Capítulo 6

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Pouco saía de mim. Pela primeira vez na vida, eu não sabia o que dizer, como me expressar e fazer minha família me entender. Eu estava dentro de um labirinto, por mais que eu tentasse eu chegava ao mesmo lugar. Papai que também sempre soube o que falar estava sem palavras. Entre idas e vindas, ele apenas me envolveu em um longo abraço. E foi naquele dia que todos enxergaram que a "Amélia sonhadora, falante, alegre e positiva" agora nada mais era do que cacos confusamente espalhados pelo chão.

Mais tarde fui até a cozinha em busca de algo quente para trazer afago ao meu coração. E vi mamãe sentada diante ao laptop. Aproximei-me dela, ela estava preocupada e aflita. Na tela do computador estava exibindo uma matéria: "Transtornos Alimentares – Como identificá-los?" Quando ela percebeu que eu estava ali, fechou a página assustada.

- Amy, minha filha. Nem percebi que estavas aqui. Está se sentindo melhor?

- Oi mãe. Sim. Desci aqui apenas para fazer um chá. Você quer?

- Sim, por favor.

Era a nossa deixa. Todos queríamos conversar sobre o assunto, mas parecia não haver coragem correndo em nossas veias. Era como se aquilo fosse falado em voz alta, se tornaria então, real. Depois de um longo silêncio e as xícaras já vazias, mamãe começou:

- Amélia. Dona Maria esteve aqui hoje. Ela trouxe alguns doces de abóbora pra você. Disse que tem sentido sua falta no abrigo.

Dona Maria era uma senhorinha que eu amava. O abrigo era o lar de idosos que havia na minha cidade, eu costumava visitá-los algumas vezes no mês para levar biscoitos amanteigados e ler histórias para eles.

- Ela disse que a última vez que te viu quase não te reconheceu. Primeiro porque estavas abatida e alheia à conversa e segundo... Você já sabe. Ela me contou algo que me deixou muito preocupada, Amy. – Depois de uma longa pausa e um suspiro, mamãe continuou – Dona Maria tem uma neta, chamada Cristine. Ela é mais velha que você, e quando jovem ficou muito doente. Ela teve Anorexia Nervosa. Emagreceu tanto que mal conseguia caminhar... Dona Maria disse para nós ficarmos mais atentos, porque quando a família de Cristine percebeu, ela já estava mergulhada na doença.

- Mamãe, eu... Eu sinto muito.

- Amélia. Não. Você não vai chegar nesse ponto. Não pode. Eu nem sei por que estais assim. Eu disse a Dona Maria, que você apenas está comendo saudável. Muitas frutas e verduras, e que tudo isso não passa de um mal entendido. Você sempre foi tão saudável. – O tom de voz de mamãe era desesperador. Ela não estava querendo acreditar.

- Mamãe, está tudo bem, nós vamos conseguir e...

- Conseguir o quê, Amy? – Ela falou com os olhos cheios de lágrima. – Você está bem, não está?

- Não, mamãe... – Comecei a chorar e sentia como se algo estivesse me sufocando. – Eu não estou bem, eu não aguento mais.

Senti papai se aproximando. Ele sentou perto da mamãe, segurou a mão dela e secou suas lágrimas. Depois dirigiu seu olhar a mim e com cuidado, perguntou:

- Florzinha, o que você não aguenta mais?

- Eu não aguento mais viver dentro da minha cabeça. Eu não aguento ter que pensar em comer a cada vez que sinto fome, eu odeio meu corpo, eu odeio o fato de comidas serem tão calóricas e apetitosas. Meu corpo dói a cada vez que me exercito, mas eu não consigo parar! Não há mais nada que se passe em minha mente além de números, balanças, emagrecimento e comida.

Jamais esquecerei a perplexidade no olhar dos meus pais. Era um misto de pavor com tristeza e insegurança. Entretanto, eu senti que aquele nó que havia na minha garganta se dissipou. Agora aquilo não era mais uma dor solitária, eu havia aberto meu coração. Compartilhado minha aflição e enfim contado a verdade. É como se aquele fardo não fosse mais só meu, e aquele monstro gigantesco passou a ser compreendido por alguém.  Poucas coisas ajudam mais do que soltar os problemas trancafiados em nossos corações. 

Peças de um arco-írisOnde histórias criam vida. Descubra agora