MANGATA costumava ser menor que aquilo. Bom, aos menos em suas recordações bagunçadas de sua infância e adolescência, essa parecia ser a verdade. E, como dizem que crianças veem tudo maior, Deodora tinha certeza que estava certa ao se espantar com o fato de que o vilarejo pesqueiro de seus avós havia virado algo próximo a uma cidade. Aquilo não era tão bom assim quando a finalidade de sua visita – depois de tantos anos – era uma fuga. Mas ela não poderia reclamar mais do que pouco sobre aquilo, afinal, pelo menos agora, havia mais de uma padaria para escolher visitar.
Elegera uma próxima da estrada, ou seja, mais perto de onde viera. Preferira passar logo ali antes de surpreender seus parentes com sua chegada inesperada. Por isso ainda carregava sua mala e sua expressão preocupada quando o homem a perguntou o que queria comer e ela finalmente percebeu aquela movimentação estranha.
O estabelecimento no qual estava se chamava "Pontal das Conchas" e, caracterizado, todo o balcão no qual apoiava seus cotovelos estava enfeitado com conchinhas coladas à mão. Era bonito, mas machucava um pouco, e tornava mais difícil de manter a xícara de pé. Ela pediu que o rapaz arrumasse uma maneira de consertar isso, e para tal, ele a cedeu um cardápio para colocar debaixo.
Ela havia acabado de salvar o equilíbrio de seu café quando uma mulher se sentara ao seu lado. Deodora já havia a notado, antes mesmo que tomasse a liberdade de sentar tão próxima, e aquilo a irritou.
– Ei – a recém-chegada chamou o barman. – Quero um café. Forte.
Ele a entregou o que queria, e ela bebeu tudo em um gole. Em seguida, encarou a curiosa figura a sua direita. Deodora desenhava linhas no vidro a sua frente. Um torta bonita a encarava de volta, mas ela estava atenta a movimentação ao seu lado. Estava acostumada com ela. Contudo, naquele ponto da sua vida, a desprezava.
– Eu não sei se você quer uma foto ou um sorriso – foi direta. – Qualquer que seja a opção, não estou no clima.
A pequena bronca fez a mulher franzir sua testa.
– Um autógrafo?
Deodora riu. Não conseguiu se segurar, deslizando seu olhar para aquele rosto simétrico. Olhos escuros e estreitos a espiavam de volta com curiosidade. Havia algo aliciante em seu rosto.
– Querida, corte a cena. Eu a vi me encarar desde que entrou por aquela porta.
– Isso é porque você é linda.
– Eu disse para cortar a cena – definitivamente, não estava em um bom dia. – De que revista você é? – bufou. – Eu não acredito que já me encontraram aqui! Quanto quer para me deixar em paz?
A mulher deu de ombros. Seus cabelos eram lisos, escuros, e batiam em seus ombros. Os de Deodora nunca estiveram tão longos, mas suas ondas castanhas não eram verdadeiras, eram compradas e grudadas. Pensar naquilo fez sua cabeça subitamente pesar.
– Quanto pode me oferecer?
Ela soltou um palavrão, em seguida, içou sua bolsa e remexeu sua carteira. Puxou de dentro um talão de cheques, e, enquanto o preenchia com um valor alto, não escondia sua irritação.
A recém chegada a assistiu entretida. Sua camiseta preta e calça jeans contrastavam com o vestido vermelho e curto que a outra usava. Notou as malas antes de aceitar o cheque que ela a estendia.
– Desculpe pela cena – pediu, apesar de não parecer nada arrependida. – A deixarei em paz.
Garantiu, mas aquela paz nunca chegou.
Subitamente, a consciência pareceu ter retornado ao cérebro de Deodora. Ela puxou o cheque, recolhendo seus braços em desconfiança. Com a testa franzida e os lábios entreabertos, estudou-a por alguns segundos antes de questionar:
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O Caçador de Maresia
FantasyLorenzo monopoliza o comércio de sereias. Sendo o único pescador em Mangata a deter o conhecimento de como fisgar uma "mulher peixe", Lorenzo vive por exatos dez anos vendendo sereias para aquários. É o negócio da família. É o que dá vida a cidade...