CAPÍTULO QUATRO

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Dedicado a:

Rose88Gerson

JadySouza281

BrunaMends001

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Minha mãe está enterrada no quintal lá de casa. O corpo do meu Avô, Itamar, devia estar ao lado dela, mas ninguém o encontrou depois que ele foi ver o Tirano e nunca mais voltou. Quando isso aconteceu, minha mãe tinha três anos e minha avó, 33. Sinceramente, achei irresponsável da parte dele atravessar o riacho, sabendo que seria morto, e deixar uma filha pequena para a minha Avó cuidar sozinha. Vovó não deu conta, e talvez esse seja um dos motivos para a revolta de Soraia.

Há quem diga que minha Avó sabe quem é o meu pai, mas nunca me contou para não me expor. Coitada da menina, sendo filha ilegítima. Não é bom que ela carregue consigo a desgraça de ter uma mãe perdida! E nunca faltaram comentários. Se Vovó sabe ou não, nunca me falou nada. Até alguns anos atrás eu ficava procurando meu rosto nos homens casados. Nunca achei vestígios de mim neles, e nem iria. Dizem que eu e minha mãe somos tão parecidas que mais parece que fui concebida sem pai.

Mas isso não me incomoda mais.

Tem muita gente pegando água hoje, o que está deixando o lago cada vez mais seco e mais sujo, já que os resíduos não têm tempo de decantar. Ponho o pote cheio de água na minha cabeça e algumas gotas escorrem para o meu rosto. O mesmo acontece com Vera, que está na minha frente. Ela e a mãe, Xênia, plantam trigo e milho. Trocamos cumprimentos rápidos e pegamos a estrada novamente, juntas. Vera olha para mim de forma séria:

– Soube do que aconteceu? – Ela pergunta, com sua voz de adulta responsável.

– Não. – Franzo o cenho, tentando adivinhar o que é em minha mente.

– Roberto morreu hoje de manhã cedinho.

A gente sempre sabe que vai ser assim, mas dói quando acontece.

Desconfiam que Roberto tenha sido contaminado pela água suja. Na última peste, a desconfiança foi com relação à comida. Naquela época, com a ameaça de seca, algumas famílias resolveram estocar comida para os tempos difíceis, entretanto a comida começou a estragar e não poderia ser desperdiçada de jeito nenhum. Depois que as pessoas comeram, os sintomas não demoraram para aparecer. Primeiro foram os enjoos, vômito, diarreia e dor na barriga. Depois veio a dor de cabeça, vertigens e tontura, seguidas por boca seca e visão turva. Por fim, veio a fraqueza em todo o corpo, que levou a uma dificuldade de respirar e à perda dos movimentos dos braços e das pernas. As pessoas morriam como formigas.

– Vão enterrar amanhã? – Pergunto.

– Provavelmente, pois hoje não tem como. Está todo mundo numa agonia só, por causa das oferendas. – Vera abaixou o tom e certificou-se de que ninguém ouvia. – Eu tenho pra mim que essa doença também é coisa do Tirano. Ele deve estar muito zangado. Já faz onze dias que não chove!

Concordo com Vera, pensando em qual seria o motivo para ele estar zangado, dessa vez.

Passo na casa do Roberto e dou água para os seus cinco órfãos sedentos. A viúva não pôde chorar por muito tempo, pois tinha que trabalhar. As pessoas, para ajudá-la, estão se revezando como podem. Amanhã nós não teremos um dia da troca muito feliz.

Além do riacho proibido [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora