Capítulo 3

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O alarme despertou às 7:10 e num pulo só saí da cama. O dia seria especial. O grande dia havia chegado. Meu vestido estava pendurado na arara do meu quarto. Era um lilás estonteante. A parte da saia era rodada e volumosa, com vários tules. Na cintura era justo, apenas com alguns recortes, as mangas bufantes e um decote singelo. O vestido típico princesa. Eu estava nas nuvens. Sonhei com um vestido assim a vida inteira. Mas nunca ousei usar algo do tipo, afinal como uma moça gorda como eu poderia usar tules, mangas bufantes e cores claras? Pois bem agora era diferente. Agora meu corpo se encaixava perfeitamente em um modelo assim e tudo se comprovou quando desci as escadas e cheguei à portaria do prédio. Todos me olharam suspirando, estonteantes.

- Carambolas, Amélia! – Disse Abigail. – Assim você destrói a humanidade!

- Uma verdadeira princesa, florzinha! – Papai disse isso dando um beijo em minha mão e fazendo gesto de reverencia.

- Uau! Amy, acho que você exagerou na sombra e no glitter. Mas tirando isso, até que está legal. – Sarabi não era de dar o braço a torcer facilmente. E ela estava naquela fase de poucos elogios. No próximo mês ela faria oito anos. Sar também estava vestida como uma princesa. Um vestido azul celeste, com o cabelo preso em um coque em forma de laço. (Ah... a moda do laço no cabelo!).

Mamãe passou a mão no meu cabelo, emocionada disse: - Como você está crescida, querida. Está uma jovem mulher! – Nisso, me abraçou gentilmente e colocou uma caixinha em minhas mãos. Eu a abri e meus olhos marejaram.

Dentro da pequena caixa havia um anel, dourado e com um ponto de luz em formato de coração, que brilhava intensamente. Por dentro, uma palavra escrita: hope. Mal sabia eu que num futuro muito próximo aquela palavra ia ser meu refúgio e fortaleza.

- Ah, mamãe. Você e suas surpresas... – Nisso abracei-a mais uma vez, dessa vez um abraço forte e demorado.

- Queridas, está na hora! Vamos lá, o pessoal está esperando. – Papai parecia mais ansioso do que eu. Senti nele algo diferente, como se ele soubesse que uma nova etapa estivesse por começar. Uma etapa tortuosa. Como se ele pudesse ver a trovoada se formando no horizonte. Hoje desejo que ele houvesse aberto seu coração, mas em parte eu o entendo. Eu estava feliz. Estava levando a sério algo que era importante para mim.

E foi nesse dia que eu percebi que eu já não era mais realmente a Amélia verdadeira. Que eu não estava feliz e que tudo aquilo se tornou importante demais. Era para ser um dos dias mais felizes do ano e, talvez, da minha vida. Estava reunida com meus amigos, minha família. As pessoas que eu mais amava. Todos estavam me elogiando, me felicitando e parabenizando. Em parte por eu ter terminado a escola, e em parte por eu estar "bonita". Por estar magra. Era como se eu houvesse alcançado um mérito que todos cobiçam. Eles diziam que eu os inspirava.

Mas a verdade é que na minha mente só havia uma coisa. Um pensamento. E esse pensamento era: comida. Mas não no bom sentido, aquele em que ansiamos pelo momento de sentar a mesa e saborear. Não no bom sentido de ter fome e instintivamente, simplesmente, comer. Eu estava com medo. Medo de me alimentar. Tinha medo do que ela poderia causar em mim.

Quando nos sentamos à mesa, todos estavam se servindo e rindo, comiam com prazer, alguns comiam bastante e nada parecia preocupa-los. No meu prato havia um belo pedaço de lasanha. Minha mente trabalhou rapidamente. Massa. Carboidrato. Queijo. Creme branco. 285 calorias. Foi nesse instante que lagrimas começaram a correr por meu rosto. O desespero tomou conta do meu semblante. Desesperada, corri para o banheiro antes que se tornasse muito óbvio. Assim que entrei, encontrei um espelho enorme. Parei diante dele enquanto as lágrimas brotavam. Via-me gorda. Enorme. E eu via isso distorcidamente. Só conseguia pensar naquele prato de lasanha, no quanto ele parecia extremamente apetitoso, mas tão perigoso.

- Amy, está tudo bem? – Mamãe apareceu, aflita sem entender nada do que estava acontecendo.

- Sim, mãe. Está. Apenas me emocionei. Acho que caiu a ficha que agora sou adulta, como vocês – Disse, dando um sorriso mais forçado que consegui. Enquanto na verdade tudo que eu conseguia pensar era no quanto eu queria poder sumir daquele lugar. Daquela lasanha. E instintivamente tive a "brilhante" ideia, e disse:

- Acho que o café da manhã não caiu muito bem, estou sem fome. Vou comer mais tarde, ok? – Mais uma vez, lá estava eu mentindo pra minha mãe sobre o fato de ter comido.

- Está bem, Amélia. Logo, logo tem bolo! Sei que ele o fará esquecer a vida adulta – Brincou mamãe.

Ah não. O bolo. Eu era famosa por amar bolo. Meu doce favorito. Mas agora eu não podia mais comer "porcaria". Assim eu me referia a uma simples fatia de bolo. Nesses últimos meses que eu havia feito dieta, eu só havia comido bolo uma vez, no "dia do lixo". Meu dia do lixo era sábado, e hoje era domingo. Era estritamente proibido. Fora das regras havia regra. Não havia cogitação. Eu achava estar sendo muito exemplar. Costumava dizer que eu era o orgulho das nutricionistas. Nunca furava meu plano alimentar. Passei a considerar a composição do alimento mais importante do que qualquer outra coisa. Desconsiderei o sabor, meus gostos, meus amigos, minha família. Desconsiderei totalmente a mim. Não apenas desconsiderei, como também sacrifiquei. Ter o prazer na alimentação é uma das coisas mais importantes e contribuem muito para a felicidade de uma pessoa. Aprendi isso da pior forma possível.

Passei a encarar comidas calóricas como 'gordice'. Que péssimo termo! Até parece que batata frita, hambúrgueres e coca-cola são alimentos exclusivos da obesidade mórbida... Na verdade tudo isso são apenas alimentos, com o teor de gordura um pouco mais alto. Mas aí é que estava o problema. A única "gordura boa" era a do Abacate e até essa passei a evitar. 

Peças de um arco-írisOnde histórias criam vida. Descubra agora