De qualquer forma, o assunto entre eles terminara. O silêncio reinou, implacável. O soldado ainda permaneceu no mesmo lugar, um sorriso de escárnio no rosto enquanto o ignorava por completo, fato que deixou o trovador louco da vida. Cingiu os dedos em torno de seu alaúde, controlando a ânsia de praguejar em voz alta. Quem ele pensava que era para tratá-lo assim? O próprio rei?Para piorar a situação, não tardou para que os pingos nem tão esperados de chuva começassem a cair sobre sua cabeça, encharcando os fios sujos de seu cabelo, suas roupas e sua dignidade. Em volta, a noite caía fria e molhada. Não havia mais nada que o trovador pudesse fazer ali; então, seguiu a passos apressados em direção à minúscula tenda que lhe pertencia, posta na periferia do acampamento, bem ao limite do bosque de bétulas.
Assim que parou diante da estreita abertura no tecido, hesitou. Sem que pudesse evitar, seus olhos foram guiados para o denso agrupamento de árvores, imaginando quais seriam os segredos escondidos lá dentro. Com olhos estreitos, perscrutou a profundidade da mata, com sua quantidade absurda de troncos finos, riscados de negro, alongando-se delgados para cima e adiante, os galhos ressequidos pela ação do outono. No solo, a vegetação rasteira se expandia em abundância dentre as raízes, abarrotando a terra com urzes, espinheiros e flores vermelho-violáceas e verde-amareladas.
Não era a primeira vez que observava aquele bosque, e não se lembrava de alguma vez ter sentido medo dele; no entanto, a neblina provocada pela chuva lhe conferia um aspecto terrivelmente assustador, tanto que lhe custou encontrar forças para se mover do lugar. Finalmente, com um suspiro sôfrego, esgueirou-se para dentro da tenda, posicionou seu alaúde com delicadeza sobre o estojo a fim de que não ficasse encharcado e se sentou na cama improvisada. Permaneceu ali, perdido em pensamentos, até a chuva passar.
Só que isso demorou horas. A noite estava densa quando as gotículas cristalinas pararam de cair, embora já tivessem feito a sua parcela de estrago no acampamento. Em todo canto, profundos sulcos se formaram na superfície embebida, erguendo um olor terroso. A umidade se grudava em absolutamente tudo, tornando a sensação de frio um desafio doloroso de se suportar.
O trovador dormia um sono agitado e não notou a mudança no ambiente. Também não notou quando os soldados tornaram aos montes a seus afazeres, e menos quando as fogueiras se acenderam e voltaram a se apagar após a ceia. Não viu nada disso, pois sonhava com coisas estranhas que roubavam toda a sua atenção e não o permitiam ver um palmo diante de si. Claro que também não viu o momento em que a maioria dos homens dormiu, e menos quando uma figura peculiar se esgueirou sorrateira, suas delicadas patinhas atravessando a relva e o focinho farejando o ar em busca de seu cheiro.
Na escuridão, sua forma diminuta se sentava sobre as ancas. Ela despejava uma sombra alongada sobre o recinto silencioso, em razão do pequeno lampião posicionado no lado de fora. Ao sopro de uma expiração sua, a chama se apagou por completo.
Seus olhos da cor do âmbar o observavam de longe, altivos. Não realizava um movimento com exceção do balançar de sua cauda em uma dança sinuosa. Quando o trovador se deu conta de que não mais estava sozinho no recinto, despertando ao som de um trovão, sentiu o corpo congelar completamente, pernas e braços presos por mãos invisíveis que o mantinham estagnado. Um arrepio desceu em sua nuca e o suor começou a surgir aos borbotões de seus poros ao topar com o mesmo olhar em fenda daquela tarde.
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A Balada das Três Raposas
ContoO Rei está prestes a tomar as terras ermas, região ainda inexplorada e, ao que se sabe, extremamente fértil e produtiva, além de nunca ocupada por nenhum ser humano. Para isso, convocou o seu exército, bem como o famoso Trovador das Guerras, com o i...