Neste episódio assistimos a uma mudança de espaço. Acomodemos a nossa fantasia no comboio da imaginação e viajemos até à quinta de santa Olávia, nas margens do Douro. O percurso é fascinante, rumo aos belíssimos socalcos e vinhedos do norte. Depois poderemos instalar-nos confortavelmente à mesa das refeições e usufruir de um opulento jantar, no qual não faltarão as boas iguarias da cozinha portuguesa, começando nos aperitivos e terminando no aromático café. O assunto abordado na conversa dos convivas será sobre o ainda tão actualizado tema da " Educação ".
Numa manhã de Abril, nas vésperas da Páscoa, Vilaça fez uma visita a santa Olávia.
Teixeira, o mordomo, conduziu Vilaça à sala de jantar, onde Gertrudes, a velha criada, o cumprimentou.
Vilaça teve dificuldade em reconhecer Afonso, quando o viu a subir a rua, robusto e corado, embora os seus cabelos estivessem todos brancos.
Afonso e Vilaça cumprimentaram-se com emoção e, ao ver Carlos, Vilaça ficou deslumbrado com o seu crescimento, beijando-o arrebatadoramente.
Carlos pendurou-se e balançou-se num trapézio, enquanto Vilaça o contemplava, embevecido, reconhecendo nele os traços da família dos Maias, nomeadamente os olhos e o cabelo.
Afonso perguntou se tinham preparado o quarto ao senhor Vilaça, já que o quarto onde ele habitualmente dormia tinha sido ocupado pela senhora viscondessa, uma prima da mulher de Afonso, que tinha ficado viúva e pobre e Afonso recolhera.
Afonso comunicou, entretanto, que eram horas de jantar, justificando que havia novas regras, devido à necessidade de impor um regime a Carlos. Assim almoçava-se às sete, antes de Carlos partir para a quinta, e jantava-se à uma hora. (No campo o pequeno-almoço corresponde ao almoço da cidade e o almoço ao jantar).
Em conversa com o Teixeira, Vilaça comentou que era Carlos que fazia reviver aquela casa e calculou que o menino seria alvo de todos os mimos, mas Teixeira desenganou-o, informando-o que Carlos estava a ser sujeito a uma educação muito rigorosa, inspirada no modelo inglês. Seguindo as regras desta educação, Carlos tinha rigor na alimentação e beneficiava de um contacto directo com a natureza, podendo correr, subir às árvores, cair, molhar-se e apanhar sol, tal como o filho de um caseiro.
Carlos estava a ser educado por um percetor inglês, que, mal tinha chegado, o tinha logo ensinado a remar e a fazer habilidades no trapézio.
Quando Vilaça chegou à sala, já o esperavam Afonso, Carlos, Brown, o abade Custódio e a senhora viscondessa.
Falando-se sobre a viagem de Lisboa, o abade manifestou a sua pouca familiaridade com os comboios, mas Vilaça lembrou que também podia haver acidentes quando se circulava pelas estradas.
Durante o jantar, foi também abordado o tema da educação, na sequência de Vilaça ter perguntado a Carlos se já ia adiantado nos seus estudos.
Carlos disse que já sabia montar muito bem a sua eguazita, mas, quando Vilaça perguntou se Carlos conhecia alguns escritores clássicos, o abade referiu ironicamente que ali o Latim, segundo ele a base da educação, era visto como algo muito antigo.
Brown entendia que era necessário desenvolver primeiro os músculos, posição que Afonso aprovava, alegando que era importante apostar-se primeiro na saúde e na força.
Segundo Afonso, a instrução não poderia consistir apenas em saber recitar, mas sobretudo em aprender coisas úteis e práticas. (É IMPORTANTE REFLETIREM SOBRE A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO, ABORDADA NESTE ROMANCE, E CONFRONTAREM AS DUAS CONCEPÇÕES DEFENDIDAS: EDUCAÇÃO À INGLESA E À PORTUGUESA).
Entretanto os convivas puderam apreciar a desenvoltura com que Carlos falava inglês, no seu diálogo com o preceptor.
Carlos falou ao ouvido do avô, para lhe fazer um pedido, e o avô acabou por lhe dar assentimento, apenas porque era dia de festa, devido à presença do Vilaça. Carlos podia então ir buscar a Teresinha, que era a sua namorada.
O café foi tomado no terraço, enquanto observavam Carlos, que se balouçava no trapézio.
Enquanto Afonso elogiava as virtudes da ginástica, o abade comentou que aquela educação poderia fazer atletas, mas não fazia bons cristãos, insistindo que Carlos, como único herdeiro de uma casa tão grande e com futuras responsabilidades na sociedade, deveria aprender a doutrina.
O abade referiu mesmo que, numa ocasião em que uma senhora tinha pedido a Carlos para lhe recitar o Ato de Contrição , ele respondera que o não sabia.
Afonso argumentava que era mais correto uma criança assimilar a recusa dos maus actos por serem indignos de um cavalheiro e de um homem de bem do que do que por serem atentatórios contra os mandamentos de Deus e puníveis com as penas do inferno. Seria mais correto agir por respeito a códigos de honra e de virtude do que por receio das penas do inferno ou pela esperança de conquistar o paraíso.
De regresso a casa, após um passeio pelo campo, já os esperavam as Silveiras, senhoras ricas de uma quinta próxima, uma delas com dois filhos, o Eusebiozinho e Teresinha, a noiva de Carlos.
Eusebiozinho, que tinha um aspeto frágil, sombrio e melancólico, em contraste com o vigor de Carlos, era um menino que revelava, desde o berço, um grande interesse por livros e por tudo o que dizia respeito ao saber, traçando letras e algarismos sobre um caderno.
Na sala estava também o doutor delegado, um presumível candidato ao casamento com a Silveira viúva, cujo pedido formalizado acabava sempre por ser adiado.
Após o café, os homens dirigiram-se à sala de jogo, enquanto as senhoras ficaram a conversar na sala.
Carlos apareceu na sala com a sua noiva, relatando as brincadeiras com que se tinham ocupado. A tia Ana, a quem assustava a impetuosidade de Carlos, fazia recomendações a Teresinha, dizendo-lhe que devia ter propósitos.
Carlos entretanto precipitou-se sobre Eusebiozinho, querendo arrastá-lo para África, num combate aos selvagens, mas a mãe acorreu em seu socorro, já que o menino tinha uma saúde muito frágil.
Quando deram as nove horas e Carlos viu o perceptor Brown aparecer, suplicava que ainda era cedo para se deitar, ainda por cima sendo aquele um dia de festa, em que tinham visitas, mas o avô manteve-se impassível e obrigou Carlos a retirar-se. Todos os presentes estranhavam aquela rigidez, mas Afonso alegava que era necessário método.
D. Ana Silveira desabafou com Vilaça que aquela educação à inglesa, ministrada por um herético e protestante, nunca fora aprovada pelos amigos da casa, tendo em conta que Afonso tinha ao seu dispor o abade Custódio, que daria certamente à criança uma boa preparação para fazer boa figura em Coimbra.
D. Ana referiu ainda que Carlos, para além de algum conhecimento do inglês, poucos talentos possuía. Depois, querendo pôr à prova os dotes de Eusebiozinho, incitou-o a declamar uns versos que ele conhecia e foi com a promessa de dormir essa noite com a mamã que o menino acedeu a cumprir esse pedido. Vilaça mostrou-se impressionado com o talento do rapaz, confirmando que ele era um prodígio.
Depois de os convidados se retirarem, Vilaça ainda acompanhou Afonso à livraria, enquanto ele, à boa maneira inglesa, bebia o seu conhaque.
Afonso fez referência à educação de Eusebiozinho que, naquela idade, vivia sob a protecção da criadagem, da mãe e da tia, passando dias inteiros a decorar versos e páginas do catecismo.
Vilaça tentava abordar um assunto com Afonso, acabando por conseguir comunicar-lhe que tinha notícias de Maria Monforte, pois o poeta Alencar, que tinha sido frequentador da casa em Arroios, tinha estado com ela em Paris.
Afonso, após a morte de Pedro, tinha feito todos os esforços para localizar Maria, querendo retirar-lhe a filha, mas, não conseguindo saber nada sobre o seu paradeiro, acabara por desistir.
Soube-se que Maria tinha vivido em Áustria e depois no Mónaco, tendo levado mais tarde em Paris uma vida de dissipação. O italiano tinha morrido num duelo e mais tarde também o senhor Monforte, a quem a filha arruinara com o seu luxo. Maria estava reduzida à miséria, entregando-se a uma existência de excessos.
Sobre a neta, Afonso acabou por aceitar que ela estaria morta, de contrário, tal como Vilaça alegava, seria natural que Maria viesse reclamar a legítima que cabia à criança. Ficou então decidido que não se abordaria mais o nome de Maria.
Quando Vilaça partiu, Afonso ainda lhe comunicou que iria contactar um primo que vivia em Paris, para que tentasse abordar Maria, oferecendo-lhe dinheiro para entregar a filha ao avô, caso ela estivesse ainda viva.
Vilaça achou o plano arriscado, pois a menina já ia nos seus treze anos, o seu carácter estava formado e ela teria saudades da mãe.
Carlos irrompeu pelo quarto, reclamando a presença do avô e de Vilaça, para apreciarem uma coruja que o Brown tinha encontrado. Era necessário apressarem-se, pois tinham que colocar a ave no ninho, porque a mãe podia dar pela falta da cria e ficar aflita.
Afonso entretanto contou a Vilaça que o Carlos sabia que o pai se tinha suicidado, pois teria ouvido os comentários de algum criado e tinha questionado o avô sobre o assunto. Como o avô não lhe escondeu nada, a reacção de Carlos foi a de pedir uma pistola e o avô mandou comprar no Porto uma pistola de vento.
Passadas duas semanas após a sua partida, Vilaça enviou uma carta a Afonso, com a notícia de que Alencar tinha visto em casa de Maria o retrato de uma menina que Maria apresentara como a filha que lhe tinha morrido em Londres.
Afonso não deixou de escrever ao seu primo, mas as informações que conseguiu recolher foi que Maria tinha fugido com um acrobata de circo para a Alemanha e Afonso, saturado das aventuras desta mulher, decidiu que seria melhor esquecê-la.
Como iria ser aberta a linha de caminho de ferro até ao Porto, Vilaça tinha manifestado, por carta, o seu propósito de fazer uma visita demorada a Afonso, acompanhado do seu filho, mas essa visita já não chegou a concretizar-se, visto que o pai Vilaça morreu de uma apoplexia.
Carlos, observando a tristeza do avô, sugeriu-lhe que fizesse um belo jazigo a Vilaça, tal como tinha feito a Pedro.
Anos mais tarde, em Coimbra, o filho de Vilaça, que herdara o cargo de procurador dos bens da família dos Maias, entrou no hotel Mondego, para comunicar a Afonso que Carlos tinha feito o seu primeiro exame, mostrando um desempenho brilhante.
Afonso abraçou-se ao neto, muito comovido, não conseguindo conter as lágrimas.