Nos braços da morte

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Fim

   A noite o trouxera em sonhos para mim, como um anjo a curar a minha carne e a salvar a minha alma desprendida desse mundo em caos. Em noites que antes eram solitárias e dolorosas, mas que em sua presença tornaram-se ferventes e carnais. 
Onde seus beijos tiravam o pouco ar dos meus pulmões cansados, mas que também eram capazes de me trazer de volta a vontade de viver. Com firmeza, as mãos dele passeavam por minha pele que se aquecia ao seu toque, não se importando com a minha esquelética aparência. 
Com ele eu me sinto vivo outra vez, mesmo que eu soubesse estar à beira do pior dos abismos.
A morte.
Um demônio ou um anjo? O que seria o meu salvador? Nem eu mesmo saberia dizer, e pouco me importava em saber desde que ele permanecesse sempre ao meu lado. Amando-me a cada noite e a cada dia, desde meu último suspiro de vida.
Apesar de que algo estava a me atormentar, deixando claro que o dia da nossa despedida estava a chegar, pois a cada noite, meu corpo desfalecia de um cansaço sobrenatural. E o pouco vigor que eu ainda possuía se desvanecia como fumaça entre meus dedos.
Porém, eu nunca fui capaz de pedir para que ele parasse. Eu não conseguia me imaginar sem tê-lo ao meu lado, mesmo que em um último fôlego.
Esse era meu calvário por ter nascido defeituoso? Por ter meramente manchado o nome da minha família mesmo que estivesse em meu sepulcro silêncio? 
Um ser doente, incapaz de reconhecer seus pecados e incapaz de arrepender-se por tê-los cometido?
Essa seria a minha marca no mundo, sem sombra de dúvidas, incapaz de nunca ser capaz de dizer não.
Não ao meu desejo.
Não a minha natureza.
Não a bela criatura que atormentava meus sonhos com uma ardente paixão.

Joseph Gaillard - Paris, 1745

Anastasia crispou os lábios fechando o diário de Joseph contra seu peito. Seu rosto se encontrava manchado pelas lágrimas, e o tic-tac do relógio por um momento a fez pensar que o tempo não tinha parado.

Ela havia passado as últimas horas relendo aquele diário em suas mãos, em especial as últimas palavras escritas pelo seu adorado filho. Palavras que martelavam em seu coração como punhaladas de uma adaga, que a corroíam por dentro como ácido.

Como nunca percebera a infelicidade daquela pobre criança? Que mãe teria sido ela por nunca ter se dado conta de tamanho sofrimento? Mas não, não poderia simplesmente dizer que nunca havia percebido, pois por muitas vezes ela se fizera de cega, essa era a grande verdade. E as lembranças, mesmo que distantes, eram claras como água diante dos seus olhos. Anastasia podia claramente vê-lo bem à sua frente, cabisbaixo e com um sorriso artificial no rosto infantil.

E se olhasse bem mais a fundo naqueles lindos olhos azuis que se diziam as janelas da alma, ela saberia interpretar uma dor que nunca fora capaz de ver ninguém suportar.

Ainda assim, já era tarde demais. Há uma semana Joseph partira desse mundo cruel, de uma forma lépida e indolor. Assim, a flor mais bela do seu jardim murchara sem sentir mais o brilho do sol, e sem ouvir o canto do mais belo pássaro soar próximo aos seus ouvidos.

E agora, o que poderia fazer pelo resto da vida além de se arrepender amargamente? Quando não seria ela capaz de ir contra toda uma sociedade, mesmo que com isso tivesse que suportar a dor da perda do seu filho querido.

— Feche todo o quarto — murmurou minutos depois descendo as escadas com uma Marie agitada no seu encalço. — E nunca permita que ninguém mais entre lá.

— Sim, minha senhora. — assentiu.

Sem mais delongas, Anastasia entrou às pressas no escritório adjacente a uma das salas da mansão. Seus olhos fixos no fogo que crepitava ardendo na lareira, antes de atirar nas chamas as últimas lembranças de Joseph.

Que se findaram com a sua morte.

°°°

O vento soprou quente em seu rosto, não mais esquelético como antes, não mais pálido e não mais sem vida como a muito se encontrava. Nada mais parecia ter mudado além da sua aparência e da invejável disposição, ele se sentia o mesmo de meses atrás antes da doença se apossar do seu organismo.

O Joseph que sonhara em conhecer todo o mundo com suas diferentes culturas e povos. Apesar de que seria um sacrifício e tanto convencer sua adorada mãe de tal empreitada alucinante. Sua mãe, há tempos não a via mais. Segundo Sebastian, isso era necessário para o completo desligamento de sua alma do corpo carnal.

Não sentira qualquer dor no momento da sua morte, havia sido como acordar de um sonho após uma noite maravilhosa de descanso. E lá estava ele à sua espera, tão radiante quanto o brilho da lua e tão sedutor quanto o mais encantador dos homens.

Joseph encontrava-se deitado em uma cama de lençóis vermelhos, o corpo nu e repleto de toda a carne perdida. A pele sedosa e branca como nuvem, sem manchas, sem vincos e sem cicatrizes. Seus cabelos cintilavam mais loiros do que nunca, e a sensação quando tocou sua boca cheia e macia lhe trouxe um gemido.

Ele estava vivo como nunca antes.

Diante à colina, Joseph se lembrava daquele momento sentindo o calor do peito de Sebastian contra as suas costas. Como isso poderia ser possível? Perguntou-se, já que estava morto. As negras e longas asas de Sebastian envolveram seu corpo suave, e ele suspirou de um estranho alívio quando a luz do sol desenhou seu corpo.

Como ele sentia saudades disso.

— Ainda pensando em como tudo isso é possível? — a voz de Sebastian lhe provocou arrepios.

Ele apertou a sua cintura, deslizando as mãos para dentro da sua camisa escura em direção aos seus mamilos. O aperto nos montes duros fez Joseph arquear a coluna e apertar seu traseiro contra o pênis rígido, rebolando suavemente no colo de Sebastian.

— Irei arder nas chamas do inferno quando enjoar-me? — Joseph confessou os seus sentimentos perdidos.

O som irritado e rouco da voz de Sebastian o fez fechar os olhos, e ao abri-los novamente eles não estavam mais na colina. Os lençóis eram vermelhos, e os olhos diante dos seus eram da mesma cor intensa.

Mas repletos de paixão.

— Podem se passar mil anos. — Ele sussurrou com os lábios presos aos seus. — Mas você sempre será meu, mesmo que renasça e mesmo que morra.

As palavras atravessaram o coração de Joseph, as roupas lhe queimavam, e quando ele se viu sem elas, seus corpos se uniram em uma só carne.

— Eu te amo 

— Eu te venero.

Ele tinha conquistado o coração daquele anjo noturno, e eterno como a morte, seria o amor dos dois.

Anjo Noturno [Conto Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora