Capítulo I

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Eu era sozinha.

Minha família se foi em um grande incêndio anos atrás junto de quase toda a mobília da mansão Heelshire.

Fugi o quanto pude dessas terras. Da dor. Do olhar alheio de pena.

E agora, uma vez mais, me deparo com essa imensa propriedade esquecida por Deus.

Ou eu cuido do que é meu, de uma vez por todas. Ou eu perco o que restou de meus pais.

(...)

- Nossa. Isso aqui tá uma bagunça!

- Sim, senhorita. Sentimos muito por isso. A construtora está tentando reconstruir o que restou desses anos sem manutenção com o maior cuidado possível. Mas a casa é antiga, fica difícil não bagunçar tudo.

- Tudo bem. A culpa não é deles, mesmo. – voltar lá me doeu o coração e eu percebi o quanto eu estava por mim mesma.

Metade da casa estava com uma aparência jovial por conta da primeira reforma e a outra metade parecia que ia desabar. Eu devia ter cuidado melhor da minha herança.

- Bom, a casa está segura, mas para evitar que se machuque preparei seu quarto na ala oeste. Não está com poeira ou madeiras espalhadas. Ficará mais confortável, senhorita.

- Obrigada.

- Em um dos quartos, eu organizei tudo que foi salvo do incêndio além de pertences pessoais do Senhor e da Senhora. Espero que não se incomode.

- Não se preocupe com isso. Será bom dar uma olhada nessas coisas. Preciso saber o que posso descartar. Pode ir embora, ficarei bem sozinha.

- Claro, como quiser. Qualquer coisa use o telefone.

(...)

Na minha memória, o incêndio tinha destruído quase tudo. Mas parece que muita coisa foi salva.

É minha culpa a casa estar nesse estado. Eu fugi e nem isso eu fiz direito.

“A herança Heelshire”. Covarde!

- Tem tanta coisa nesse quarto que nem sei por onde começar. . . Espera. Uau, nosso álbum de fotos. Eu era tão pequena.

Cada foto me causava uma sensação diferente, mas todas me deixavam ansiada. Aquele era meu legado, resumido em um quarto esquecido no corredor.

- Eu me lembro desse dia. Era seu aniversário, pai. Como você adorava esse boneco estranho. – eu tinha tanto medo desse boneco quando pequena, mas, agora, tudo que eu queria era poder abraçá-lo de novo.

Torci para que ele não tivesse sido destruído no fogo e comecei a procurá-lo entre as caixas. Tinha tanta coisa velha que minha rinite já estava me fazendo desistir.

- Mas que mer... ACHEI! Meu Deus, nem acredito nisso. – o boneco estava lá. Todo sujo e com seu rosto de porcelana trincado. Olhando de perto, dava a sensação de que ele também se sentia sozinho. – Bom, eu posso te limpar um pouco. Trocar as roupas. Mas não dá pra arrumar o rosto. Espero que não se importe, Brahms.

(...)

Brahms tinha cheiro de guardado, mas, pelo menos, ele não me assustava mais.

Dormir com ele está me deixando mais calma com relação a tudo que está acontecendo.

Ter que me tornar “a Senhora da casa”, arrumar tudo e manter o legado Heelshire vivo é muito cansativo.

É bom ter algo reconfortante para abraçar de noite.

- Eu sinto muito, Brahms. Por ter fugido de tudo e ter te abandonado. Se eu tivesse sido mais corajosa, você não teria mofado numa caixa qualquer todos esses anos. – era como um olhar de cachorrinho numa porcelana manchada. Não era possível, mas eu sentia que o boneco compreendia o que eu falava. – Se você fosse vivo podíamos reerguer os Heelshire juntos. Assim, eu não ia me ferrar tanto sozinha. . . Boa noite, Brahms.

(...)

Meu corpo doía quando acordei sozinha pela manhã.

O que poderia ser considerado normal se não estivesse faltando um boneco esquisitão nesse cenário.

Cadê o Brahms??

- Sério, cara. Eu não vim para esse fim de mundo para morrer por um boneco. Eu sabia que ele era estranho. Se algum demônio aparecer do nada na minha frente eu vou ficar muito puta. Caralho, Brahms, cadê você?!

Procurei por toda a ala dos quartos e nada do boneco. O que não fazia sentido nenhum. Eu estava sozinha e ele não saiu andando por vontade própria.

Procurei na ala de entrada, nada.

Cozinha, nada.

Jardim, nada.

Decidi adentrar a ala leste. Precisei ter cuidado já que as obras estavam em andamento e eu não tinha nenhum equipamento de segurança.

E, claro, eu não achei ele. Mas achei um buraco na parede. Uma passagem para a estrutura interna da casa.

O corredor era um tanto estreito e me perguntei o que a construtora estaria fazendo ali. Talvez, fossem ratos. Ou, talvez, estivessem verificando se o incêndio não danificou mais profundamente.

Tinha algumas ferramentas e latas de produtos, mas nada de Brahms. Eu já estava ficando com medo. Alguém entrou na minha casa. Só podia ser isso.

(...)

Eu precisava de um banho depois daquela expedição, mas isso ficou para depois assim que entrei no meu quarto.

Sentado na cama. Uma calça meio bege, camisa branca e agasalho verde. Cabelo ondulado caindo sobre os olhos. Uma máscara no rosto.

- MAS QUE PORRA É ESSA????? – saí correndo do quarto e adentrei o banheiro logo a frente. Tranquei a porta e tentei achar alguma coisa pra me defender. – Tem um homem na minha cama, puta que pariu!

- Ei! Greta! – ouvi o homem bater na porta e por um momento achei que ele fosse atravessar e me alcançar. Estava apavorada. – Greta! Saia, por favor.

A voz dele parecia de uma criança, mas aquele homem tinha no mínimo uns trinta anos. - N-não! Vai embora. Saia da minha casa! Vou chamar a polícia!!

- Sou eu, Greta. Brahms.

QUE PORRA???

A Herança HeelshireOnde histórias criam vida. Descubra agora