Capítulo 7

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Decidi colocar em prática a ideia de Abigail. Escrever uma carta não era uma má ideia. Escrever sempre me ajudou a "colocar os pingos nos í" e organizar todo meu acervo de pensamentos. Embora eu custasse colocar no papel, quando eu o fazia, era pra valer! Mas o ponto era. A quem seria destinado essa carta? No meu íntimo eu desejava poder enviar esta carta para a doce Amélia de sete anos que não conseguiu comer bolo. Também desejei poder enviar para a tal professora que me disse palavras tão duras e impensadas. Pensei e repensei. No entanto nada se encaixava melhor do que uma carta para mim mesma. Para meu corpo. Que conviveu comigo até aqui e diariamente sustentou-me.

Iniciei...

"Se esta carta será um apelo, um pedido de socorro ou de desculpas eu ainda não sei. A verdade é que me propus a te escrever, a me escrever. É um tanto diferente escrever a alguém que não amo verdadeiramente. Quando criança costumava escrever para minhas amigas e os meninos que eu gostava. Dizem eles que ainda têm essas cartas. Deus me livre lê-las novamente... Que vergonha! É engraçado pensar que eu nunca me considerei dona do meu corpo. Sempre fui eu, e essa parte de mim que é julgada pelos outros e que constantemente quero mudar. Diferentemente das outras cartas, essa é destinada a alguém que eu não amo e nem estou apaixonada. Mas agora a pergunta é: " Por quê mesmo que não gosto de você?"

Não lembro quando foi a primeira vez que te vi no reflexo do espelho. Deve ter sido engraçado. Éramos apenas aquele bebê ruivo, no colo da mamãe. Talvez eu tenha te achado legal. Ou não. Talvez eu já tenha te achado estranho. Uma criaturinha com braços e pernas rechonchudas, com o cabelo espetado e os olhos pequenos. Bem, a verdade é que não lembro como foi a primeira vez, mas lembro muitíssimo bem como foi as vezes que se seguiram. Você foi crescendo e ficando cada vez pior. Até que aconselharam a buscar um médico para te consertar. Está vendo? Você sempre foi o problema.

Lembra quando o meu primeiro amor disse a você que jamais beijaria alguém gorda e sardenta? Novamente a culpa foi sua. Chorei por uma semana inteira com o coração partido. Eu não tinha nem dez anos... Como você foi capaz? E então ali eu decidi que não iria mais te acompanhar. Eu iria fazer você mudar. O tormento só piorou, eu fazia dietas, mas você não obedecia meus comandos. Quanto mais eu tentava te diminuir, mais você aumentava. Até parecia orgulho da tua parte! Não foi por nada que passei a te odiar.

Passei a me esconder nos livros e quanto mais eu lia histórias bonitas e com personagens perfeitos mais eu te abandonava. Continuei amando o meu primeiro amor, ingenuamente. Porque acreditava poder me livrar de você e então, ele me amaria. Mas ele nunca me amou.

Procurei por um emprego de meio período aos 14 anos para que pudesse mimar os teus caprichos. Cremes, suplementos e comprimidos emagrecedores. Mais uma vez você não reagiu. Eu estava farta.

Foi então que eu decidi parar de comer. Depois de tanto invejar corpos esculturais na tv, no Instagram e no outdoor da esquina. Seria inflexível. Mas foi o que essas pessoas me ensinaram. Vitaminas no café da manhã, muita salada no almoço, um damasco no meio da tarde e à noite, frutas.

E como se você quisesse mesmo me ver no fundo do poço, aí você seguiu o que eu te passava. Você diminuiu drasticamente. Agora você me leva para correr 22km todos os dias, exaustivamente. Você me faz ter uma culpa imensa quando como um pequeno pedaço de pão. Agora minha alimentação não tem sal e nem açúcar. Mais uma vez és meu problema. Mas, finalmente, as pessoas têm gostado de você. Elas têm te elogiado e dito que és lindo, vitorioso e um exemplo. Agora devo eu ser feliz?

Mas eu lhe pergunto: És feliz? Fizeste meu pesar crescer a cada dia. Em troca de quê? Insuficiência.

Relendo está carta, acredito que está longe de um pedido de desculpas. Isso é tudo um desabafo e um pedido de socorro para que, tu e eu enfim nos acolhemos e façamos as pazes. Anseio avidamente por isso. Que possamos encontrar o equilíbrio dentro dessa companhia tão instável. Não sei se um dia irei te amar, mas enquanto isso espero ao menos um dia, te respeitar.

Com sinceridade,

Amélia"

Peças de um arco-írisOnde histórias criam vida. Descubra agora