9. A Coisa Que Levou Ao Milagre e À Tragédia Definitivos

21 16 10
                                    

Se você estiver prestando atenção, deve se lembrar que eu disse que o meu "coração" com duas aspas era o motivo de tudo ter acontecido como aconteceu, mas agora eu devo acrescentar algumas informações a isso

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Se você estiver prestando atenção, deve se lembrar que eu disse que o meu "coração" com duas aspas era o motivo de tudo ter acontecido como aconteceu, mas agora eu devo acrescentar algumas informações a isso. O que eu disse lá atrás era verdade, só que em níveis (tudo nesta história opera através de níveis, eu acho). Para entender por que eu faria a escolha que levaria ao milagre e à tragédia definitivos, é preciso entender, antes, uma pequena história que vai explicar os defeitos trágicos do meu órgão mecânico.

A história de que fato aconteceu bem antes de eu chegar a'O Aracnídeo ou de papai morrer na misteriosa explosão da Periquito d'Olho Azul. Voltemos àquele dia que eu mencionei no primeiro capítulo, na época em que eu tinha 14 anos e mal conseguia contabilizar quantas emoções perturbariam meu espírito ao escutar do próprio pai que era pra eu estar morto. Foi ali que eu descobri que, desde o começo, o meu destino estava condenado e que não havia absolutamente nada que eu pudesse fazer.

— Você está crescendo, meu filho. Já tem catorze anos. Precisa saber da verdade — me falou com sua voz rouca, gesticulando para que eu me aproximasse. Fazendo jus ao meu temperamento, lancei uma expressão curiosa e atendi ao pedido dele. Então ele prosseguiu para me explicar sobre o "coração" de ferro, a falta de sorte na minha pré-vida e como ele salvara minha vida com sua inteligência de mecânico e inventor. Eu ouvi tudo com muita atenção, sem deixar de me surpreender, até porque nunca tinha ouvido falar de alguém que tinha uma máquina no lugar do coração, o que com toda certeza não podia ser tão comum. Para minha infelicidade, eu estava completamente certo e, como você vai ver, taí o motivo de tanto dissabor no futuro.

— Por isso nós vivemos aqui, meu filho — ele disse, em tom melancólico. — Foi o jeito que arrumei para que você pudesse ter uma infância tranquila. Você deve se lembrar das histórias que eu contava à meia-noite, não é? Sobre os cogumelos?

Eu, desentendido, fiz que sim.

— Bem, a relação deles com o seu "coração" não é exatamente direta, mas você vai entender. Ela meio que acontece em níveis, sabe? Tudo acontece em níveis... — Ele pareceu meio contemplativo por alguns instantes. — Os cogumelos foram gerados por uma enorme guerra que estava acontecendo, no passado. Era a humanidade contra ela mesma. Ou, melhor dizendo, contra uma versão dela mesma. A época dos cogumelos, e isso não tá nos nossos livros, ficou conhecida com a Guerra dos Ciborgues, porque era contra eles que era aquela batalha. Os ciborgues são as meias-pessoas: sujeitos cujo funcionamento corporal metade se dá por meios naturais, metade por meio robótico; ou seja, criaturas meio-a-meio, não por completo gente, não por completo máquina. Do conflito com a humanidade, somente uma das espécies podia sair viva, criador ou criatura, e teria o futuro para si. Para nossa felicidade, foi a humanidade que prevaleceu sobre os homens-máquina e os cogumelos remodelaram o mundo, transformando-o neste que conhecemos hoje com nossas dunas alaranjadas e terras sem nome. Por outro lado, infelizmente, a partir dali a união de homem e máquina passou a ser mal vista por toda a sociedade remanescente e os ciborgues que sobraram foram exterminados ou tiveram de se esconder. Na Declaração Universal da Vida foi alterado o significado de humanidade, que passou a descartar qualquer um que tivesse partes robóticas atadas ao corpo, considerando que essas pessoas não mais seriam pessoas, tampouco seres vivos. Você, meu querido filho, para eles, era para estar morto e, caso descobrissem-no, não parariam a nada para tirarem de você a vida, tão convencidos estão que não é digno dela. Eu nunca quis que carregasse esse fardo, nunca foi minha intenção, porém... Quando o encontrei tão fatigado, tão pequenino, tão fragilizado, não pude fazer nada que não ajudar. Seu "coração", que agora bate metálico, vai ser o motivo deles virem atrás de você, se lá fora. Aqui, comigo, você está seguro e, acredite, sempre estará. Esta é a verdade.

 Esta é a verdade

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
"Coração" - Uma Epopeia Em Sete BatidasOnde histórias criam vida. Descubra agora