Só sei que foi assim - Wangxian

Ser pai (solteiro) é padecer no paraíso

— Então quer dizer que aquele é Lan Wangji? É que ele é tão bonito pra ser solteiro, eu não acreditaria se não estivesse vendo com meus próprios olhos.

— Eu me pergunto como uma mulher teve coragem de abandonar um homem desses. Vê só se eu seria tão burra? Ele tem um bom emprego, uma boa casa. Se ele fosse meu marido, eu carregaria água numa peneira para ele.

— A esposa dele deveria ser uma desalmada. Mulher sem coração, frígida! Só uma desnaturada largaria de mão o marido, e com um filho pequeno, para piorar. É uma pena, não me admiraria se ela tivesse fugido da cidade com a cara a arrastar no chão. Nem pra levar o garoto junto, né?

Seria muita bondade dizer que Wangji estava chateado.

Ele estava verdadeiramente aborrecido.

Sentado num banquinho no pátio da escola de Sizhui, com a mochila dele em um dos braços e uma sacola do mercado na outra mão, Wangji sentia que preferiria sumir. Só concordou em levar o filho ao Festival da Família porque era um evento escolar e porque ele havia pedido muito. Sizhui era uma criança boa, nunca batia o pé depois do primeiro "não". A insistência só mostrava o quanto aquele dia era importante para ele. Além disso, ele se comportava bem, estava se esforçando para se sair bem na escola, era sempre elogiado por onde passava. Wangji gostava de ser justo com seu filho e isso incluía, dentro dos devidos limites, reconhecer quando ele merecia um agrado.

— Uma devassa! Isso que a ex-esposa dele deve ser. Como a criança pode crescer e se tornar um adulto descente sem a presença da mãe? Ou de uma madrasta, pelo menos. Ele é outro que deve ser um irresponsável, a obrigação dele era ter se casado de novo para dar uma figura feminina ao garoto.

— Mas que mulher aceitaria se casar com um pai solteiro? Para cuidar do filho de outra, isso não existe. Só se fosse uma mulher mais velha, e olhe lá. Eu não moveria um dedo pra educar uma criança que não saiu de mim, imagine, que trabalho mais ingrato?

— Não olha agora, mas preste atenção. Ele é tão mal-encarado, chega a dar arrepios. Não deve ser nada carinhoso com o menino. Aposto que ele não sabe trocar uma fralda direito. O pobrezinho do Sizhui deve sofrer tanto em casa...

— Ele não parece ser nada afetuoso, mesmo. Acho que só liga para o trabalho, todos falam sobre como ele é um bom veterinário, mas não faz nem um carinho nos cachorros. O meu sobrinho foi na clínica dele esses dias, me contou que as pessoas tem medo dele até no ambiente profissional.

Wangji concordou em levar Sizhui ao Festival da família, sim, mas não concordou em ouvir aquele monte de absurdos, não depois de um dia cansativo de trabalho, seguido por um estresse tremendo na fila do mercado. Do lugar onde estava sentado, podia ouvir os outros pais cochichando comentários maldosos, estupidez atrás de estupidez. Nenhum deles conhecia Wangji. Ninguém sabia o quanto se esforçava para dar uma boa vida ao seu filho. Aquelas pessoas também não conheciam a mãe de Sizhui, não tinham propriedade alguma para falar nada sobre ela. Nenhum deles tinha ideia de como Sizhui era uma criança doce e muito bem criada.

Ninguém naquela cidade tinha o direito de especular sobre a sua vida.

— O menino deve se sentir um fardo na vida do pai... É que ele é um homem tão jovem, deve querer sair, se divertir, namorar. Com um filho pequeno no colo, não dá para fazer essas coisas.

— E se Sizhui estiver ficando sozinho nos fins de semana? Ele só tem quatro anos!

— Alguém tem que fazer alguma coisa.

Wangji se levantou, convencido de que estava no seu limite. Já estava tarde de qualquer forma, quase na hora do jantar, e seu filho não podia se desvirtuar dos seus horários. Wangji estava ali sentado há quase quatro horas, era tempo suficiente para Sizhui ter se divertido o suficiente. Foi até o grande parquinho de madeira, procurando a sua no meio daquele monte de criancinhas. Eles corriam para lá e para cá e riam e gritavam. Wangji gostava de crianças e não se incomodaria tanto com a algazarra se não estivesse tão cansado. Deu a volta na casinha mais vistosa e encontrou Sizhui sem problemas, ele era o mais limpo e arrumadinho da sua turma, mesmo que seu cabelo estivesse um pouco desalinhado. Ele nunca saía do seu campo de visão, nunca ia muito além de qualquer lugar onde Wangji pudesse estar com alguns passos.