabeth concluiu, o tom de voz demonstrando que não se arrependia. — Você gosta da sua vida, se quer continuar vivendo bem precisamos acabar com esses seus pesadelos.

Revirei os olhos, rolando a língua pela bochecha.

— Tá, vamos acabar com isso logo de uma vez.


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⏰ Última atualização: Oct 06 ⏰

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𝘚𝘦𝘮𝘪𝘥𝘦𝘶𝘴𝘦𝘴 e 𝘖𝘴 𝘋𝘰𝘪𝘴 𝘓𝘢𝘥𝘰𝘴Onde histórias criam vida. Descubra agora