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No palácio, a princesa Alma aprendia o que todas as meninas na sua idade aprendem. Tudo e algo mais. Tinha de saber comportar-se como uma princesa: como se levantar, como se sentar, como cumprimentar uma duquesa, como cumprimentar um general.

É claro que era um autêntico aborrecimento aprender todos esses longos rituais cerimoniosos. Desagradava-lhe também aprender a arte do canto e a dança de salão, e outras tantas coisas necessárias que fazem parte da vida de uma princesa. Durante alguns anos o rei não se preocupou com este facto. Alma era alegre, inteligente e dócil. Mas à medida que se aproximava a idade de casar, o desinteresse da princesa por aqueles afazeres já se tornava num problema. A princesa não mostrava qualquer entusiasmo pela vida da corte nem pela ideia de casamento.

- Todas as meninas têm que se preparar para serem crescidinhas! - repetia-lhe frequentemente a ama.

- Mas na natureza as coisas simplesmente crescem, não precisam aprender nada! – argumentava Alma.

- Ora a menina não quer ser como os pardais que se abeiram debaixo da janela a cantar, pois não? Ou como os macacos que o seu pai mandou vir, não sei de onde, e que passam as horas a balançarem-se em cima das árvores e a soltarem aqueles ruídos estranhos! – respondia a velha mulher.

- Bem, eu cá por mim prefiro os pardais e os macacos às conversas das minhas tias, pelo menos eles calam-se quando eu falo com eles...

– Isso não importa, - interrompeu a ama – não importa o que a menina prefere! A menina tem de aprender as obrigações, as responsabilidades! – Insistia com carinho a ama.

- Vamos lá mais uma vez repetir a vénia. Ponha-se de pé! Direita! Incline a cabeça ligeiramente, muito suavemente para a frente sem a deixar cair. Mas atenção, se estamos na presença de um monarca ou de um sacerdote, a menina tem que se levantar e colocar a perna direita à frente da perna esquerda e dobrar um pouco o corpo para baixo, mas não em demasia como fazem os criados...

E estas aulas de boas maneiras repetiam-se todas as tardes.

Por vezes Alma deixava de ouvir as instruções e libertava o seu espírito dos enfadonhos afazeres. Nessas alturas, o seu olhar ficava ainda mais suspenso, como que observando o infinito inacessível. Quando isso acontecia, a ama dava-se por rendida e dava por terminada a lição diária.

Um dia o rei decidiu que era altura de casar a filha. Afinal ele já estava velho. Era preciso assegurar a herança do seu reino.

Anunciada a intenção do monarca, logo se apresentaram inúmeros pretendentes, fazendo fila no portão principal do castelo. Todos traziam ofertas espetaculares. Mas a princesa, que não podia avaliar pelos seus olhos a beleza dos jovens pretendentes nem dos presentes, impôs uma condição.

- Casarei com aquele que for capaz de responder a uma pergunta.

Sentada no meio de uma grande sala questionava sempre da mesma maneira os seus pretendentes:

- O que pode preencher completamente esta sala e os objetos que a contêm?

Os jovens respondiam como sabiam. Uns afirmaram ser o ar, outros a luz, outros a água, o fogo... mas a princesa não se contentava com nenhuma resposta. De facto não estava mesmo nada interessada em casar. E os pretendentes, cansados de inventar respostas, foram desistindo, um a um, e abandonaram o palácio.

Quem não ficou nada contente foi o rei, seu pai.

- Se não queres escolher o teu noivo, então escolherei eu! – ralhava o rei com a filha.

Entretanto as deusas, dissimuladas de pássaros, assistiam divertidas aos enredos da vida da princesa Alma. Não só assistiam como regressavam entusiasmadas ao mundo dos deuses, comentando baixinho com os outros deuses o que viam e ouviam, como autênticas coscuvilheiras.

Os mexericos chegaram aos ouvidos do rei dos deuses que ficou muito zangado.

- Todos os deuses estão expressamente proibidos de visitar os humanos! – gritou bem alto.

Mas os deuses eram muito teimosos. E a curiosidade foi aumentando...

A história da princesa Alma chegou aos ouvidos do deus-enganador. Agreu (que era como se chamava) era um deus muito mal comportado. Só arranjava problemas. Estava sempre a desobedecer, gostava de pregar partidas e, pior do que tudo, gostava de mentir. Ou de dizer tudo ao contrário. Enfim, uma autêntica dor-de-cabeça para os próprios deuses! Passava os dias a dormir e à noite escapava, às escondidas, para o mundo dos homens. Um dos seus passatempos preferidos consistia em seduzir as raparigas. As mães bem que avisavam as filhas...

- Agreu, o deus mau, que muda de forma para agradar as raparigas. Dorme de dia e à noite atormenta as donzelas!

Pois o deus-enganador mostrou-se logo interessado na história da princesa. Imediatamente arquitetou um plano para seduzir a princesa.

Assim determinado, apoderou-se da lira de sete cordas que pertencia a Yehudi e, dissimulado de rei humano, dirigiu-se para o palácio da princesa Alma.

- Nobre rei, a beleza de vossa filha é incomparável à luz das estrelas e do próprio sol! Eu, poderoso rei de muitas terras, peço a mão da princesa Alma.

O rei deu-lhe a conhecer as condições. Tal como todos os outros pretendentes teria que responder à questão da princesa.

- O que pode preencher completamente esta sala e os objetos que a contêm? – repetiu, enfadada, pela centésima nona vez a princesa.

O deus Agreu segurou na lira e com os seus dedos indolentes dedilhou as cordas do instrumento divino. Tocou e tocou até o dia acabar. E a princesa não se cansou de ouvir a doce melodia encantatória, pelo contrário. Ficou arrebatada.

- Na minha terra este é um instrumento vulgar, as mulheres e as crianças tocam-no a toda a hora... - balbuciou o deus enganador quando parou de tocar.

A princesa Alma sentindo-se completamente apaixonada respondeu:

- Na verdade o som deste instrumento preenche todo o espaço. Contigo casarei!

No dia seguinte o rei deu ordens para que se desse início aos preparativos das bodas.

O jardim da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora