Crônica n°2: Carmo

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Naquela fresca madrugada de quarta-feira, Ivo estava fazendo hora no posto de gasolina na avenida Correia Viola, a 10 minutos do Barra Shopping esperando o aplicativo o notificar para uma possível corrida.

As madrugadas eram relativamente tranquilas, podia-se apenas esperar alguns passageiros indo aos bares da região ou voltando para os apartamentos onde moravam. O mais estranho que poderia acontecer, na visão de Ivo, era alguém querendo ir à praia naquela hora, por exemplo.

Exatamente às 3h32 daquela madrugada, Ivo recebeu um chamado com ponto de partida especificado apenas por um "food-truck" há 8 minutos de onde ele se encontrava.

Naquele momento, Ivo estava do lado de fora do carro terminando uma latinha de refrigerante e fumando um cigarro enquanto usava o celular. Quando recebeu o chamado, tomou o último gole, apagou o cigarro e pôs o celular num suporte preso por ventosa no vidro do para-brisa.

Depois de deixar o posto de gasolina para trás, Ivo olhou o celular em busca de informações sobre o passageiro. Na foto do mesmo podia-se ver um senhor de costas com cabelo curto e grisalho. O fundo da foto era o mar, provavelmente da própria Barra da Tijuca num dia claro; o nome do passageiro constava apenas como "Carmo".

Ivo, já acostumado com casos de passageiros estranhos, prosseguiu em direção ao tal "Carmo".

No meio do caminho, recebeu uma mensagem do passageiro com o dizer "Vc está indo na direção correta".

Naquele momento, Ivo sentiu uma brisa gelada atravessar seu corpo da espinha à ponta do pé, não sabia se cancelava a corrida ou se prosseguia para ver onde ela iria dar. Decidiu prosseguir.

Enquanto passava pelo mar de sinais amarelos cintilantes, Ivo tateou um maço de cigarro no porta-moeda, começou a fumar enquanto pensava sobre qual era a do tal "Carmo". Naquela avenida que costuma ser bastante movimentada durante o dia, com carros, caminhões, ônibus e BRTs, Ivo estava sozinho numa pista de mão única.

Já nervoso, Ivo recebeu a mensagem: "Continue nesta velocidade que vc chegará a tempo".

Quando estava a trinta metros de distância do local combinado para o embarque, Ivo desacelerou o carro na tentativa de conseguir ver Carmo de longe.

O local combinado não tinha a fama de ser perigoso. Tinha pouca iluminação e ficava perto de um cruzamento entre a estrada em que Ivo estava e uma estrada transversal que dava em direção à Ponte Lúcio Costa. Na esquina do cruzamento, Ivo avistou o que um dia já foi um food-truck. Na verdade, era os restos mortais de uma antiga carrocinha de cachorro-quente que estava abandonada há pelo menos 2 anos. Ivo desligou o som do carro, na tentativa involuntária de conseguir enxergar melhor o que estava à sua frente. Recebeu a terceira mensagem de Carmo: "Pode vir tranquilo, meu amigo. Pode ficar sossegado".

Ivo se perguntava como Carmo poderia vê-lo, e o próprio Ivo não. Ele olhou para um lado e só viu um terreno baldio com árvores e muito mato, olhou para o outro e a única diferença era um emaranhado de trepadeiras que subiam e se amontoavam ao longo dos fios e no poste de iluminação.

Por um instante achou que o passageiro estivesse querendo ir a algum apartamento, mas o condomínio mais próximo dali ficava há pelo menos 15 minutos, e o destino colocado por Carmo era justamente o posto de gasolina onde Ivo se encontrava inicialmente (fato que só percebeu naquele momento).

Ivo encostou o carro na beira da estrada e — já com o segundo cigarro na boca — enviou a Carmo a seguinte mensagem: "Boa noite, amigo. Não vejo ninguém no local combinado". No mesmo instante, Ivo recebeu: "Por que vc parou no meio-fio?"; e as duas mensagens coincidiram. Ivo parou por um instante, olhou para todos os lados possíveis, incluindo para o banco do passageiro. Atônito, respondeu a Carmo "Ou o senhor me diz onde está, ou cancelo a corrida aqui mesmo" que foi respondido logo em seguida com "Não tenha medo. Eu quero que vc me traga uma coisa que está no local combinado". E concluiu: "Garanto que receberá uma generosa gorjeta pelo o que está fazendo". "Não entendo aonde o senhor quer chegar" — respondeu Ivo. "Eu não, minha encomenda", escreveu Carmo. "Prossiga até o local combinado, por favor" — concluiu.

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⏰ Última atualização: Mar 29, 2021 ⏰

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As Crônicas de Ivo, o Motorista de AplicativoOnde histórias criam vida. Descubra agora