Capítulo II

849 109 18
                                    

Isso não pode estar acontecendo.

Isso não é real.

Não é real.

- Greta, por favor. Por que você está fugindo, Greta? – ele continuava falando do outro lado da porta e eu mal conseguia sair do canto do chão.

Meus soluços estavam se tornando mais altos e eu começava a me afogar no meu próprio desespero.

Eu estava assustada. Muito. Tinha um homem enorme do lado de fora, querendo que eu saísse e dizendo ser o meu boneco.

Pude ouvir quando ele se afastou da porta e foi sei lá para onde. Eu não sabia se deveria ver onde ele estava ou se deveria ficar dentro do banheiro pra sempre. Puta merda, a situação estava péssima.

Subitamente, comecei a ouvir barulhos por dentro da parede como se algo estivesse se movimentando do outro lado.

O armário embutido estalou e uma mão saiu empurrando a porta. Ele estava saindo da parede.

Corri para porta tentando fugir de um provável assassino, mas no meu desespero não consegui destrancar a tempo e ele já estava próximo demais.

Eu arranhava a porta e gritava por ajuda. Minhas lágrimas cobriam meus olhos e eu não enxergava nada.

- Greta, vai se machucar. – foi a última coisa que ouvi. Tudo foi ficando escuro enquanto eu sentia um abraço quente ao meu redor.

O homem chamava meu nome, mas parecia tão distante que eu apenas me deixei levar pela escuridão.

(...)

Eu acordei no escuro do meu quarto.

Já era noite e havia um envelope do lado vazio da cama.

“Linda Greta.

Me desculpe por ter te assustado.

Daqui pra frente eu vou ser bom. Eu vou. Por isso, não fuja mais de mim.

Eu não sei como estou vivo, mas me lembro da nossa infância. Me lembro do seu olhar assustado de antes. Por favor, não tenha medo de mim.

Você precisou de mim e eu apareci.

Primeiro  na caixa. E, agora, em carne e osso.

As paredes são ocas e com corredores, posso ouvir você nos cômodos. É só me chamar que eu apareço pra você.

Quando precisar de mim, eu estarei aí.

Não quero mais te ver chorar.

Eu vou cuidar de você, Linda Greta.

Brahms.”

Eu não sabia o que fazer.

Ainda estava assustada e aquela carta não ajudou, necessariamente.

- Brahms? – ouvi um rangido de dentro da parede, mas não parecia que ele estava se movendo. Acho que apenas queria mostrar que estava ouvindo. – Quero ficar sozinha essa noite. Não venha atrás de mim.

Silêncio.

(...)

Na manhã seguinte, o dia parecia incrível.

Ninguém diria que eu fui perseguida pelo meu boneco, agora homem, na noite passada.

Fui tomar café e um silêncio fúnebre marcou todo o caminho até a cozinha. Realmente parecia que eu estava sozinha.

Arrumei a mesa e um pensamento estranho passou pela minha mente. Ele deve estar com fome.

Não faria mal, certo? Ele podia ter me machucado se quisesse e ao invés disso, me levou pra cama e está esperando que eu decida quando vê-lo.

- Meu Deus, tomara que eu não me arrependa . . . B-brahms? – ouvi mais uma vez o estalo. – Venha na cozinha, por favor.

O barulho aumentou e consegui perceber quando ele estava chegando perto. E logo ele estava lá. Parado na porta do cômodo. Com um olhar misto de vergonha e receio. Talvez estivesse com medo que eu reagisse da mesma forma da noite passada.

- Está com fome? – ele me olhou breve, mas não respondeu. Apenas acenou com a cabeça como uma criança medrosa. – Sente à mesa, então. E tire essa máscara.

-Não! – a voz se tornara mais grossa e ríspida.

- Ou você tira ou você não vai conseguir comer. Aliás, por que você usa isso? – eu falava com liberdade, mas isso só mostrava como eu estava com medo dele se irritar e me atacar.

- Eu sou marcado. – dito isso ele tirou a máscara de porcelana e ficou encarando a mesa. Incrivelmente, seu rosto era bonito, mas eu entendi o que ele quis dizer com “marcado". Do lado direito do rosto havia uma cicatriz enorme. Uma queimadura.

Se ele era, realmente, meu boneco Brahms, isso deve ter sido causado pelo incêndio anos atrás. Em forma de boneco não haveria uma marca evidente, apenas rachaduras no rosto de porcelana.

Como homem, algumas coisas mudariam.

- Não é ... feio. – ele me olhou com um brilho no olhar de cachorro pequeno. – Pode comer, Brahms.

Eu não sabia o que fazer com tudo isso.

Brahms ... de boneco virou um homem de quase dois metros.

Olhando ele comer assim não dava para pensar que ele me machucaria. Mas a verdade é que eu não sei o que ou quem ele é.

Parece uma criancinha, mas quando eu quis que tirasse a máscara, ele mostrou um lado mais maduro.

Talvez ele esteja divido entre um Brahms que sempre foi tratado como um filho pequeno do meu pai e um Brahms que precisou se tornar homem para, supostamente, cuidar de mim.

Eu só espero que essa “aliança” não tenha vindo para ferrar comigo ainda mais.

A Herança HeelshireOnde histórias criam vida. Descubra agora