07 | algumas pessoas não precisam ser hipnotizadas para irem longe demais.

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CERTA VEZ Heloísa leu sobre "O Banquete" de Platão. Estava na faculdade, prestando uma disciplina emprestada do curso de filosofia e leu alguns artigos sobre o amor platônico. Se a pedissem para discorrer muito sobre o assunto, possivelmente se enrolaria, mas tinha clara em sua mente a ideia de Eros e dos discursos que o filósofo usou em sua obra. Lembrava-se da ideia de desejo atribuída ao amor, mas lembrava-se acima de tudo do papel feminino.

Isso foi bastante discutido pela turma e por estudiosos, mas não, ela não saberia debater sobre o assunto ou defender um motivo para tal. Tudo que sabia era que Platão havia sim acrescido na fala de Sócrates a figura de Diotima para explicar como ele mesmo aprendeu sobre o conceito de amor; e, na época, aquilo a intrigou.

No contexto social de Platão, escravos, mulheres, estrangeiros e crianças eram colocados no mesmo patamar inferiorizado. Além disso, em seus discursos, aquele filósofo não se pautavam sempre no feminino. Mas não era isso que mais a deixava encabulada. Grécia antiga era o mais distante de civilização que sua mente floreava e a assustava como grande parte daquilo não havia sido verdadeiramente superado, milênios depois.

Heloísa fizera aquela optativa em seu quinto período e talvez aquele tivesse sido seu primeiro contato com as palavras "misógino" e "imutável". Talvez fosse o primeiro balde de água fria que recebera da cidade grande.

A partir de então, buscara a filosofia feminina, a qual não podia ser explanada nas praças. A partir de então, buscara compreender sua própria filosofia, a qual nunca pudera ser ouvida em lugar nenhum. Conhecera Ester, sua atual sócia, quando sua filha tinha 4 anos de idade, e só então, com sua ajuda, passou a atribuir algum tipo de sentido ao seu trauma. Só então encontrou um motivo para suas rachaduras.

Heloísa se formou em direito com apenas 24 anos de idade, e, dois anos depois de sua formação, começou com seus projetos paralelos de ativismo. Ester se tornou sua parceira e se orgulhavam profundamente das muitas vitorias que já haviam conquistado juntas.

Bom, se Platão usou a voz de Diotima para falar sobre o amor, Heloísa podia usar de sua própria para falar que desde Renan, as coisas deixaram de vez de andar para ela. Ao menos quando se falava de amor ou desejo. Não tivera muitos homens depois dele, e os que se relacionou minimamente nunca visitaram sua casa. Desdobrou-se para criar sozinha uma menina brilhante, porém encrenqueira, tendo que ouvir de diversas bocas que a falta de uma figura paterna a deixaria traumatizada e errática. Bom, não fora exatamente isso que ferira o íntimo de Deodora. Sim, a história com seu pai a quebrara de algumas formas, mas aquilo não fora culpa de sua mãe.

Não fora diretamente por causa de Heloísa que ela se casara com Renato, mas fora por causa dele que perderam o contato.

Depois do incidente com Lorenzo e a sereia, Heloísa passou na praia. Podia não gostar de Mangata, ou do cheiro de maresia, mas gostava de ver as ondas se quebrando e, naquele momento, precisava fazer o mesmo com suas memórias. Sentou-se de calça jeans na areia, sentindo os cortes arderem e inspirando profundamente.

Não fora ela quem levara Deodora pela primeira vez no litoral. Seus avós, Diana e Júlio, levaram sua menina enquanto estava em uma aula chata de física do cursinho. Ficara com as fotos, todavia, daquele primeiro mergulho, e as guardava em um álbum na gaveta da sala. Gostaria de tê-la visto mergulhar seus cabelinhos escuros pela primeira vez em água salgada, mas superou aquilo viajando sempre que podia com sua adolescente emburrada para pousadas em províncias onde o mar chegava.

No fim, Heloísa ficou quase uma hora sentada na areia, até que suas roupas se secassem por completo. Todo aquele tempo, pensou incisivamente em Lorenzo, na sereia e em como fora encantada por ela. Nunca tinha estado tão perto de uma mulher como aquela, e, de certa forma, não conseguiu sentir nada além de um desejo irracional de tê-la. Talvez do tipo de Platão. Hipnotizada, aceitaria se afogar, cortar seu braço e sua racionalidade.

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⏰ Última atualização: Jun 05, 2021 ⏰

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O Caçador de MaresiaOnde histórias criam vida. Descubra agora