"Quantas emoções perturbariam o espírito de um garoto ao escutar do próprio pai que era pra ele, seu filho, estar morto?"
Nesta surpreendente aventura, acompanhe a vida e pensamentos de um jovem cujo coração de lata inibe todas as emoções - as boas...
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Só que tem outra coisa que levou ao milagre e à tragédia definitivos. Mais cedo, quando eu falei que, após a explosão da Periquito d'Olho Azul, só havia sobrado para mim as roupas do corpo e alguns cópios, eu estava mentindo. Não foi por maldade, mas por pura comodidade, esquecimento, essas coisas. Se você quiser, pode até pegar este capítulo e colocar lá naquele que eu disse isso (eu poderia fazê-lo, mas, como estou redigindo à mão, ficaria pouco natural). Dessa forma, me digno agora a escrever que mais era que havia sobrado com a minha pessoa após a primeira tragédia e que, não por conseguinte, estava intrinsicamente relacionado à segunda tragédia de minha vida, a definitiva, e ao milagre que veio com ela.
Era uma última lembrança de papai, a coisa, algo que ele me entregou naquele fatídico dia aos meus 14 anos. A lembrancinha, como que grande ironia, era um aparelho de medição temporal chamado relógio, cuja função naqueles áridos tempos era a mesma dos dois livros de culinária que papai tinha na prateleira. Antiquado, o aparelho não servia para olhar as horas, escangalhado por natureza, então a gente ia usá-lo para dissimulação. Sêo Valentim entregou-me não por querer que eu estivesse sempre pontual, porém sempre seguro.
— Vão confundir o tique-taque do seu "coração" com o do relógio — explicou ele, fechando meus dedos sobre o aparelho. — Você deve sempre levá-lo consigo, meu filho, principalmente se for para longe da fazenda. Deixe-o sempre assim, fechado, para que não possam perceber os ponteiros parados. Vão persegui-lo pelo seu coração, vão querer levá-lo, mas, enquanto ainda estiver com este relógio, poderá enganá-los. Lembre-se disso.
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